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Da Amazônia à Austrália: pelo que lutam os povos indígenas

Eles são cerca de meio bilhão ao redor do mundo e ainda hoje sofrem violências e discriminação. Grandes projetos de infraestrutura, agronegócio e exploração de recursos naturais estão no centro de conflitos.

Por: Tim Schauenberg | Créditos da foto: Ueslei Marcelino/REUTERS. Indígenas no Brasil estão expostos à cobiça, ao assédio e à violência de criminosos, e lutam pela demarcação de territórios

Eles são cerca de meio bilhão ao redor do mundo e defendem os direitos humanos, a natureza e a própria cultura e território. Ainda hoje sofrem violências e discriminação. Na luta que travam há séculos, povos indígenas, não raramente, pagam o preço com a própria vida.

Entidades de defesa dos direitos humanos contabilizam mais de 1.700 assassinatos de ambientalistas e defensores de territórios entre 2012 e 2021 em aproximadamente 60 países – mais de 35% dos casos eram indígenas, segundo dados da ONG Global Witness.

A Colômbia e o Brasil lideram o ranking – os números oficiais, porém, escondem uma realidade de subnotificação e refletem, também, um trabalho mais preciso de documentação nesses dois países.

No centro desses conflitos sangrentos estão muitas vezes grandes projetos de mineração, o agronegócio que avança sobre áreas desmatadas, a construção de represas ou a exploração petróleo, gás e carvão.

Veja abaixo algumas histórias sobre lutas travadas por povos indígenas ao redor do mundo.

Aborígenes na Austrália: “Nos veem como pedintes”

“Nosso povo habita este continente há mais de 60 mil anos”, afirma à DW Adrian Burragubba, que é guardião cultural dos Wangan e Jagalingou, uma tribo de povos originários australianos que travou por anos uma luta fracassada contra a construção da mina de carvão Carmichael, no estado de Queensland. O polêmico empreendimento, que começou a operar em 2021 sob intensos protestos, pertence à gigante indiana Adani.

O líder aborígene Adrian Burragubba fala ao microfone durante os protestos de 2021 contra a mina de carvão em Brisbane, Queensland.
Adrian Burragubba é guardião cultural dos Wangan e Jagalingou. Foto: Russel Freeman/AAP/IMAGO

A imprensa noticiou à época que a exploração de carvão poderia levar a uma diminuição no nível das fontes subterrâneas de água – que, além de sagradas para os povos indígenas, são essenciais para a vida e o equilíbrio ambiental da região. A isso, ressalta Burragubba, somam-se ainda a constante poluição sonora e do ar, mas também decorrente das luzes, o que impacta populações de insetos e tem reflexos sobre todo o ecossistema.

Mesmo antes de a mina ser construída, ativistas já alertavam sobre as consequências para a região e até mesmo para a famosa grande barreira de corais na costa australiana, receosos de que a intensificação do tráfego marinho pudesse causar mais danos àquele frágil ecossistema. Há ainda preocupações de ordem climática – grandes porções dos corais já foram destruídas em decorrência do aquecimento global, entre outros fatores.

A mina de carvão também poderia, ao longo dos próximos 60 anos, ser responsável por quase 2% das emissões de carbono que ainda restam à humanidade antes que o limite de aquecimento global de 1,5º C seja ultrapassado.

Os povos originários da Austrália sofrem discriminação e racismo desde a colonização. Burragubba explica que, quando o direito à terra lhes é negado, os Wangan e os Jagalingou apelam aos direitos humanos para enfrentar o Estado. Assim, eles continuam a celebrar cerimônias e visitar seus locais sagrados nas imediações da mina de carvão.

“Ocupamos a terra”, diz Burragubba. A liberdade religiosa, afinal, é um “direito humano fundamental”. “Ninguém pode nos impedir disso.”

Homem negro e aborígene faz performance crítica ao feriado nacional australiano, que os indígenas chamam de "Dia da Invasão".
Os povos originários da Austrália sofrem discriminação e racismo desde a colonização. Foto: Roni Bintang/Getty Images

Milhões podem ter que pagar preço pelo ouro filipino

Outro país, problemas parecidos: no nordeste das Filipinas, a mineradora australiana OceanaGold extraiu 1,85 toneladas de ouro e 6,91 toneladas de cobre só na primeira metade de 2023. A exploração frequentemente ocorre mediante o uso de substâncias químicas altamente poluentes como arsênio e mercúrio. Um relatório das Nações Unidas (ONU) de 2019 aponta que as atividades da mina podem ser responsáveis pela contaminação da água e morte de árvores no entorno.

