Veículos alemães destacam pontos em comum e divergências entre os dois governos, como nas questões do meio ambiente e dos conflitos globais. Reaproximação é vista com bons olhos, mas desconfiança persiste.
Crédito Foto: Michele Tantussí/AFP. Em Berlim, Lula e Scholz lideraram as primeira consultas governamentais Brasil-Alemanha em mais de oito anos
Frankfurt Allgemeine Zeitung (FAZ) – De braços abertos para o desconhecido (04/12)
Este ano as relações entre Alemanha e Brasil começaram com um alívio e um abraço, e terminaram, nesta segunda-feira (04/12), com um certo desencanto e uma recepção fria em Berlim – mas somente em razão das baixas temperaturas.
Pela manhã, na recepção oficial na parte externa do Palácio Bellevue [residência oficial da Presidência alemã], os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Frank-Walter Steinmeier [presidente da Alemanha] tiveram primeiro que tirar suas jaquetas pesadas antes de o brasileiro assinar o livro de visitas e ambos apertarem as mãos bem próximos um do outro. Mais tarde, quando Lula e o chanceler federal Olaf Scholz posaram para fotos com seus ministros, todos se abraçavam e riam novamente.
Está claro que o alívio com a vitória eleitoral de Lula supera os anos em que seu antecessor, o populista de direita Jair Bolsonaro, levou o país ao isolamento internacional. Assim como Steinmeier, Scholz e sete ministros alemães já visitaram o Brasil este ano.
Do lado brasileiro, fala-se também em uma “revitalização da parceria estratégica“, único motivo pelo qual é concebível que Lula tenha levado vários ministros a Berlim, para que pudesse haver nesta segunda-feira, após um longo intervalo, consultas intergovernamentais de alto nível Alemanha-Brasil, algo que não acontecia desde a reunião inicial de 2015, em Brasília.
Após o encontro, Scholz afirmou durante a coletiva de imprensa ao lado de Lula que as consultas tinham realmente valido a pena e que seriam a partir de agora repetidas a cada dois anos.
Berliner Zeitung: Lula em Berlim – “Tem gente que não quer a paz” (04/12)
Estritamente harmoniosa. Assim foi descrita a atmosfera da coletiva de imprensa entre o chanceler Scholz e o presidente Lula nesta segunda-feira em Berlim. Os chefes de governo enfatizaram interesses comuns e a importância das relações Brasil-Alemanha, que Scholz descreveu como “especiais”.
“Estamos especialmente unidos em nosso comprometimento com a sustentabilidade”, explicou Scholz.
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Scholz e Lula lideraram as primeiras consultas intergovernamentais Brasil-Alemanha em mais de oito anos. Vários ministros dos dois governos participaram do encontro, sendo nove do lado alemão. Entre outros acordos, os líderes apresentaram uma declaração conjunta de intenções em torno de uma parceria para uma transformação ecológica socialmente justa.
Então reina a harmonia entre Scholz e Lula? De modo algum. É especialmente no âmbito das políticas externa e de segurança que predominam as diferenças. O chanceler já havia sentido isso claramente durante sua visita de Estado ao Brasil no final de janeiro, quando Lula rejeitou enfaticamente seu pedido para o envio de munições de tanques para a Ucrânia.
Ao contrário do governo alemão, o presidente brasileiro rejeita o envio de armas a Kiev, insistindo em apoiar negociações de paz entre Ucrânia e Rússia. Nesta segunda-feira, Lula reiterou que continuará a trabalhar pela paz.
Ele inclusive renovou o convite ao presidente russo, Vladimir Putin, para comparecer à cúpula do G20 no Brasil no ano que vem, mesmo com o mandato internacional de prisão que pesa sobre o líder do Kremlin.
Também prevalecem avaliações diferentes sobre a guerra na Faixa de Gaza. Enquanto Berlim declarou apoio total ao governo de Israel após os ataques de 7 de outubro, Lula, nas últimas semanas, alertou contra um “genocídio” contra a população civil palestina.
