Juíza de Montana decidiu que novas gerações têm o direito constitucional a ambiente limpo e saudável. Primeiro do tipo a ser julgado no país, caso deve abrir caminho para enxurrada de processos relacionados ao clima.
Por: Stuart Braun | Créditos da foto: Thom Bridge/Indpendent Record via AP/picture aliance. Caso foi movido por 16 jovens, que descreveram, cada um, os impactos da mudança climática em suas vidas
Em um julgamento histórico no estado de Montana, nos Estados Unidos, a chamada Lei de Política Ambiental foi considerada inconstitucional por não considerar os impactos climáticos de projetos de combustíveis fósseis, estabelecendo um precedente importante para casos semelhantes em todo o país.
A ação tramitou por três anos nos tribunais e foi movida por 16 jovens, que descreveram, cada um, os impactos da mudança climática em suas vidas. Eles alegavam que a lei ambiental viola seus direitos constitucionais a um ambiente limpo e saudável.
“Esta decisão judicial é um passo em direção à justiça climática”, afirmou Delta Merner, cientista líder do Science Hub for Climate Litigation, grupo que promove o litígio climático, em comunicado na segunda-feira (14/08). “Sinto-me muito encorajada ao ver uma juíza defendendo os direitos constitucionais das pessoas a um ambiente saudável.”
“Independentemente de serem governos, empresas de combustíveis fósseis ou grupos comerciais do setor, responsabilizar os poluidores e seus facilitadores é uma peça fundamental para uma ação climática significativa. O caso em Montana é um sinal claro de que buscar justiça climática por meio dos tribunais é uma estratégia viável e poderosa”, acrescentou.
A sentença nos EUA lembra um caso bem-sucedido movido por jovens contra o governo alemão, relacionado a uma lei climática que, segundo eles, era tão inadequada que ameaçava os direitos fundamentais das próximas gerações. Em abril de 2021, o Tribunal Constitucional Alemão determinou que o governo federal deveria melhorar suas metas de redução de emissões.
Dois anos depois, o governo alemão está sendo mais uma vez levado aos tribunais por não ter cumprido suas metas climáticas.
“Dever de cuidado” para proteger gerações futuras
O caso de Montana foi o mais recente litígio climático contra governos, mas o mecanismo também é usado para responsabilizar empresas por ações e omissões que contribuem para a mudança climática. Em 2021, a gigante do petróleo Shell perdeu um processo e foi condenada a reduzir drasticamente suas emissões até 2030, como um “dever de cuidado” a fim de proteger as gerações futuras.
Foi a primeira vez que uma empresa privada foi responsabilizada por violações de direitos humanos por motivos climáticos, disse Paul Benson, advogado da ONG ambiental ClientEarth, à DW na época. “Com cada precedente positivo estabelecido, expandimos nosso conjunto de ferramentas legais para promover mudanças sistêmicas”, afirmou.
Os EUA, por sua vez, que são o maior emissor mundial de gases de efeito estufa da história, têm leis de direitos humanos fracas, o que justifica o fato de o caso de Montana ser o primeiro do tipo a ser julgado, afirmou Delta Merner antes da decisão. Segundo a cientista, os tribunais americanos costumam acatar as legislaturas em questões de política climática e energética.
O resultado em Montana, portanto, abre caminho para que jovens ativistas climáticos consigam reverter políticas energéticas que apoiem explicitamente os combustíveis fósseis. Recentemente, outro caso climático movido por jovens contra o governo, conhecido como Juliana v. United States, há muito aguardado, recebeu luz verde para ir a julgamento.
Atribuição climática foi fundamental em Montana
A autora principal do processo em Montana, Rikki Held, hoje com 22 anos, foi criada em um rancho de sua família no noroeste do estado americano, em uma região que também possui enormes reservas de carvão extraído para geração de energia com alto teor de carbono.
Em seu depoimento, Held falou sobre incêndios florestais em meio a temperaturas de até 43,3 graus Celsius que queimaram linhas elétricas e deixaram sua fazenda sem energia por um mês, impossibilitando que água fosse bombeada para o gado.
“Essa é a minha vida”, disse ela com lágrimas nos olhos. “Minha casa está lá e isso afeta o meu bem-estar, o da minha família e o da minha comunidade.”
Outros onze jovens autores do processo fizeram referência ao derretimento das geleiras e à fumaça dos incêndios florestais, ao mencionar os impactos mentais e físicos da crise climática.
Steve Running, membro de uma equipe de pesquisa climática que venceu o Prêmio Nobel da Paz em 2007, disse ao tribunal que “não há dúvidas” de que a mudança climática está aumentando os incêndios florestais e reduzindo a queda de neve em Montana.
