Por: Norberto Paredes | Créditos da foto: GETTY IMAGES. Nicolás Maduro discursou após a divulgação dos resultados do referendo sobre Essequibo
Rodeado de globos e bandeiras tricolores, ao ritmo da música latina, o presidente venezuelano Nicolás Maduro comemorou, no último domingo (3/12), a vitória do “sim” em um referendo convocado pelo seu governo para tentar “decidir” o futuro de Essequibo, região disputada entre a Venezuela e a Guiana.
“Demos os primeiros passos de uma nova etapa histórica para lutar pelo que é nosso, para conseguir recuperar o que nos deixaram os libertadores”, afirmou Maduro após a votação.
O presidente acrescentou que “o povo venezuelano falou alto e claro e esta vitória pertence a todo o povo da Venezuela, sem discriminação”.
O presidente da Guiana, Irfaan Ali, destacou que seu governo está trabalhando continuamente para garantir que as fronteiras do país “permaneçam intactas” e afirmou que os guianenses “não têm nada a temer nas próximas horas, dias e meses”.
Essequibo, também conhecido como Guiana Essequiba, é um território controlado pela Guiana a oeste do rio Essequibo, no norte da América do Sul. São 159.500 km² ricos em recursos naturais.
Os venezuelanos defendem que a área fazia parte da Capitania Geral da Venezuela, quando o território era parte do império espanhol – e, por isso, pertence à Venezuela.
Para a Guiana, a disputa foi resolvida com a Sentença Arbitral de Paris de 1899, que determinou as fronteiras do território conhecido, na época, como Guiana Britânica.
Mas os venezuelanos não participaram daquela decisão e alegam que existem evidências que demonstram cumplicidade entre os juízes para decidir contra a Venezuela. Por isso, eles consideram a decisão do tribunal nula e sem efeito.
Pouco antes da independência da Guiana, em 1966, os governos do Reino Unido, da Guiana Britânica e da Venezuela assinaram o Acordo de Genebra, que reconhece a reivindicação e procura encontrar soluções para a disputa.
Mas a tensão entre os dois países aumentou desde que, quase 10 anos atrás, começaram a ser encontradas grandes jazidas de petróleo no território, que representa dois terços da superfície da Guiana.
Com a votação de domingo, a Venezuela pretende acabar com o status quo que prevalece desde então. Mas será que o governo de Maduro conseguirá fazer valer o resultado do referendo, aprovado com mais de 95% dos votos?
Resultado ‘prejudica a causa’
O referendo com cinco perguntas propôs aos venezuelanos rejeitar a “linha imposta” pela Sentença Arbitral de Paris e apoiar o Acordo de Genebra como “único instrumento válido” para solucionar a disputa.
Mas a proposta mais polêmica talvez tenha sido a quinta, que perguntou aos eleitores se eles estão de acordo com “a criação do Estado de Guiana Essequiba”, outorgando a cidadania venezuelana aos seus habitantes.
O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) afirma que a campanha do “sim”, apoiada pelo governo, foi vencedora nas cinco perguntas com 95% dos votos ou mais.
O CNE classificou a vitória do governo como “evidente e esmagadora”, declarando que foram computados 10.554.320 votos. Mas o organismo não esclareceu se este número corresponde ao número de eleitores ou se foram contados cinco votos por eleitor (em referência às cinco perguntas individualmente).
Em um país com 20,7 milhões de eleitores, essa diferença pode resultar em uma taxa de participação de pouco mais de 50% ou de apenas 10% dos eleitores, dependendo da forma de totalização.
“A verdade é que o governo venezuelano esperava maior participação do que a que ocorreu, o que prejudica a causa”, afirmou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o analista Phil Gunson, especialista da organização International Crisis Group.
Desde o início do último domingo, os órgãos de imprensa locais relataram baixo comparecimento aos centros de votação de todo o país.