Nesta segunda-feira, ele renovou o apelo por um cessar-fogo humanitário. “Você só pode falar em paz quando sentar à mesa de negociações”, disse Lula. “Mas, tem gente que simplesmente não quer a paz. Eu lamento muito isso”, afirmou.
Ele disse inclusive que, para evitar tais conflitos, a ONU deve ser reformada. “A geopolítica de 1945 não é a mesma de 2023”; afirmou.
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Os dois chefes de governo reafirmaram seu apoio ao acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, que está suspenso desde 2019.
É cada vez mais questionável se [a conclusão do acordo] irá de fato ocorrer. No fim de semana, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse durante a Conferência do Clima COP28 em Dubai que ele ainda rejeita os termos do acordo.
Em Berlim, Lula disse que Macron não é o único a fazê-lo. “Todos os presidentes franceses” rejeitaram o acordo, afirmou. “Talvez o Scholz consiga convencer o Macron.” Ele explicou que continuará a trabalhar pelo acordo, já que depois de 23 anos seria insensato não trabalhar para a sua conclusão. Scholz, por sua vez, disse que está “convencido que a maioria [dos países europeus] deverá ser a favor do acordo”.
O acordo UE-Mercosul criaria uma das maiores zonas de livre comércio do mundo, com uma população de mais de 700 milhões de pessoas. A indústria alemã tem grande interesse na conclusão bem-sucedida das negociações.
Por trás do impulso de Berlim ao rápido fechamento do acordo está também o medo de que os países sul-americanos se aproximem ainda mais da China, se as negociações fracassarem.
WELT.de – A bolha da ilusão alemã sobre Lula está prestes a estourar (04/12)
Pouco antes de deixar a Conferência da ONU sobre o Clima em Dubai, e das conversações com o governo federal da Alemanha em Berlim, Luiz Inácio Lula da Silva mais uma vez desistiu de uma de suas mais importantes promessas de campanha.
Ao indicar o ministro da Justiça, Flávio Dino, para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), o populista de esquerda quer garantir que a principal entidade do Poder Judiciário do país esteja cheia de seus confidentes políticos mais próximos.
A participação da população afro-brasileira e o anúncio durante a campanha de que as mulheres ocupariam as posições mais importantes do poder agora são história – pelo menos, até a próxima campanha eleitoral.
A abordagem de Lula ao tema altamente sensível das vagas no STF se encaixa com seu perfil político. O jornal Folha de S. Paulo relatou que há uma enorme diferença entre o que o líder brasileiro promete no cenário internacional e o que ele realmente cumpre.
Mas, apesar de todas as críticas em casa e no exterior, o governo alemão escolheu Lula […] como um parceiro preferencial.
[…] A nova situação geopolítica no mundo cai como uma luva para Lula. Em razão da invasão russa da Ucrânia e do comportamento cada vez mais agressivo da China, a Alemanha e a União Europeia precisam de novos fornecedores de matéria-prima e de novos mercados, para se tornarem mais independentes dos autocratas. Agora, Lula, tido como a maior liderança da América do Sul, pode ditar as condições para acordos de livre comércio e tomar decisões políticas que dificilmente seriam aceitas se tivessem vindo de seu predecessor, o populista de direita Jair Bolsonaro.
A suspensão do já negociado acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia desde 2019, em razão da tolerância de Bolsonaro para com o desmatamento da Amazônia, está se mostrando um erro. O balanço das políticas ambientais de Lula também contradiz suas promessas feitas durante a campanha eleitoral.
[…] No palco internacional, Lula culpa as nações industrializadas pelas mudanças climáticas. Isso, porém, não impede que o Brasil invista apenas 11% do valor planejado de 100 bilhões de dólares em investimentos através da estatal petrolífera Petrobras na transição energética e descarbonização, como relatou o portal especializado Climainfo. Lula se beneficia do fato de a cobertura na imprensa internacional sobre suas controversas decisões ser muito mais gentil do era na época de Bolsonaro.
