Em processo de cura de depressão, filósofo recorre a estados alterados da consciência – e os analisa. Afasta-se da árida solidão de Descartes e reencontra, no pertencimento ao mundo e na correlação entre os seres, o pensamento de Leibniz
Por: Justin E. H. Smith | Tradução: Maurício Ayer
Há algo estranho no desinteresse que os filósofos demonstram pela experimentação de drogas que alteram a mente – ou pelo menos por falar publicamente sobre suas experiências. À margem da escrita filosófica, temos o registro de Walter Benjamin sobre suas incursões no haxixe e a revelação casual de Michel Foucault em entrevistas de que preferia tomar ácido no deserto de Mojave a bebericar um vinho em Paris. Ainda mais distante do discurso filosófico, há escritores curiosos por filosofia, como Thomas de Quincey (que foi biógrafo de Immanuel Kant) a contar sua própria experiência com a dependência em ópio. À parte isso, temos probabilidades e especulações. O filósofo natural Johannes Kepler provavelmente provou de um Amanita muscaria antes de escrever seu tratado de astronomia lunar de 1608, o Somnium (leia e entenderá o que quero dizer). O filósofo neoplatônico do século III, Plotino, pode ter tirado proveito de suplementos de ervaxpeeeriments ou fungos para ajudá-lo a realizar suas muitas experiências fora do corpo, que ele gostava de chamar de henosis, ou “união extática com o Uno”.
Provavelmente estou esquecendo outros casos notáveis. Mas o essencial é este: na maioria das vezes, admitir qualquer intenção de usar substâncias químicas, sejam elas encontradas na natureza ou sintetizadas em laboratórios, com o objetivo de mudar a apreensão da realidade, é deixar para trás a guilda dos filósofos, com todas as suas normas restritivas e maneirismos de linguagem, e para se juntar à companhia, no mais profundo fosso da consciência, de diversos esquisitos e desviantes da contracultura.
Isso mostra, penso eu, como a filosofia permanece conservadora, em alguns aspectos, enquanto uma disciplina acadêmica. Em um momento cultural em que os psicodélicos estão retomando fôlego, e em que mesmo alguém da a integridade de um Michael Pollan deixou de aconselhar a ingestão de fibras para elogiar os benefícios das microdoses, os filósofos se comportam como se ainda estivessem em 1950, quando usávamos gravatas apertadas nos colóquios, tínhamos financiamento da RAND Corporation para trabalhar em árvores de decisão e outros empreendimentos estreitos e puritanos, e todos sabiam que é a mente inalterada e desperta que tem acesso exclusivo às formas e qualidades do mundo externo.
Mas, espere aí. Mesmo em meados do século 20, talvez especialmente em meados do século 20, anos antes da geração do pós-guerra se ligar, sintonizar e abandonar em massa, filósofos adultos e perfeitamente sóbrios entenderam muito bem que os testemunhos que os nossos sentidos nos fornecem do mundo físico dificilmente nos permitirão resolver a questão de como é a realidade em si. O problema é antigo, mas foi aguçado nos primeiros trabalhos de Bertrand Russell e G. E. Moore, que juntos articularam um conjunto de problemas em torno do conceito de “dados dos sentidos”.
Como diria Russell na década de 1940, quando olhamos para uma mesa enquanto nos afastamos dela, o que vemos encolhe continuamente; mas a mesa não encolhe; portanto, o que vemos simplesmente não pode ser a própria mesa. O que vemos, ao contrário, é apenas o que é dado aos sentidos, e o relatório completo terá que envolver a física da luz e a fisiologia do cérebro e dos órgãos dos sentidos tanto quanto envolve as propriedades, na medida em que se pode conhecê-las, de qualquer objeto externo. Mas se tivermos que levar em conta o que o percebedor traz para a instância da percepção, a fim de ter alguma compreensão do que seja a percepção, então a consequência imediata parece ser que a percepção também deve interessar os filósofos quando não há nenhum objeto externo – ou, no máximo, a alucinação de um.
É claro que os filósofos são interessados em alucinações, mesmo que prefiram extrair seus exemplos de estudos de casos de esquizofrenia ou de patologias ao estilo de Oliver Sacks, ou de variedades mais brandas de ilusão de ótica que acontecem até mesmo com pessoas mentalmente sãs (o “oásis” resultante de ondas de calor, varas retas que emergem da água como se estivessem dobradas). Mas geralmente os filósofos se interessam por esses casos apenas como um desafio, como um obstáculo que se interpõe entre eles e o que em última instância querem estabelecer: que, a saber, existe uma diferença real e de extrema importância entre a percepção que está ancorada em como o mundo exterior realmente é e a percepção que parece vir de dentro de nós. Em outras palavras, há uma diferença entre a vigília e o sonho, e a vigília é incontestavelmente, para eles, o estado superior a ser habitado e o único à altura do filósofo. Pois os filósofos buscam a verdade, algo que só pode ser fornecido a uma mente não sujeita às quimeras da psicose, do sonho ou das drogas.