Ali, as comunidades indígenas às margens do rio Didipio lutam há anos pelo direito de permanecer em seus territórios, como explica o relator especial da ONU para o direito à água e ao saneamento, Pedro Arrojo-Agudo. Proteger a terra, a floresta, o rio e a água potável é, frisa ele em conversa com a DW, uma questão de “interesse comum”.

“O problema com os metais pesados é que as pessoas não percebem que estão bebendo água contaminada nem percebem que é perigoso. A acumulação [desses metais] no corpo por décadas envenena.”

Processo artesanal de extração do ouro com o uso de mercúrio; metal pesado tem consequências danosas à saúde humana.
Extração do ouro com o uso de mercúrio tem consequências danosas à saúde. Foto: David Greedy/Getty Images

A região tem sido nos últimos anos palco de protestos frequentes de indígenas. Eles apanham da polícia, sofrem abusos e são alvos de “remoções forçadas”, informa Arrojo-Agudo, que acompanha a situação e reporta o caso à ONU.

Segundo ele, a contaminação da água teria implicações graves não só para a saúde dos habitantes do trecho superior do rio, mas também para “milhões que vivem mais abaixo em toda a bacia hidrográfica do rio”.

No passado, vários especialistas da ONU instaram o governo filipino a não discriminar as comunidades indígenas para favorecer interesses econômicos. A licença da OceanaGold expiraria em 2021, mas foi renovada por mais 25 anos.

Guardiões da floresta ameaçados na Amazônia

Amazônia abarca nove países e é uma das regiões mais ricas em biodiversidade do planeta. Lá vivem 1,5 milhões de indígenas de mais de 380 etnias – uma população reconhecida como guardiã de uma gigantesca floresta que tem encolhido ao longo das últimas décadas sob a ameaça do desmatamento, do tráfico de drogas, de grandes projetos de infraestrutura, do agronegócio e da corrupção.

Seja por serem expulsos ilegalmente de seus territórios ou pela incompetência das autoridades em fazer valer a lei, povos indígenas acabam quase sempre envolvidos em um fogo cruzado entre cartéis de drogas, militares, milícias, guerrilhas e forças de segurança privada que atuam para empresários.

Um carro passa por uma rua de terra que corta a floresta amazônica - é a Transamazônica, na altura de Manicoré, estado do Amazonas. Ao fundo, é possível ver a fumaça de um incêndio.
Incêndios, desmatamento ilegal, agronegócio e grandes projetos de infraestrutura têm ameaçado a floresta amazônica. Foto: Michael Dantas/AFP/Getty Images

A destruição da Amazônia força os povos indígenas a deixarem seus territórios e abrirem mão do seu estilo de vida tradicional – o que, por sua vez, impacta negativamente o clima, já que eles têm um papel “decisivo” para a proteção ambiental, segundo a bióloga e membra da Academia Brasileira de Ciências Mercedes Bustamante.

“As taxas de desmatamento em terras indígenas são as mais baixas do Brasil e também de outras regiões da América Latina. Além disso, eles têm o conhecimento, conhecimento tradicional, sobre como usar a terra e mantê-la intacta ao mesmo tempo”, afirma Bustamante, que atribui o fenômeno principalmente à cosmovisão desses povos.

Indígenas têm uma outra compreensão da relação entre o homem e a natureza, explica Dario Mejía Montalvo, membro da tribo Zenú na Colômbia e do Fórum Permanente para as Questões Indígenas na ONU. Trata-se, segundo ele, de um outro sistema de valores, uma outra visão de mundo, que considera todos os seres vivos, rios e montanhas, possibilitando a coexistência do homem e da natureza.

 

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/da-amaz%C3%B4nia-%C3%A0-austr%C3%A1lia-pelo-que-lutam-os-povos-ind%C3%ADgenas/a-66481882

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