Quase um ano após a mudança de governo, Berlim começa a perceber que Lula não é um parceiro fácil. Isso também ocorre porque, após os ataques terroristas do Hamas em Israel e da guerra iniciada pela Rússia na Ucrânia, o brasileiro demonstra mais compreensão para com os agressores do que com o direito a autodefesa dos agredidos.
ZDF Heute – A estrela que veio para o frio (04/12)
Ele veio do verão no Hemisfério Sul para a gelada Berlim; um forte contraste. É improvável, porém, que a diferença de temperatura seja o único contraste quando o presidente Lula caminhava tremendo de frio para passar em revista o Batalhão de Honra da Bundeswehr (Forças Armadas alemãs) em frente à sede da chancelaria alemã.
Lula, o farol de esperança tantas vezes reverenciado como uma estrela pelos esquerdistas europeus, há muito se transformou em um parceiro problemático. Seu posicionamento incerto na guerra da Ucrânia, sua hesitação ambígua após o ataque terrorista do Hamas; tudo isso confunde os europeus – especialmente, os alemães.
Há décadas esse relacionamento vem sendo caracterizado por uma falta de compreensão. Se puxarmos pela memória, a surpresa desse lado do Atlântico não será tão grande, uma vez que as relações entre a UE e o Mercosul, entre o Brasil e a Alemanha, se caracterizam por décadas de incompreensão e decepções no Sul, assim como por erros de julgamento, arrogância e paternalismo no Norte.
[…] Em termos econômicos, tudo vai bem entre a Alemanha e centros industriais como São Paulo. A metrópole no Sudeste do Brasil ainda é considerada como o maior local de negócios da Alemanha. Nenhuma outra cidade no mundo possui tanto poder econômico alemão. Mesmo assim, várias empresas que operam no [índice da bolsa de valores de Frankfurt] DAX reclamam que é quase impossível investir no Brasil em razão da corrupção e da falta de garantias legais. A Rússia e a China são vistas como alternativas mais seguras.
[…] Os europeus estiveram tão ocupados com eles mesmos que não se deram conta de quase nada. Eles enfrentavam a crise financeira, a crise do euro, crise das dívidas dos Estados e, acima disso tudo, uma pesada crise em seu sistema político.
Eles perderam todas as oportunidades num Brasil que se tornou cada vez mais autoconfiante, que agora se orgulha de fazer parte do novo bloco do Brics e para o qual a Europa já não é um lugar tão atraente.
FAZ – Um amigo com várias facetas (04/12)
O abraço de Lula no presidente alemão Frank-Walter Steinmeier durante a posse do brasileiro no início do ano em Brasília foi um abraço íntimo. Muitos se sentem assim em relação aos brasileiros. Pode-se rapidamente ter a sensação de que se trata de seu melhor amigo. Lula, porém, também abraça outros. Na verdade, quase todos os outros. Talvez não haja outro presidente que tenha sido chamado de amigo por Fidel Castro [ex-líder cubano] e por George W. Bush [ex-presidente dos EUA].
Agora, Lula está de volta ao poder após seu primeiro período na Presidência, entre 2003 e 2010. O político de 78 anos cresceu em uma família pobre e conseguiu se tornar líder sindical e presidente. Mais tarde, ele foi condenado à prisão de maneira controversa, sendo depois libertado de maneira igualmente controversa, para finalmente derrotar seu antecessor populista de direita Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições. Uma sensação de invencibilidade provavelmente é inevitável no resumo de sua vida.
Lula acredita ter uma posição forte em seu relacionamento com a Europa. Ele próprio jamais foi um defensor convicto do meio ambiente, mas reconheceu os sinais dos tempos e a importância (e poder) que o Brasil tem nessa questão. O Brasil assinará duas dúzias de tratados com a Alemanha nas áreas de meio ambiente, agricultura, energia e tecnologia.
Lula inteligentemente transformou a questão do clima em um instrumento de política externa, especialmente na Europa, onde a transição energética não será possível sem parceiros confiáveis que possuam os recursos necessários.