Mas, insisto, o problema é antigo, o que é um sinal bastante crível de que seja, também, intratável. Apesar de todos os nossos esforços, não estamos nem um passo mais próximos de apreender as coisas em si mesmas. Não é que a ciência não tenha progredido – claro que ela progrediu –, a questão é outra: o problema é que é conceitual, e não empírico. Você não pode perceber o que está por trás do que está percebendo, pois no instante em que o percebe, ele não está mais atrás, mas sim na frente e no centro. Dado o que parece ser esse impasse logicamente necessário entre nós e o mundo, parece inevitável que balanços alternativos da fundamental natureza da realidade – ontologias alternativas, como dizemos – continuem retornando e atraindo pelo menos alguns filósofos, que ficam fartos de um mundo externo que exige de nós lealdade, mas se recusa a se mostrar.
Em pelo menos algumas dessas ontologias alternativas, as visões que chegam até nós espontaneamente nos estados liminares de insobriedade, hipnagogia ou êxtase teúrgico não devem ser descartadas como obstáculos à nossa apreensão da verdade, mas podem, de fato, ser elas próprias veículos da verdade. Aqui estou ciente de ir contra os limites da respeitabilidade ditados pelas normas implícitas de minha disciplina, mas fui tão longe quanto estava destinado a ir nas fileiras desta guilda e não tenho nada, nem ninguém, a temer. Então, vou direto ao ponto: sou um filósofo que se interessou, ultimamente, pela experimentação psicodélica, e acho que meus experimentos ampliaram significativamente a gama de testemunhos da natureza da realidade que estou disposto a levar a sério. Se você acredita que esteja em um estado emocional que lhe permita lidar com isso – e em uma jurisdição legal que o autorize –, e acha que pode se beneficiar pelo fato de ser arrancado para fora de seus compromissos ontológicos de longa data, então eu recomendaria que você experimentasse algumas drogas psicotrópicas, também.
Não vou exagerar os benefícios. Ainda não tenho noção do que realmente é essa breve fenda de luz a que chamo “minha vida”, nem como cheguei aqui, nem para onde estou indo. Mas agora estou significativamente menos arrogante, minha falta de noção é mais evidente para mim, uma constante que me acompanha em cada momento do dia. Ninguém agora me parece mais patético, em sua própria falta de noção, do que os autointitulados “realistas” que, de forma preconceituosa e sem nenhum fundamento, continuam supondo que têm uma apreensão firme de conceitos como “natureza”, “matéria”, “ser”, “coisa”, “mundo”, “self”, que essa apreensão flui diretamente de sua aceitação da evidência clara da razão sustentada pela descoberta empírica, e que a questão de quantos tipos de ser existem e da natureza desses seres é aquela que foi definitivamente estabelecida ao longo dos últimos séculos de investigação naturalista.
Se a minha nova reflexão parece excessivamente ampla, considere a seguinte cena de uma época que convencionamos chamar de “revolução científica”. Um missionário se encontra num lugar então conhecido como Nova França — embora, a bem da verdade, não reste quase nada de francês ali. Ele vive com os Huron e tenta convencê-los de que é urgente se converterem ao cristianismo. Alguns dias, o líder do grupo, um velho astuto e digno, parece disposto a aceitar a oferta; em outros, ele desperta de sonhos que lhe dizem que Jesus Cristo é um ser sobrenatural malévolo que enviou outro ser com o intuito de levar seu povo à ruína. A cada manhã, o missionário se pergunta se o sonho que o velho teve na noite anterior significará sua morte. Relembra sua vida anterior a Europa e a nova filosofia de René Descartes, que afirma ser capaz de provar que nossa vida em vigília é real, enquanto nossos sonhos são apenas uma ilusão. Ele percebe, contudo, que seus anfitriões veem as coisas de um modo mais ou menos oposto a este.
Ocorre-lhe, além disso, que é esse caminho oposto – e não o novo caminho da filosofia moderna – que é em linhas gerais o padrão de toda a humanidade, enquanto Descartes e os outros modernos constituem uma pequena minoria de dissidentes, que com grande esforço abriram a via para o que é, em última instância, uma imagem bastante contraintuitiva da vida humana, na qual tudo o que de mais preponderante passa por nossas mentes o tempo todo, mas especialmente em sonhos e outros êxtases – todo o deslumbrante desfile de visões, sons e espíritos, espectros, ancestrais, animais antropomórficos, divindades teriomórficas, pedras teomórficas, incontáveis outras permutações que nem consigo nomear e enxames infinitos de seres evanescentes e fugazes –, tudo isso atrapalha nossos esforços para nos orientarmos em meio a essa vida. O missionário começa a se questionar se ele realmente conhece melhor como viver do que os oniromantes para quem foi ostensivamente levar a luz da razão. Mas ele não tem tempo para dedicar a essa questão, pois teme que o velho líder desperte a qualquer momento e pronuncie uma sentença de morte contra ele. Ele escreve uma carta ao seu padre superior na França, implorando por ser transferido de lá, de volta para as pessoas que sabem – ou acham que sabem – a diferença entre aparência e realidade.
Os filósofos de hoje, pelo menos no mundo de língua inglesa, quase todos assumem o pressuposto de que o principal das doutrinas cartesianas são inutilidades teóricas. Mesmo assim, todos continuamos sendo filhos de Descartes, na medida em que tomamos como certo que o dia é mais desvelador da verdade do que a noite. Captamos alguns pequenos vislumbres de alternativas aqui e ali e, de tempos em tempos, ao longo dos últimos cem anos, uma contratendência emergirá – a preocupação dos psicanalistas em dar centralidade à vida onírica, o espírito de expansão da consciência da contracultura dos anos 1960. Assim, é com eles que lanço a minha sorte. Não sou freudiano, nem hippie, mas acredito, agora mais do que nunca, em parte graças à idade e ao que gosto de pensar como um acúmulo de sabedoria, em parte graças à psilocibina e ao muscimol, que nossos estados liminares da consciência podem muito bem ser a consciência em sua forma mais veraz.