A ex-deputada de oposição María Corina Machado criticou severamente a consulta. Ela escreveu na rede social X, antes conhecida como Twitter, que “todos nós sabemos o aconteceu ontem [domingo]: o povo cancelou um evento inútil e prejudicial aos interesses da Venezuela, pois a soberania se exerce, não se consulta”.
Falta de caminho claro
Gunson mora na Venezuela há duas décadas. Ele afirma que o governo de Maduro enfrenta uma situação incômoda.
“Em termos legais, o resto do mundo observa a questão de Essequibo como um conflito que está nas mãos da Corte Internacional de Justiça (CIJ), mas a Venezuela rejeita a jurisdição dessa corte”, explica ele.
O referendo também perguntou se os venezuelanos estão de acordo com a posição da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da CIJ para resolver a disputa.
Na sexta-feira antes do referendo, a CIJ emitiu uma decisão, solicitando à Venezuela “abster-se de qualquer ação que altere a situação vigente no território em disputa”.
Para o governo da Guiana, a decisão também teve um sabor amargo, pois a CIJ não proibiu a realização do referendo, como havia sido solicitado.
O tribunal reconheceu ainda que “existe um risco real e iminente de prejuízos irreparáveis para a Guiana” após o voto e pediu aos dois governos que “se abstenham de agravar e ampliar a disputa entre ambos, o que pode dificultar a sua solução”.
Para Gunson, não parece haver um caminho claro para o governo venezuelano cumprir suas promessas, “a menos que, milagrosamente, a CIJ decida em favor da Venezuela ou que o governo venezuelano empreenda uma ação militar para tomar a região, o que também é muito pouco provável”.
Os moradores vão querer a cidadania venezuelana?
Talvez uma das propostas mais difíceis de cumprir, para o governo venezuelano, seja conceder aos habitantes de Essequibo a cidadania e os documentos de identidade venezuelanos.
Muitas das 120 mil pessoas que vivem no território sentem-se muito mais próximas de Georgetown do que de Caracas.
E agora, depois da descoberta de petróleo na costa de Essequibo, têm mais argumentos para permanecer sob o controle da Guiana, segundo o analista.
“É muito improvável que muitos moradores de Essequibo queiram receber a cidadania venezuelana”, diz Gunson.
“A Guiana é atualmente o país que mais cresce no mundo e está por se tornar uma potência petrolífera, com grande renda per capita e pouca população”, explica ele.
“Por isso, acredito que muitos guianenses ficarão felizes em continuar sendo guianenses.”
Estima-se que o PIB da Guiana, com cerca de 800 mil habitantes, aumente em 25% em 2023, depois de um crescimento de 57,8% no ano passado.
Motivações políticas
Mas qual o propósito de convocar um referendo que não pode ser cumprido?
A especialista em segurança Rocío San Miguel, de oposição ao governo venezuelano, diz que o governo da Venezuela está “usando” a questão de Essequibo para apelar ao patriotismo da população e desviar atenção.
Outros analistas defendem que a principal motivação foi política.
“Maduro é um presidente com pouca popularidade e enfrenta uma campanha difícil para sua reeleição no ano que vem”, explica Phil Gunson.
“Acredito que ele esperava se aproveitar de um assunto que realmente congrega todos os venezuelanos, pois a grande maioria acredita que [o Essequibo] pertence a eles, mas a estratégia não funcionou”, segundo ele.
Gunson afirma que o referendo de domingo “colocou em evidência” que Maduro não consegue atrair votos “nem mesmo em um assunto como este”.
Já San Miguel acredita que o resultado do referendo oferece ao presidente venezuelano o poder de iniciar um enfrentamento militar fronteiriço a qualquer momento.
A Guiana advertiu a Venezuela que qualquer “ato de agressão” não ficará impune e salientou que seu governo conta com amplo apoio internacional. O presidente guianense, Irfaan Ali, insistiu na necessidade de solucionar a disputa “pacificamente”.
Veja em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c4n4jqg5e2xo
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