Mas, quão confiável é Lula? O Lula que, após os ataques de Putin na Ucrânia, culpou os dois lados pela guerra; que em seus comentários sobre a guerra em Gaza não classificou o Hamas como uma organização terrorista e fala em genocídio cometido pelo Exército de Israel; e que permanece ao lado de regimes autoritários no grupo do Brics e na América Latina.
Lula não quer e não vai se aliar ao Ocidente em várias questões, e não somente por razões ideológicas. O Brasil se beneficia de conseguir dançar em todas as festas de casamento, algo que Lula sabe fazer melhor do que ninguém. Ele quer ser o porta-voz do Sul Global e construir pontes. Depois de assumir a presidência do G20 no início do mês, ele tem mais um plataforma a seu dispor.
É preciso, porém, aceitar que o Ocidente nem sempre acerta. A Europa tem parceiros que são muito mais hipócritas do que Lula – e que sequer lhe abraçam.
ZDF Heute Journal (TV) – Lula encontra Scholz (04/12)
Nesta sexta-feira, logo após seu retorno da viagem à Alemanha, Lula quer fechar [o acordo Mercosul-UE]. Seria um acordo histórico, quase um legado, resultado de anseios e combates de quase três décadas.
Mas as perspectivas não são boas.
[…] Também a Alemanha faz esforços para fechar o acordo. Mas, sobretudo, a Alemanha faz esforços por Lula: o presidente alemão [Frank-Walter Steimeier] encontra Lula; a presidente do Bundesrat [Câmara Baixa do Parlamento Alemão, Manuela Schwesig] encontra Lula; o chanceler federal [Olaf Scholz] encontra Lula.
Existem tantas diferenças, e tão graves, entre o Brasil e a Alemanha, que o acordo de livre comércio não ajudaria apenas a economia, mas a política.
[…] O presidente brasileiro veio a Berlim com quase todos os seus ministros. Lula também se esforça pela Alemanha, mas persistem diferenças fundamentais. Nas duas guerras dos tempos atuais, o presidente brasileiro exorta a Ucrânia e Israel a negociarem, enquanto o chanceler federal alemão destaca o direito à autodefesa.
[…] Scholz e Lula partem para negociar o acordo Mercosul-UE. Não há perspectivas boas. Talvez ainda sejam necessárias algumas gerações de políticos para chegar lá.
TAZ – Lula e Scholz angariam apoios ao acordo de livre comércio (04/12)
Os acordos bilaterais são a moldura de um controverso acordo comercial entre a UE e os Estados do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). Trata-se de uma nova tentativa de conciliar o acordo de comércio livre com a proteção das florestas tropicais e a política climática e de manter a perspectiva de investimentos nos países do Mercosul – ou seja, uma tentativa de salvar o acordo.
Na Europa, o bloqueio vem da França e da Áustria. Além das preocupações ambientais, o cerne da questão é o lobby agrário desses países, que se vê ameaçado por causa de eventuais futuras importações de carne barata. Já a União Europeia reforça que o acordo inclui proteções aduaneiras, ou grandes limitações das quantidades de produtos que seriam importados com incentivos alfandegários.
Já faz algum tempo que circulam rumores sobre a Comissão Europeia estar considerando separar a parte comercial da parte política do acordo, que, assim, poderia ser simplesmente ratificado, uma vez que não requereria a aprovação dos parlamentos dos países-membros da UE. A votação no Conselho Europeu também seria simplificada.
Mesmo assim, ainda há resistência na América Latina. […]
O acordo de comércio livre entre a UE e o Mercosul está sendo negociado há mais de 20 anos.
É controverso se a declaração adicional e outros acordos bilaterais podem atenuar os efeitos sociais e ecológicos do acordo comercial de promoção das exportações. Também é discutível se Lula e Scholz podem “salvar” o acordo comercial.
Veja em: https://www.dw.com/pt-br/como-a-imprensa-alem%C3%A3-cobriu-a-visita-de-lula-a-berlim/a-67632899
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