Especialista aponta que yanomami são duplamente vulneráveis à intoxicação pelo metal e que a única maneira de combater a contaminação do meio ambiente e dos indígenas é agir contra o garimpo ilegal.
Por: Evandro Almeida Júnior | Créditos da foto: Edmar Barros/AP Photo/picture alliance. Aviões do Ibama sobrevoam área de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, em 11 de fevereiro
A atual crise vivida pelos yanomami evidenciou os impactos do garimpo ilegal sobre o povo indígena. Estima-se que mais de 20 mil invasores tenham se acumulado no território yanomamii nos últimos anos, trazendo consigo violência, doenças e mortes.
Os garimpeiros utilizam mercúrio líquido para encontrar ouro no sedimento escavado dos rios da Amazônia. O depósito desse mercúrio no ambiente natural polui as áreas normalmente utilizadas pelos yanomami para caçar, pescar e colher, além de resultar na devastação de amplas regiões de floresta.
A DW ouviu Rodrigo Castro, doutor em ecologia e recursos naturais, sobre o impacto do derramamento de mercúrio no meio ambiente e em populações indígenas. Membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor da Fundação Solidaridad no Brasil, ele explica que o metal fica na natureza por tempo indeterminado.
“Para combater a contaminação, se não for ‘direto na fonte’ — os garimpos ilegais —, não se consegue tirar o mercúrio da cadeia alimentar”, afirma.
O especialista aponta que o efeito do metal no corpo humano é “devastador”. “O corpo não consegue lidar com o acúmulo nem expelir o mercúrio. Em casos extremos, tem levado à morte.”
DW: Quão prejudicial é a poluição de mercúrio nos rios?
Rodrigo Castro: O mercúrio é altamente tóxico e afeta o metabolismo humano de forma severa. Ele ataca o sistema nervoso, afeta o sistema motor e todos os órgãos internos. Nos rins e pulmões, seu impacto é devastador.
No caso dos indígenas yanomami, ogarimpo clandestino fez com que a contaminação aumentasse nos últimos anos. O processo para encontrar ouro ocorre nas margens de rios, e o mercúrio usado na extração é despejado nelas.
Até onde essa contaminação pode chegar?
Esses rios onde garimpeiros despejam mercúrio são afluentes de outros rios maiores, e em algum momento isso também pode chegar ao mar. Esse mercúrio vai para rios maiores, caudalosos, e deixa um rastro de poluição pelo caminho. O resultado é devastador, e o grau de contaminação, gravíssimo.
Por quanto tempo o mercúrio fica no leito do rio e em sua extensão?
Quando o mercúrio entra na cadeia alimentar do rio, ele fica ali por tempo indeterminado. Ele segue na natureza e vai se acumulando nos organismos dos animais. Por exemplo, peixes menores acabam consumindo o elemento químico, que se acumula em seus organismos. Sucessivamente, peixes maiores, também se contaminam. O mercúrio fica no ambiente até que esses animais estejam lá. Por isso, para combater a contaminação, se não for “direto na fonte” — os garimpos ilegais —, não se consegue tirar o mercúrio da cadeia alimentar.
Como o mercúrio entra e age no corpo humano?
A partir de ingestão de água ou peixe contaminado já há sintomas leves. A alimentação dos indígenas depende da pesca e da água dos rios. Por isso, essa população é duplamente vulnerável.
O corpo não consegue lidar com o acúmulo nem expelir o mercúrio. O metal causa tremores e, em casos extremos, tem levado à morte.
Quando o mercúrio entra no sangue das crianças, o efeito é avassalador, com a concentração do metal gerando um impacto muito maior do que em adultos. Elas são menores, estão em fase de desenvolvimento. Após a contaminação, seu crescimento ósseo e físico e seus órgãos ficam comprometidos, e elas não se desenvolvem normalmente.
Um estudo coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Socioambiental (ISA) realizado na reserva yanomami, em Roraima, confirmou o alto grau de contaminação. O levantamento, feito em 2016, mostrou que em algumas aldeias mais de 92% da população estava contaminada por mercúrio.
A atual crise yanomami evidencia como o povo foi tratado. O apoio de órgãos de saúde foi reduzido ou descontinuado, e o resultado foi o agravamento do envenenamento da população indígena.
Existem ações que podem ser adotadas de imediato para conter a contaminação?
Tem que proibir e combater de imediato os garimpos, com toda a força disponível. A omissão, o apoio e o incentivo à ilegalidade levou a esse quadro que vivemos hoje.
A grilagem de terra não foi combatida fortemente nos últimos quatro anos, e isso contribuiu para que os garimpos crescessem no território amazônico, numa situação descontrolada e desorganizada. Não só a grilagem e o garimpo, mas também o comércio ilegal de madeira cresceu. Esse conjunto de atividades ilegais tem afetado e muito o meio ambiente, e o impacto social ficou muito visível [com a crise yanomami].
É difícil reverter a calamidade causada. Só no caso da Terra Indígena Yanomami, são mais de 90 mil km² de área. É um território gigantesco, com 300 aldeias e 27 mil indígenas, por isso é essencial o acompanhamento remoto por satélite — que já está implantado. O governo federal tem as ferramentas necessárias para o monitoramento.
É um desafio permanente. Tem que acabar com a ocupação ilegal de todas as terras indígenas, principalmente quando ela ocorre devido à mineração.
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