“A ultradireita latino-americana possui determinantes muito específicos. Acima de tudo, expressa a reação dos grupos dominantes contra as melhorias obtidas durante o ciclo progressista da década anterior. Não se limita a canalizar um descontentamento genérico aos efeitos do neoliberalismo, mas ao contrário, busca debelar a intensa mobilização social que prevalece na região”, escreve Claudio Katz, professor de economia na Universidade de Buenos Aires, em artigo publicado por Rebelión, 23-01-2022. A tradução é do Cepat.
Por: Claudio Katz
A ascensão das novas direitas não provoca mais surpresas no mundo. Confirma uma tendência das últimas décadas, que inclui a captura de vários governos e sua presença como um ator recorrente no sistema político.
A onda de projetos reacionários canaliza parte do descontentamento gerado pela globalização neoliberal. Com mensagens contestatórias, recebe o cansaço provocado por um modelo que multiplicou a desigualdade, o desemprego e a precariedade trabalhista.
A ultradireita acusa “os políticos” pelos males que atingem a sociedade, mas se exclui dessa responsabilidade. Berra contra presidentes, legisladores e simples servidores públicos, acobertando o poder econômico, judiciário e militar que gera os sofrimentos populares. Seus dirigentes empreendem um discurso demagógico que dissimula sua conivência com essa regressão. Jamais resistiram à deterioração do nível de vida popular imposta pelo capitalismo neoliberal, nem lutaram contra a desestruturação social gerada por esse esquema (Palheta, 2018).
Armaram-se na erosão do sistema político para lucrar com a descrença generalizada nos partidos tradicionais. Municiam a irritação contra as vítimas da crise para facilitar a perpetuação dos privilégios das classes dominantes.
Perfis, crenças e posicionamentos
A nova direita surgiu inicialmente na Europa ressuscitando os discursos xenófobos do nacionalismo. Adotou as bandeiras do soberanismo regressivo das regiões prósperas, que não querem dividir os recursos fiscais com as regiões atrasadas.
Também se conectou ao renascimento das religiões, ao recuo identitário e à nostalgia das conquistas perdidas. Essa nostalgia de um passado melhor foi transformada em um ódio persistente contra os setores acusados de causar as desgraças atuais. A ultradireita não julga os capitalistas, mas, sim, os segmentos populares mais desprotegidos. Concentra toda a sua artilharia contra essas minorias e supõe que a sociedade harmoniosa do passado foi corroída pela
presença indesejada desses grupos (Forti, 2021).
Com essa distorção da realidade, absolve os poderosos e ataca os imigrantes que fogem das guerras ou da espoliação agrária. Exige a perseguição das vítimas dessas tragédias, criminalizando sua fuga desesperada com mais deportações, campos de concentração e militarização das fronteiras.
A extrema direita omite a hipócrita utilização capitalista dessas desventuras para baratear a força de trabalho. Também silencia a inoperância de suas promovidas penas para conter a explosão de refugiados gerados pelas guerras do imperialismo. O número desses desamparados já ultrapassa 70 milhões de indivíduos (Larsen, 2018).
Os direitistas europeus substituíram o velho antissemitismo pela nova islamofobia. Descarregamcontra o mundo muçulmano a mesma fúria que seus antecessores dirigiram contra os judeus. Nesta associação do estrangeiro com a corrosão da identidade nacional, o judeu bolchevique do passado foi substituído pelo terrorista árabe (Traverso, 2016).
Nas metrópoles, a direita reativa os velhos preconceitos do colonialismo. Anuncia uma dramática substituição da população branca por outras variedades étnicas para impedir o acesso das novas minorias aos mais apreciados cargos públicos. Por todas as partes, difunde-se a mesma campanha de crispação para justificar políticas autoritárias contra os setores submersos.
Além disso, comandam uma reação neopatriarcal contra os direitos conquistados pelas mulheres. Essa contraofensiva é proporcional ao sucesso da gravitação do feminismo e à traumática reestruturação contemporânea do ambiente familiar. A nova direita almeja a velha e abalada estabilidade do patriarcado (Therborn, 2018).
Na pandemia, as vertentes libertárias desse conglomerado tiveram grande protagonismo em sua batalha contra as vacinas e as ações sanitárias. Lançaram advertências selvagens contra uma satânica elite governante que buscava aterrorizar a população mundial por meio de doenças imaginárias.
Tais formas de crenças inusitadas permeia toda a ultradireita do século XXI. Sua avaliação da pandemia como uma simples invenção se alimenta do negacionismo climático e da reação conservadora contra o movimento ambientalista.
Contudo a novidade é a apresentação de sua cruzada como um ato de rebeldia, ao lado de uma intensa defesa dos princípios conservadores (Lucita, 2023). Concretamente, retomam os velhos imaginários tradicionalistas com um tom de indignação e poses contestatórias. Flertam com o excêntrico para mascarar sua adesão ao status quo.
Os direitistas radicalizam os postulados do neoliberalismo na inconsistente modalidade do anarcocapitalismo. Este conceito é uma contradição, pois reivindica um ideal de liberdade plena, sob um sistema que funciona com normas estritas de regulação estatal.
Mas, nessa combinação de conceitos, a ultradireita nunca perde o fio condutor de sua estratégia: culpar os mais despossuídos pelas desgraças sofridas pelos assalariados e a classe média. Essa política de inimizade com os humildes e de justificação dos poderosos é o plano B do capitalismo, diante da aguda crise das formas convencionais de dominação.
Como seus antecessores, os direitistas contemporâneos estão atravessados por uma irresoluta tensão entre vertentes extremas e tradicionais. As correntes ofensivas disputam com as defensivas e os promotores da ação virulenta rivalizam com seus pares meramente transgressores (Mosquera, 2018). Nessas dissidências, a acomodação ao status quo convive com incursões audazes e aventureiras.
A tomada de prédios públicos por bandos mobilizados é a operação mais impactante das vertentes agressivas. O ataque ao Capitólio, em Washington (2021), e a ocupação dos Três Poderes, em Brasília (2023), foram os atos mais ressonantes de uma escalada que também incluiu simulações do mesmo tipo em Paris (2018), Berlim (2020), Roma (2021) e Ottawa (2022) (Ramonet, 2023).
Essa sequência indica um modus operandi compartilhado por um setor que combina a mensagem reacionária com a exibição de força. Sua captura dos lugares mais emblemáticos do poder político, por um brevíssimo tempo, é a antítese das revoluções populares que derrubaram monarquias, tiranias e ditaduras nos últimos dois séculos. Em vez de coroar uma dinâmica de emancipação, sustentam projetos contrapostos de opressão totalitária.
Saiba mais em: https://katz.lahaine.org/b2-img/Orenovadoformatodavelhadireitalatinoamer.pdf
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