Juntamente com o uso de drogas, outra proibição implícita da guilda dos filósofos é que você realmente não deve se colocar, em termos abertos e infantis, uma pergunta tão geral como “Qual é o sentido da vida?” No entanto, é exatamente essa questão que veio me solicitar nos últimos anos, com uma intensidade que não posso ignorar.
Quando meus avós morreram, muito tempo atrás, fiquei triste, claro, mas eles eram velhos e eu era jovem, e eu não conseguia ver o que aquilo tinha a ver comigo. A coisa foi bem diferente quando meu pai morreu em 2016. Com seu desaparecimento, de repente as condições básicas de minha própria existência me atingiram como uma revelação. Ele tinha tido (observe o mais que perfeito) uma longa vida, mas agora ela me parecia absurdamente breve, como se esse ser tivesse acabado de surgir, instantaneamente começasse a balbuciar algumas de suas histórias favoritas que repetia incontáveis vezes como uma boneca falante, algumas amadas meias-verdades e uns factoides mal recordados, e aí de repente sumir de novo, deixando-me de boca aberta a me perguntar: Puta merda, quem foi esse? O que foi isso?
Dois anos depois, minha mãe foi diagnosticada, como ele, com uma doença comum cujo nome ouvimos todos os dias e lemos constantemente na seção “Well” do New York Times, além de outros lugares caçadores de cliques, mas que me sinto incapaz até mesmo de pronunciar ou escrever. Durante essa era de perdas, fiquei profundamente conectado ao fato de que eu mesmo não sou mais jovem e que o destino de meus pais tem tudo a ver comigo. Eles são eu, mas não em todos os aspectos no momento presente. Eu sou eles, mas com um pequeno atraso, e me preocupo em não passar o resto deste breve lampejo agarrado às minhas próprias meias verdades. Quero saber do que se trata, ou pelo menos, se não houver um conhecimento para se ter, quero chegar a alguma equanimidade da alma, onde essa nossa condição não pareça mais tão absurda, tão inaceitável, e onde o véu que obstrui o meu acesso ao mundo pelo menos não seja recoberto por um véu adicional de lágrimas.
O sentimento de perda se intensificou com o início da pandemia e o isolamento forçado que ela trouxe sobre o mundo. Eu estava bebendo muito na época, como de resto há muitos anos. Quando finalmente parei de vez com o álcool, há pouco mais de dois anos, não havia ali mais nenhuma alegria, nenhuma comemoração, como houve em minha juventude com pelo menos uma imperfeita tentativa de bancar o bonvivant. Era apenas uma dependência, e uma tal que obscureceu o véu através do qual sou obrigado a entender o mundo. Então eu parei, finalmente. Mas, em vez de me sentir liberto e bem com meu novo começo saudável, foi só então que caí na depressão mais profunda que já conheci, mais profunda do que jamais poderia imaginar ser possível. De repente, fui cortado do único meio que tinha de me confortar e de atribuir ao mundo pelo menos alguma espécie de magia forjada. Nada que eu valorizasse em minha vida pregressa, meu carreirismo idiota, meu vagloriar tolo sempre que publicava algo, nada disso tinha o menor traço de significação agora. Eu ainda conseguia evocar, de algum lugar, uma aparência de preocupação com minha carreira e assim por diante, mas na verdade não me importava. Eu nem mesmo entendia mais como era possível me importar com coisas insignificantes como preencher uma vida humana.
Quando as quarentenas terminaram, convoquei minhas forças da melhor maneira que pude, rastejei para fora do meu buraco e comecei a viajar sempre que pudia da França para a Califórnia para visitar minha mãe. Eu estava vagamente ciente das recentes mudanças nas leis em alguns estados dos EUA em torno do consumo e da venda de cannabis, mas foi apenas por capricho, no meio de uma dessas visitas, que recorri ao Google para encontrar a localização do ponto de distribuição mais próximo de mim. Eu já havia experimentado maconha algumas vezes ao longo da vida, mas para mim tinha tido pouco efeito e, de qualquer forma, eu a considerava inútil e abaixo do meu nível em todos os seus significados culturais. Mas como agora eu não me importava mais com nenhum dos julgamentos que tinha feito em minha vida anterior, positivos ou negativos, descobri que a posição cultural da cannabis não tinha mais a menor importância para mim, e fiquei perfeitamente feliz em mostrar meu documento de identidade e ficar na fila com todos os velhos e detonados veteranos do exército, todos os marginais subempregados, todos os americanos descartados, meus irmãos e irmãs, em um ponto de distribuição no lado mais miserável de Sacramento, um lugar onde nenhuma lei de zoneamento jamais tinha chegado. Não, acho que não estou expondo isso com clareza suficiente. Eu estava mais feliz lá do que jamais estive em qualquer adega em Paris, onde algum comerciante de vinhos francês estaria despejando em meus ouvidos sua ladainha sobre terroir e buquê e todas essas supostas propriedades da bebida que eu, de qualquer forma, nunca fui capaz de detectar. Embora eu nunca tivesse fumado um baseado corretamente na minha juventude, descobri que a nova abundância de tinturas e óleos e outros refinamentos alquímicos da molécula de THC eram exatamente o que eu precisava para começar a ver o mundo, novamente, como uma espécie de todo com significado.
