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“Indígenas têm que manter a vigília, mesmo neste governo”

Em entrevista à DW, coordenador de associação indígena celebra diálogo e retomada de demarcação de terras sob Lula. Mas diz que movimento se mantém alerta com partidos considerados anti-indígenas no atual governo.

Por: Nádia Pontes | Crédito Foto: Carl de Souza/AFP. Lula assina decretos de homologação de seis Terras Indígenas, marcando o fim de um período de cinco anos sem demarcações

Depois de cinco anos de paralisia, a demarcação de Terras Indígenas (TIs) volta a andar. Nesta sexta-feira (28/04), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a homologação do processo de seis territórios: TI Arara do Rio Amônia (AC), TI Kariri-Xocó (AL), TI Rio dos Índios (RS), TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE), TI Avá-Canoeiro (GO) e TI Uneiuxi (AM).

Ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a ação de Lula foi celebrada no último dia do Acampamento Terra Livre (ATL), mobilização indígena que ocorre há 19 anos na capital federal. Por outro lado, havia a expectativa de que os processos de outros oito territórios, considerados em fase avançada, também fossem concluídos.

Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a medida marca uma retomada importante. “Em menos de quatro meses, se demarcou mais do que os sete anos passados. Principalmente nos quatro anos passados, em que os povos indígenas foram alvo de um governo genocida que atacava constantemente a política indigenista tentando ao máximo fragilizá-la, e não tinha nenhuma política para os povos”, comenta Kleber Karipuna, da coordenação da Apib, em entrevista à DW.

Segundo ele, alguns parlamentares considerados anti-indígenas davam por encerrada a continuidade do ATL em Brasília após a eleição de Lula. “A luta continua, inclusive neste governo. Temos que manter a vigília, porque a composição deste governo conta com partidos que são declaradamente contra os povos indígenas. Nossos inimigos também estão ocupando pastas importantes”, argumenta um dos coordenadores da associação indígena.

O acampamento reuniu ao longo de uma semana cerca de 6 mil pessoas de diferentes povos.

DW Brasil: Como vocês avaliam a homologação das seis Terras Indígenas anunciada pelo governo Lula durante o Acampamento Terra Livre? Estava dentro do que esperavam?

Kleber Karipuna: A nossa avaliação é positiva porque a gente vinha cobrando do novo governo, desde a transição, a retomada da política de demarcação de terras. Para a gente, isso faz parte de tudo o que foi prometido na campanha dele, com a presença de Lula no nosso ATL do ano passado, ainda como pré-candidato. Ele se comprometeu a levar a pauta indígena para dentro de seu governo. Depois de eleito, continuamos cobrando para que essas ações possam ser concretizadas.

No início do governo, já com o Ministério dos Povos Indígenas instalado, a própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) sendo presidida por uma indígena, aumentou nossa expectativa de retomada das demarcações.

Em menos de quatro meses se demarcou mais do que os sete anos passados. Principalmente nos quatro anos passados, em que os povos indígenas foram alvo de um governo genocida que atacava constantemente a política indigenista tentando ao máximo fragilizá-la, e não tinha nenhuma política para os povos.

A gente entende que é um cenário positivo de retomada da política indigenista, de um processo que se iniciou com a homologação dessas seis Terras Indígenas anunciadas e homologadas dentro do ATL.

Mas, no início do governo, houve o anúncio de que havia 13 territórios prontos para serem demarcados.

A gente trabalhou na transição de governo e identificamos inicialmente 13 TIs aptas para serem homologadas. E já com o governo instalado, vimos que mais uma TI poderia se incorporar a esses processos que estavam prontos para serem homologados pelo presidente da República.

A gente tem um entendimento que esses processos não podem ser muito rápidos. Estamos falando de 14 TIs que estiveram na mão dos nossos inimigos nos últimos quatro anos. E as análises técnicas, minuciosas, precisam ser feitas para que haja toda segurança jurídica.

Não sabemos se mexeram nesses processos, afinal, eles ficaram na mão dos nossos inimigos. Não sabemos se eles inseriram algum documento, na maldade, que fragilize o processo.

Vamos continuar cobrando os outros oito processos em fase avançada e mais ainda outros que estão na fila para serem demarcados, que ficaram parados nesses últimos anos.

Consideramos que é o início, a retomada da política de demarcação.

As lideranças apontam diversas emergências que precisam ser enfrentadas neste momento, como o efeito do garimpo e desnutrição na TI Yanomami. Quais são as prioridades, na visão de vocês, que devem ser consideradas?