O depoimento dele foi um exemplo da chamada atribuição climática, ciência que busca determinar a influência das emissões em eventos climáticos extremos – e que vem sendo cada vez mais usada em litígios climáticos.
“Nenhum furacão é 100% causado pela mudança climática, mas é afetado por ela de muitas maneiras diferentes”, observou Merner, que fornece atribuição climática em processos ambientais. “A ciência da atribuição pode nos ajudar a realmente determinar o papel da mudança climática nesses diferentes eventos.”
Além disso, os cientistas do clima são capazes de quantificar a atribuição com muito mais clareza à medida que o peso do consenso científico sobre a mudança climática aumenta.
Processo de peruano contra gigante alemã
A atribuição climática, inclusive, tem sido fundamental no histórico processo ambiental contra a gigante alemã de energia RWE, movido pelo agricultor peruano Saúl Luciano Lliuya.
A empresa, considerada a maior emissora individual de gases poluentes da Europa, está sendo acusada de contribuir para a mudança climática, que causa o degelo de glaciares na Cordilheira dos Andes. Lliuya afirma que, como consequência, o nível das águas de um lago glacial situado perto de sua cidade está subindo, o que ameaça o vilarejo – e também seus direitos.
A acusação afirma que as emissões produzidas pelas usinas de carvão da RWE contribuem para 0,47% da mudança climática global. A ação reivindica, portanto, que a empresa financie 0,47% das medidas necessárias para proteger o vilarejo de Lliyua. Se a companhia for condenada, isso abrirá caminho para outros processos contra empresas por seu papel específico nas mudanças climáticas, afirma Merner.
Segundo a cientista, que se baseia em um estudo da Universidade de Oxford, os advogados da RWE estão tendo dificuldade para “abrir brechas” no caso, porque sabem que “a ciência é muito forte”.
O caso ainda está em andamento, mas, assim como a ação em Montana, esse tipo de litígio geralmente tem resultado positivo em tribunais superiores, afirma Kate Higham, coordenadora do projeto Climate Change Laws of the World, do Grantham Research Institute na London School of Economics (LSE), no Reino Unido.
“Quando esses casos chegam às cortes supremas, especialmente quando se trata de argumentos baseados em direitos humanos ou constitucionais, eles geralmente são bem-sucedidos”, disse à DW.
De direitos humanos a desinformação sobre clima
Embora processos climáticos baseados em direitos humanos sejam raros nos EUA, as fortes leis de proteção ao consumidor servem de base para dezenas de processos movidos contra empresas de combustíveis fósseis acusadas de desinformação climática, de acordo com uma pesquisa do Center for Climate Integrity em Washington.
No estado americano do Oregon, por exemplo, está em andamento um processo de 52 bilhões de dólares em nome do condado de Multnomah contra grandes empresas de energia, incluindo Exxon Mobil, Shell e Chevron. No centro da ação está uma onda de calor extremo que atingiu a América do Norte em 2021 e matou centenas de pessoas.
A World Weather Attribution, que reúne pesquisadores de atribuição climática sediados no Reino Unido, escreveu que as temperaturas extremas registradas no noroeste do Pacífico naquele verão teriam sido “praticamente impossíveis sem a mudança climática causada pelo homem”.
A ação se baseia na “enorme quantidade de desinformação” usada para sustentar o modelo de negócios das empresas de combustíveis fósseis, disse o advogado Jeffrey B. Simon, que lidera o caso.
Também conhecidas como litígio de “lavagem climática”, as queixas contra desinformação e a chamada lavagem verde (greenwashing) vêm aumentando, segundo um relatório do Grantham Research Institute. Cerca de 26 processos de lavagem climática foram registrados globalmente em 2022, em comparação com nove em 2020, afirmou o relatório.
Casos climáticos anulados
Por outro lado, na Austrália, outro caso climático histórico vencido por jovens com base em direitos humanos em 2021 foi anulado um ano depois pela suprema corte do país.
Já na Alemanha, em 2022, os tribunais regionais rejeitaram todos os processos climáticos contra montadoras do país.
“A lei está disponível para todos”, disse Alice Garton, diretora de estratégia jurídica global da Foundation for International Law for the Environment, na Holanda, durante uma sessão sobre litígio climático no Fórum Econômico Mundial de 2023. Segundo ela, à medida que o número de processos cresce, também aumenta a reação.
“Os valores nos quais a sociedade se basea também estão mudando, e os cidadãos estão se tornando muito mais conscientes da seriedade do problema e de quem é o maior responsável”, disse Garton. “Isso também se refletirá nas decisões judiciais.”
Comente aqui