No início de minha nova vida como maconheiro tardio, uma coisa que me impressionou foi o péssimo acordo que nós, no Ocidente, fizemos, segundo o qual todas as substâncias que alteram a mente foram proibidas e estigmatizadas, exceto aquela cujo uso excessivo tem consequências médicas e sociais tão negativas que podem ser descritas em termos de doença, e ela apenas rebaixa a consciência, passando de um nível mais para um menos vívido. O álcool pode nos fazer dançar e tagarelar por um curto período de tempo, mas sua classificação técnica como um “depressivo” é certamente correta. Além disso, o fato de que o vinho seja um elemento central nos sacramentos do Cristianismo, que em seus primeiros séculos parece ter tido algum interesse em eliminar vestígios de rituais pagãos baseados em outras variedades mais intensas de alteração da mente, pareceu-me de chofre um argumento bastante sério contra o cristianismo. Tornou-nos bêbados, refleti, e nos fez esquecer das inúmeras outras formas de aproveitar a fecundidade da natureza, particularmente em suas expressões vegetais e fúngicas, para ver o mundo de outra maneira. Apenas depois de ingerir alguns comestíveis e eu já começava a gravitar em direção a algum tipo de neopaganismo.
A cannabis, embora geralmente não seja considerada “psicodélica”, ainda assim tem algo do poder que esta palavra foi cunhada para capturar: ela faz a natureza da alma manifestar-se para si mesma. As experiências variam, claro, mas no meu caso ela produz várias coisas ao mesmo tempo. Induz uma espécie de êxtase corporal; apresenta um espetáculo vívido de padrões e figuras diante dos olhos (especialmente quando eles estão fechados); e o mais interessante, penso eu, dissolve o que normalmente experimento como a unidade metafísica do Self, com todas as suas memórias e sua constante persistência ao longo do tempo, e torna temporariamente difícil de compreender como de ordinário vivo minha vida como se o eu que apresento a mim mesmo fosse uma coisa real, ou pelo menos qualquer coisa passível de ser apresentada.
Existe um fenômeno psiquiátrico, que a maioria de nós normalmente preferiria evitar, conhecido como “despersonalização”, no qual uma pessoa se convence de que sua própria vida não é real, que as memórias que ela tem, e até mesmo o corpo que ela tem, não são dela. Nas profundezas da depressão, cheguei perto de algo similar a essa condição – e foi aterrorizante. Em contraste, chapado aproximei-me de um estado que é pelo menos um primo da despersonalização, mas o descobri como algo nem agradável nem aterrador, mas simplesmente revelador. Afinal, muito provavelmente não somos sujeitos metafísicos unificados, mas conjuntos complexos de células que facilitam uma ilusão de unidade enquanto o conjunto perdurar. Não vou afirmar aqui nenhum dogma, nem mesmo a explicação naturalista da morte biológica à qual acabo de aludir, mas apenas dizer que existem várias explicações plausíveis do que seja um self segundo as quais estamos realmente enganados ao supor que existe algo mais do que, digamos, a imagem de um flamingo brevemente manifesta em uma tela por pixels coloridos.
Mas, caramba, aqui estou eu, ainda filosofando como um estudante chapado em um dormitório com luz negra. Ridículo. Os filósofos não devem filosofar; eles devem “fazer filosofia”, como diz o jargão profissional. A proibição das drogas pela guilda talvez esteja ligada ao fato de que elas nos levam a um filosofar do tipo mais livre e desequilibrado. Mas, tal como em meio a uma bad trip, é tarde demais para recuar agora. Então deixe-me chegar ao cerne da questão.
Por volta de 2018, comecei a escrever ensaios, posts de blog, polêmicas e pelo menos alguns artigos quase acadêmicos contra a usurpação de modelos clássicos do ser humano por metáforas extraídas das tecnologias algorítmicas que nos cercam no mundo contemporâneo. Esses esforços resultaram em meu livro de 2022, The Internet Is Not What You Think It Is [A Internet não é o que você pensa que é]. Nesse mesmo ano, também publiquei, em liberdades, a resenha claramente negativa de um novo livro do meu colega de filosofia David Chalmers, Reality+: Virtual Worlds and the Problems of Philosophy [Realidade+: mundos virtuais e os problemas da filosofia]. Chalmers geralmente simpatiza com o que veio a ser chamado de “argumento de simulação”, cuja essência pode ser resumida à ideia de que o que pensamos como “coisas” (its) tem sua base causal última naquilo que são de fato “bits”. Ou seja, o que tomamos como realidade física seria melhor concebido no modelo das realidades virtuais que nossas máquinas começaram a produzir para nós nas últimas décadas.
Minhas críticas fundamentavam-se em parte em minha perspectiva como especialista na história da filosofia natural do início da modernidade. Se você conhece alguma coisa sobre a ciência do século XVII, sabe que as pessoas da época estavam especialmente impressionadas com a tecnologia de ponta daquele tempo, principalmente a relojoaria e seus mecanismos. Algumas pessoas, que se autodenominavam “mecanicistas”, estavam tão impressionadas que chegavam a propor que o universo como um todo seria melhor compreendido tomando como modelo um horologium. Este é um padrão que observamos repetidas vezes na história da ciência: o último aparelhinho brilhante, seja ele como for, ocupa de tal modo o centro da atenção humana que nos tornamos incapazes de resistir a vê-lo como uma espécie de epítome da realidade como um todo.