Existe muita demanda acumulada. Temos muita consciência de que não dá para resolver em quatro meses, em uma ano, ou talvez em quatro anos, 523 anos de genocídio indígena, desassistência. Principalmente tudo o que vivemos nos últimos quatro anos.

A desintrusão das TIs é uma prioridade. A retomada da política da demarcação é uma exigência do movimento, uma das principais bandeiras de luta nossa. Assim como a volta da fiscalização e proteção territorial, desintrusão das TIs que já são homologadas, como o que temos visto nos yanomami. São muitos ilícitos, como o garimpo e a extração de madeira.

Isso não acontece só nos yanomami, mas no Vale do Javari, Munduruku, Kayapó, as terras indígenas no Nordeste, que vivem um processo de invasão e especulação imobiliária, turística. São ações que precisam ser retomadas imediatamente.

Para além disso, precisamos de investimentos em políticas públicas na saúde, educação, fomento às atividades produtivas tradicionais indígenas, gestão territorial e ambiental.

A assinatura da reconstituição do Conselho Nacional de Política Indigenista e do comitê gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas já sinaliza a retomada dos espaços de participação e controle social dos povos junto ao governo.

A presidente da Funai, Joenia Wapichana, assinou a portaria de identificação e delimitação da TI Sawré Muybu, do povo munduruku, no Pará, e também da TI Sete Salões, do povo krenak, em Minas Gerais. Ainda não foi publicado no Diário Oficial, mas deve ser publicado no dia 2 de maio.

É a primeira vez que o Acampamento Terra Livre ocorre em Brasília após a criação do Ministério dos Povos Indígenas. Como isso influencia a atuação do movimento indígena?

O ATL é uma mobilização histórica de 19 anos do movimento indígena, de luta e resistência. Mas nós temos uma história de séculos de luta.

Os nossos inimigos tinham uma expectativa de que o acampamento deste ano não aconteceria, de que os povos indígenas não viriam a Brasília porque era um novo governo e que não precisava de acampamento.

Muito pelo contrário: independente de qualquer governo que esteja no poder, a gente faz nossa luta. Às vezes um pouco mais incisiva, um pouco mais de embate, mas também uma luta mais dialogada, como é o caso agora. Esse novo governo tem uma abertura de espaço para diálogo com o movimento e povos indígenas.

O ATL é essa sinalização de que os povos continuam e continuarão vigilantes sobre seus direitos, ações e políticas públicas. A gente precisa fazer com que o movimento continue em alerta, porque mesmo sabendo que é um governo mais aberto ao diálogo, e o presidente Lula vem sinalizando há tempos, também é um governo que foi composto de vários outros partidos que, historicamente, estão dentro do Congresso lutando contra os povos indígenas. Inclusive, defendendo pautas anti-indígenas no Congresso.

Fomos bem recebidos por nossos parentes que agora estão no Ministério dos Povos Indígenas, na Funai, em secretarias especiais. O próprio presidente veio ao ATL. Temos um cenário positivo para o diálogo, mas estamos em constante alerta para que as ações saiam do papel.

Existe uma preocupação por conta da composição do governo e de alguns ministérios?

A luta continua, inclusive neste governo. Temos que manter a vigília, porque a composição deste governo conta com partidos que são declaradamente contra os povos indígenas. Nossos inimigos também estão ocupando pastas importantes.

Mas temos um processo de diálogo e vamos continuar vigilantes e atuantes. Nós tivemos mais de 200 povos indígenas participando do ATL, 6 mil pessoas juntas nesta luta. Já estamos chamando um novo acampamento para a semana de 5 a 9 de junho contra o Marco Temporal.

Quem são os inimigos dos povos indígenas?

Temos uma relação de parlamentares na Câmara e no Senado que a gente define como os que mais ameaçam os direitos dos povos indígenas no Congresso. São parlamentares aliados ao agronegócio, ao desmatamento e ao garimpo.

Todas as pessoas, parlamentares, empresas, que não cumprem os direitos ambientais, sociais, de combate às mudanças climáticas, dos povos indígenas e proteção dos territórios são nossos inimigos. Partidos como PL, União Brasil e alguns outros que enfrentam a gente com medidas anti-indígenas são nossos inimigos, assim como grandes empresas que nos impactam e não respeitam nossos direitos. Os inimigos são um grande núcleo aliado ao agronegócio, à questão garimpeira, e a outros ilícitos.

 

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/ind%C3%ADgenas-t%C3%AAm-que-manter-a-vig%C3%ADlia-mesmo-neste-governo/a-65473742

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