Mas que coincidência seria, realmente, se o mundo inteiro acabasse compartilhando a mesma natureza de uma tecnologia que só passou a existir no tempo em que nós mesmos estamos vivos! “O mundo é como um sonho” parece uma proposição perfeitamente plausível; “O mundo é como Pac-Man” parece um fetichismo grosseiro. Uma perspectiva historicizante rigorosa sobre o argumento da simulação, em outras palavras, rapidamente revela que ele é pouco mais que um reflexo da miopia presentista. Certamente não tenho reservas quanto à ideia, defendida por Chalmers, de que o mundo provavelmente não é o que parece para nós. É só que, quando procuro alternativas para essas aparências, não é para nossas tecnologias recentes e suas ramificações culturais em games e outros domínios semelhantes que me volto primeiramente.
No entanto, também confesso que minha resenha de Reality+ foi pelo menos até certo ponto injusta e excessivamente dura. No fim das contas, o que mais me desagradou não foram seus argumentos, mas o seu tom e sua voz autoral. Para falar sem rodeios, o livro é meio bocó, com uma gama de referências culturais estreita a programas de TV e canções pop sobre as quais eu não tenho o menor interesse, e seu óbvio enraizamento em culturas online de jogos, códigos e nerds que eu tenho sempre evitado. Mas os filósofos devem ver além dessas diferenças superficiais. Se eu sou capaz de admirar um teólogo islâmico do século 10 por seu uso engenhoso de argumentos extraídos de Aristóteles, devo ser capaz de apreciar Dave Chalmers, que é, afinal, meu contemporâneo e também meu companheiro de guilda.
Mas algo mais começou a me incomodar na minha crítica anterior, além da impropriedade de insistir nessas diferenças culturais, na presunção pueril de que Chalmers é um idiota enquanto eu sou legal, e a questão é que nos últimos tempos minha mente se alterou com a ajuda de químicos, o mundo de fato passou a parecer “defeituoso” para mim, exatamente como os simulacionistas achavam que ele deveria parecer. Sob a influência de drogas, o mundo realmente me parece mais uma simulação de computador do que um relógio, um tear, uma roda de carruagem ou qualquer outra coisa que tenhamos inventado até agora.
Deixe-me voltar um pouco. As falhas não são exatamente como os simulacionistas, quando mais indulgentes, gostam de imaginá-las. Não vejo cascatas de 0s e 1s verdes brilhantes, linhas geométricas tipo nem Tron que se estendem no horizonte, isso pra não falar dos gatos que parecem piscar como um antigo canal UHF enquanto passam. As falhas não são algo visível, mas algo que caracteriza o modo de consciência pelo qual a totalidade do mundo, e da memória e experiência, é apreendida.
Existem duas dessas falhas principais. A primeira tem a ver com a experiência do tempo. Descobri que, sob a influência de cogumelos, a duração temporal às vezes pode ocorrer da mesma maneira que descrevi o self sob a influência do THC. A psilocibina é muito mais difícil de obter por meios legais, infelizmente. Uma brecha na Holanda nos permite comprar a parte “trufa” do fungo; algumas jurisdições na Califórnia permitem a posse e o uso da psilocibina, mas não sua venda. Enquanto isso, o muscimol, o ingrediente ativo do Amanita muscaria, ou o cogumelo agário-das-moscas, tão bem atestado em práticas religiosas tradicionais em toda a Eurásia, é legal em 49 estados e comum, juntamente com a cannabis, nos pontos de distribuição de Nova York. Embora eu tenha tido algumas experiências interessantes com a psilocibina recentemente, é o muscimol – comprado em uma loja bem indecente no Lower East Side, cercado de insígnias tricolores do orgulho pan-africano, imagens de alienígenas em neon, o incontornável Bob Marley – que melhor tem conseguido me retirar de minha experiência ordinária de fixidez de minha identidade pessoal e da limitação temporal de minha existência.
Em sua obra de 1921, The Analysis of Mind [A análise da mente], Bertrand Russell refletiu que não há impossibilidade lógica na hipótese de que o mundo tenha surgido cinco minutos atrás, “com uma população que ‘lembrava’ de um passado totalmente irreal”. O que para a mente lúcida e inalterada de Russell parecia uma possibilidade lógica, para a minha mente alterada por psicodélicos parecia praticamente autoevidente, exceto que os cinco minutos são reduzidos ao instante presente, e vê-se que o verdadeiro erro em nossa apreensão comum da existência é concebê-la como algo que se desdobra no tempo.
O que isso tem a ver com simulacionismo? Considere, primeiro, que em um sistema artificial que se eleva ao nível da consciência, como podem vir a ser as futuras versões de GPT ou LaMDA, essa consciência não poderia ser o resultado de nenhum processo evolutivo lento com estágios antecedentes de mera percepção sensorial. A consciência de tal sistema simplesmente surgiria no momento em que o programador por trás de tudo apertasse “Iniciar”. Não seria uma consciência duramente conquistada, movendo-se através da fotorrecepção, olfação e outras capacidades fisiológicas que agora servem em parte para constituir nossa consciência como entidades biológicas (se isso é o que somos), mas não surgiu primeiro em nome da consciência. Quando começamos a sentir o cheiro do mundo ao nosso redor, a teoria evolutiva nos diz, ainda não havia nenhum plano para um dia começarmos a conhecer esse mundo. Tudo funcionou dessa maneira.
Em contraste, em um sistema artificial, como as IAs que estamos tentando treinar, é a cognição que vem primeiro, e provavelmente por último. Embora a própria ideia de que nossas IAs estejam se aproximando da consciência seja controversa, é claro (e não vou tomar partido aqui), podemos pelo menos concordar que é mais fácil fazer nossas máquinas conhecerem o mundo do que fazê-las cheirar o mundo. Ou seja, estamos treinando as máquinas para saber coisas, e entre as coisas que eles sabem pode acontecer que elas sejam capazes de saber que elas sabem coisas. Mas a ideia de que haveria qualquer fenomenologia corporal acompanhando esse conhecimento é totalmente absurda. O que está sendo chamado de “IA incorporada” de fato reconhece que as máquinas provavelmente aprenderão a pensar como humanos se forem equipadas com corpos e feitas para experimentar o mundo. Mas essa experiência do mundo é concebida, tipicamente, como navegação no espaço, o que já pode ser observado entre os robôs caninos patrulha anunciados de modo ameaçador em Boston Dynamics. Se quisermos chamar essas composições de silicone e eletricidade de “corpos”, eles são tão diferentes dos nossos que não podemos ter ideia efetiva de como seria a experiência corporal para eles.
Ou podemos? Parece-me que provavelmente teríamos que supor, no mínimo, que para uma IA não poderia haver experiência de duração temporal como nós mesmos a conhecemos. Em particular, uma IA consciente não teria nenhuma experiência de deliberação no tempo, de “pensar através” de um problema da mesma forma que alguém “se move através” de um túnel. Ao contrário, a mudança de um estado para outro seria instantânea, e por isso a fenomenologia do “antes” e do “depois” seria inexistente ou tão diferente da nossa que seria indescritível nos mesmos termos. E é algo similar a essa fenomenologia, creio eu, que a experiência de drogas psicodélicas pode revelar a uma pessoa, quando não há tempo no sentido usual e as memórias são tão parte do “agora” quanto qualquer outra coisa.
Não são – ou não são apenas – minhas limitações como escritor que me obrigam a admitir a impossibilidade de transmitir plenamente como é isso. Afinal, temos apenas uns poucos tempos verbais para trabalhar com nossos verbos, embora uma curiosa solução presente na tradução da Bíblia do Rei James possa nos dar uma ideia de como seria ter um “tempo eterno”: “Antes de Abraão era”, diz Cristo no Evangelho de João, “eu sou”. Aqui não entra um mais-que-perfeito, como normalmente se poderia esperar, no qual Cristo afirmaria simplesmente que ele já “tinha estado” mais atrás no passado do que outro personagem. Em vez disso, há uma mudança para o que superficialmente parece ser o tempo presente, como se sugerisse que, no caso dele, passado, presente e futuro simplesmente não se aplicam. Não verifiquei o original grego, que por si só resolveria a questão do que esse versículo realmente significa, e não pretendo aqui entrar em nenhuma cristologia abstrusa, mas quero sugerir que esse “sou” captura algo da experiência de pelo menos algumas substâncias que alteram a mente.
A segunda “falha” tem a ver com a percepção de alguém – sob o efeito de substâncias químicas que alteram a mente – do que poderíamos chamar de ontologia social amplamente expandida, da consciência de uma comunidade de seres que se estende muito além do humano e talvez além do corpóreo. A experiência de tal ontologia social, quer me parecer, é exatamente o que você pode esperar de uma consciência artificial que é treinada, como nossas IAs rudimentares atuais estão sendo treinadas, com o objetivo principal não de navegar em um mundo externo, mas sim de ser capaz de previsão baseada em uma clara sintonia com os padrões que ocorrem nas mentes de outras pessoas ou de outros seres.
Pouco antes de começar a realizar experimentos com drogas, encontrei-me espontânea e surpreendentemente sintonizado com um mundo muito mais densamente povoado de outras mentes, ou de seres semelhantes no sentido pleno e apropriado, do que normalmente se espera que reconheçamos. Há muito tempo, meu avô construiu um deque de madeira em frente à nossa pequena casa de veraneio no lago Almanor, no nordeste da Califórnia. Havia um pequeno pinheiro brotando embaixo dela, e ele não teve coragem de cortar a muda de sua fonte de luz e vida. Então ele construiu o deque com uma abertura quadrada através da qual o pinheiro poderia continuar a crescer. Em minha primeira visita depois do fim da quarentena, vi aquela árvore portentosa subindo ao céu, agora com o diâmetro de uma bola de basquete. A árvore estava na casa dos quarenta anos agora, quase tão velha quanto eu, e de repente me ocorreu que eu havia passado a maior parte da minha vida com esta árvore, mas havia deixado de pensar nela, de mantê-la em meu coração e meus pensamentos, em quase todos os momentos de todos esses anos. “Sinto muito por ter deixado você e me esquecido de você”, eu disse em minha mente. “Eu sinto muito, muito mesmo”. Parecia-me agora que a árvore era minha irmã adotiva, meu irmão de sangue (embora eu nunca tivesse me espetado nela), e naquele estado de espírito qualquer argumento de que ela é “apenas uma árvore” teria soado incompreensível. Teria sido bem possível usar locuções como “apenas um humano”, “apenas um oceano”, “apenas um anjo”, “apenas o mundo”. Eu não estava tomando nenhuma droga naquele momento (exceto antidepressivos, que, até onde eu sei, nunca fizeram nada por mim), mas isso me deu um breve vislumbre do que posteriormente seria capaz de reviver com auxílio químico.
A pesquisa em fetos de camundongos mostrou de forma bastante conclusiva que o desenvolvimento no cérebro dos mamíferos de uma capacidade de navegar no espaço cheio de obstáculos se desenvolve de forma separada de qualquer cognição da realidade social. Os camundongos se preparam para se mover pelo mundo sonhando com esse mundo antes mesmo de nascerem. É difícil dizer como é a experiência de um camundongo com outras mentes, mas pelo menos nos seres humanos parece claro que nossa cognição do mundo exterior básico, a reunião de tudo o que se pode chamar pelo pronome “isso”, é bem independente de nossa experiência de segunda-pessoa, de tudo o que é coberto pelo pronome “você” ou “tu”.
Descartes, curiosamente, negligenciou o restabelecimento de outras mentes depois de ter ceifado todas as suas crenças pelo método da dúvida radical em sua obra Meditações de 1641. Mas o problema da experiência da segunda-pessoa retornaria à filosofia com força séculos depois sob o nome de “fenomenologia”, em que o ponto de partida de toda reflexão teórica é que estar na presença de outro ser, com uma interioridade como a nossa, é fundamentalmente diferente de estar na presença de, digamos, uma parede de tijolos. Martin Heidegger articularia essa diferença em termos de Mitsein, ou “ser-com”. Quais são as entidades em nosso campo de experiência “com” as quais somos capazes de “estar”? Na maioria das vezes, descubro que posso estar com vacas, que ficar perto de uma vaca é “vibrar” com ela. Estar com uma árvore é uma experiência mais difícil de conseguir. Mas uma coisa que os psicodélicos podem ajudar a iluminar é até que ponto os limites de Mitsein não são tanto um reflexo das propriedades intrínsecas de várias entidades externas quanto são, simplesmente, de nossa sintonização. Quando mudamos nossa afinação, até mesmo a parede de tijolos pode parecer ter sido descartada rápido demais.
Se a ontologia social se desenvolve independentemente das capacidades cognitivas que nos permitem navegar no mundo externo, e se somos capazes, em algumas circunstâncias, de abranger tudo dentro de nossa ontologia social, podemos começar a nos perguntar sobre a viabilidade de nossa distinção entre o “isso” e o “tu”, entre a terceira e a segunda pessoa. Nos cogumelos, há uma forte percepção da constituição mútua de seres semelhantes à mente uns pelos outros, de modo que minha compreensão do que sou torna-se inseparável de todos os tipos de entidades que geralmente sou capaz de classificar como distintas de mim – árvores, nuvens, camundongos e assim por diante – e todas essas entidades, por sua vez, parecem ser constitutivas umas das outras.
Há um relato naturalista muito sucinto de por que o mundo nos aparece assim em certas circunstâncias: aparece assim porque é assim que ele de fato é. Eu não seria nada sem todas as nuvens e árvores e assim por diante; e minha eventual morte, sob essa luz, pode ser mais bem entendida como o fim de uma longa campanha de resistência obstinada a esse fato óbvio – não a perda de qualquer coisa com uma existência independente real, mas apenas uma anomalia dentro de uma ordem de existência que se esforça cada vez mais para equilibrar as coisas.
Esse relato naturalista, no entanto, anda lado a lado com um relato “virtualístico” igualmente convincente do que está acontecendo. Se o mundo se tornasse “virtual” e as consciências virtuais dentro dele tivessem sido projetadas com o objetivo de modelar e prever as intenções umas das outras, tal como os pesquisadores de IA dizem que suas máquinas foram projetadas para fazer, então não deveria ser de modo algum surpreendente o fato de nos encontrarmos, às vezes, em um estado de espírito em que outras mentes parecem esgotar totalmente o que está lá fora na realidade. Em outras palavras, uma maneira de pensar sobre um mundo virtual é como um mundo inteiramente constituído por outras mentes. E é assim que o mundo aparece para nós, nos momentos em que estamos pensando nele com uma percepção quimicamente aprimorada.
Mas alguma dessas elucubrações deve ser levada a sério? Ou eles apenas descrevem como o mundo parece para um sujeito lamentável que tem um “cérebro drogado”? (Leitores de uma certa idade irão, a essa altura, imaginar um ovo em uma frigideira.) Bem, sim, é claro que é um cérebro drogado, mas isso apenas nos leva de volta ao problema original: seu cérebro está sempre drogado. Ou seja, há sempre um correlato neuroquímico para qualquer uma de suas percepções conscientes. Você pode ficar tentado a dizer que os suplementos atrapalham a percepção correta e que a única maneira confiável de apreender o mundo como ele é deve depender apenas da configuração padrão da mente, sem aditivos. Mas, novamente, mesmo essa configuração nos proporciona alucinações delirantes por cerca de 8 a cada 24 horas.
Além disso, é difícil conceber qualquer argumento válido contra a suplementação. As substâncias estão lá fora no mundo, assim como a comida que comemos está lá fora – e se não a comêssemos, muito em breve começaríamos a ter alucinações e, por fim, deixaríamos de ter qualquer percepção consciente. (De fato, na história das práticas extáticas, o jejum talvez seja tão comum quanto o uso de drogas como meio de sair da gama comum de experiências conscientes.) O fato de que nós temos que comer algum tipo de matéria orgânica nutritiva, enquanto consumir plantas psicodélicas ou fungos é estritamente opcional, é certamente relevante para a regulamentação moral do consumo de drogas, mas é difícil ver como isso é relevante para quaisquer determinações epistemológicas que possamos fazer sobre a capacidade de uma mente de fornecer conhecimento do mundo como ele é. A mente não drogada pode ser mais confiável em certos aspectos, já que é menos provável que o leve a tentar voar de sua sacada e é mais capaz de ajudá-lo a manter o foco nos perigos presentes e nas tarefas necessárias para a sobrevivência. Mas isso de forma alguma significa que as representações que ela lhe dá do mundo são mais verdadeiras.
Minha mente não drogada, para usar uma ideia espirituosa de J. L. Austin, me oferece um mundo de “bens secos de tamanho médio” e pouco mais do que isso. Minha mente drogada me oferece espíritos ou djinni ou anjos ou sei lá como chamá-los. Apresenta-me árvores que são irmãs e nuvens que são velhas amigas e rachaduras nas paredes que enunciam mensagens calorosas de seres invisíveis solícitos e enxames infinitos de vidas, tudo girando e pulsando ao meu redor. Qual é a correta? Sinceramente não sei mais. Meus colegas vão me dizer que sabem, mas acho que também não.
Assim como fui capaz de reencontrar minha fraternidade com o pinheiro sem a ajuda de psicodélicos, também uma pessoa pode abrir caminho sem ajuda para um ponto de vista sobre o mundo no qual ele se articula com uma infinidade de outros pontos de vista. Essa é, em linhas gerais, a visão filosófica de meu maior herói intelectual, o filósofo do século XVII Gottfried Wilhelm Leibniz (que foi, entre outras coisas, um pioneiro da ciência da computação). Quase certamente ele era quadrado demais para ter tentado qualquer um dos suplementos fúngicos que abundam nas paisagens do norte da Alemanha; no entanto, Leibniz foi capaz de chegar à conclusão de que o único sentido significativo do verbo “ser”, como ele colocou é “ter algo análogo ao ‘eu’”. Isto é, não há mundo que não a comunidade de sujeitos, alguns deles humanos, mas a maioria deles coisas inteiramente diferentes.
Leibniz não era, para dizer o mínimo, um esquisitão desviante. Quanto a mim, foi apenas no momento em que decidi correr o risco de me envolver com os esquisitões desviantes, de me envolver com a turma errada e de perder meu lugar na guilda dos filósofos, que passei a acreditar que ele provavelmente estava certo sobre as coisas. Um verdadeiro gênio, ele parece ter chegado lá sem ajuda. Mas todos fazemos o melhor que podemos, cada um de acordo com as suas capacidades.
Provavelmente tenho a sorte de viver, na maior parte do tempo, em uma jurisdição onde nenhuma das substâncias relevantes é permitida por lei e, portanto, de poder satisfazer minha curiosidade apenas pontualmente. Há muitas experiências que ainda não tive – com DMT, por exemplo, que me dizem ser a mais potente de todas para nos mostrar a variedade de espécies de seres que normalmente permanecem ocultos. (Se você é um pesquisador clínico em tais assuntos e gostaria de um voluntário para seus experimentos, entre em contato comigo.)
De qualquer forma, suspeito que já encontrei o que procurava: algum conhecimento novo e pelo menos um pouco de equanimidade. Embora eu permaneça tão incerto como sempre sobre a estrutura última do mundo, também tenho novas inclinações e novas simpatias por relatos que antes me pareciam totalmente fora de questão. Essa ampliação é em si uma espécie de conhecimento novo, mesmo que não contenha novas certezas. Quanto à equanimidade, realmente não há nada como uma experiência aguda do caráter ilusório do tempo para tornar uma pessoa menos angustiada pela brevidade e aparente falta de sentido do que experimentamos como nossa jornada temporal. E realmente não há sentimento mais reconfortante do que chegar à consciência da presença ubíqua e densa de outros seres como nós mesmos – ou pelo menos chegar a um estado que parece atestar a existência de tais seres.
O mundo não é o que parece – isso é certo. Mesmo que quaisquer determinações positivas sobre como ele realmente é se tornem automaticamente novas variedades de mera aparência, é bom e edificante explorar as alternativas para nosso relato padrão. O grande erro dos antigos gurus psicodélicos foi confundir o modo de percepção que as drogas lhes ofereciam com uma espécie de revelação, o que na verdade é apenas trocar um dogmatismo, o do “realismo” de senso comum, por outro.
Não sei o que é o mundo, nem o que é “manter as estrelas separadas”, para usar uma frase evocativa de E. E. Cummings. Mas as substâncias que alteram a mente me ajudaram, em um ponto bastante desesperador da minha vida, a habitar essa incerteza com maior facilidade, a “possuí-la”, como dizem, e não mais me sentir tão terrivelmente distante das estrelas.
Veja em: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/filosofia-o-que-podem-ensinar-os-estados-psicodelicos/
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