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O Rio debate a opção agroecológica

Cidade recebe, até quarta-feira, 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia. Encontro permitirá vasta troca de saberes entre movimentos camponeses, mas terá debate e oficinas abertas ao público. Em tempos de crise civilizatória, vale buscar alternativas

Por: M. Madeleine Hutyra de Paula Lima | Créditos da foto: CC BY upslon

Wolfgang Sachs reflete sobre o propósito de denunciar a ideia do desenvolvimento, a partir de uma reunião que aconteceu em 1993 e lembrando que, na segunda metade do século XX, a noção de desenvolvimento era marcada como uma força poderosa que regulava as nações dentro de um programa geopolítico da era pós-colonial. Participavam dezessete autores oriundos de quatro continentes, que, embora tendo crescido sob o signo do conceito de desenvolvimento enraizado, pretendiam se livrar dessa herança dos pais e do pós-guerra, diante da compreensão de que esse conceito levava ao caminho de imposição pelo Ocidente de seu poder imperial sobre o mundo. Também pelo fato de que sentiam que o desenvolvimento levara a um beco sem saída com suas consequências atingindo a todos na forma de injustiças, crises culturais e degradação ecológica. De forma resumida, a noção de que o desenvolvimento tomou um rumo conhecido na história das ideias, de início uma inovação, mas que se apresentou, ao longo do tempo, como uma convenção que gerou frustração generalizada. Mentor intelectual e participante desse encontro, Ivan Illich já então acreditava que só se poderia falar sobre desenvolvimento “em um tom lúgubre, como quem redige um obituário”.i

Passadas algumas décadas, o mundo está em crise afetando todos os continentes. Envolve a incerteza das pessoas sobre seu próprio futuro e de seus filhos. Também alcança esferas mais amplas, como ambiental, econômica social, política ética, cultural, espiritual, afetando o pessoal. Nesta perspectiva de Kothari et al, o livro Dicionário do pós-desenvolvimento apresenta uma variada visão de mundo, que abre inúmeras possibilidades para ampliar a agenda de pesquisas, de trabalhos, diálogo e ação para acadêmicos, políticos e ativistas, numa visão transformadora.ii

Entre essas possibilidades, desponta a Agroecologia. No conceito de Victor M. Toledo,iii a “Agroecologia é um campo de conhecimento ainda incipiente, que oferece soluções para os sérios problemas ambientais e de produção de alimentos causados pela agricultura moderna ou industrializada e pelo agronegócio em todo o mundo”. O autor considera a agroecologia uma disciplina híbrida, ao combinar o conhecimento proveniente das ciências naturais e sociais, adotar um enfoque multidisciplinar (segundo a linha da “ciência pós-normal”) e também um exemplo de pesquisa participativa, e não apenas um conhecimento aplicado. A parte da pesquisa participativa ganha dimensão especial pelo fato de contar com número cada vez mais elevado de movimentos sociais e de ações políticas de comunidades camponesas. Existem inúmeros sindicatos camponeses nacionais, principalmente na América Latina, Índia e Europa, entre as quais a Via Campesina, uma aliança global de duzentos milhões de agricultores em cerca de 182 organizações locais e nacionais em 73 países da África, da Ásia, da Europa e das Américas. Estimula a agricultura sustentável de pequena escala como forma de promover a justiça social e a dignidade, contrapondo-se à agricultura corporativa, que destrói as pessoas e a natureza.

Também na América Latina, essas práticas agroecológicas abrangem pesquisas científicas e tecnológicas por ligação com movimentos sociais e políticos rurais. Contam com avanços extraordinários no Brasil, Cuba, Nicarágua, El Salvador, Honduras, México e Bolívia. Refere Toledo conquistas moderadas na Argentina, na Venezuela, na Colômbia, no Peru e no Equador.

Importa destacar que a maior parte da produção de alimentos no mundo é resultado do trabalho de camponeses ou agricultores tradicionais de pequena escala, reunindo uma população estimada entre 1,3 e 1,6 bilhão de pessoas. O conhecimento e as práticas agrícolas resultam de mais de dez mil anos de tradição e experimentação, fato esse corroborado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).iv A agroecologia busca alcançar uma modernidade pós-industrial e alternativa, superando a crise do moderno mundo industrial e tecnocrático, como um sistema de produção de alimentos compatíveis com o meio ambiente, as culturas rurais e a saúde humana.

Nesta perspectiva, a cidade do Rio de Janeiro irá sediar o 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia, organizado em quatro dias e distribuída a programação em mais de 15 espaços diferentes, entre os dias 20 e 23 de novembro de 2023. Consiste num evento de caráter decolonial, pois enfatiza os valores culturais, agrícolas e alimentares de grupos a se insurgir contra a unificação de pensamento e de ação impostas pela globalização econômica em que se insere o sistema alimentar globalizado, que tem o uso de agrotóxico como seu combustível. É o ressurgimento dos valores de base de grupos de populações locais de diversas regiões do Brasil e de produção sustentável.

Uma das características são as rodas de conversas, onde a troca de saberes é o diferencial, com partilha dos trabalhos científicos, dos relatos técnicos e dos relatos populares em texto e em vídeo. São os Tapiris de Saberes, sendo tapiri uma palavra indígena no tronco tupi presente no vocabulário das populações ribeirinhas de diversos povos tradicionais na região Norte do Brasil representando a palhoça, lugar de encontro das pessoas para dialogar, comer, descansar e trocar experiências. Acontecerão no prédio da Associação Cristã de Moços (ACM), na rua da Lapa, 86.

Haverá conferências simultâneas organizadas a partir de seis grandes temas: ciência, saúde, justiça climática, bem viver, direitos e economias, que acontecerão nas tardes de terça (21) e quarta-feira (22). As oficinas acontecerão ao mesmo tempo no Circo Voador, no Cinema Odeon e na Fundição Progresso.

Os Barracões dos Saberes, pela primeira vez, servirão como espaços físicos fixos onde acontecerão as atividades autogestionadas pelos Grupos de Trabalho (GTs) da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia), pelos grupos responsáveis pelos demais eixos do CBA e pela Revista Brasileira de Agroecologia (RBA). Serão ao todo 17 barracões em cinco diferentes espaços.

Programação própria acontecerá em diferentes espaços, sendo: Feira Nacional Saberes e Sabores da Agroecologia e Economia Solidária, Ciranda Infantil, Cozinha das Tradições, Terreiro das Inovações Camponesas, Festival Internacional de Cinema Agroecológico e o Festival de Arte e Cultura da Agroecologia.

Estão inscritas no Congresso milhares de pessoas de faixas etárias, experiências e culturas locais diferentes. Será a imersão em um mundo novo para muitos e uma troca de experiências para outros já envolvidos na Agroecologia, numa confraternização de cultura popular, ciência, tecnologia e de saberes, contando com desenvolvedores da verdadeira agricultura que valoriza a natureza e a dignidade. Para obter a programação completa, acessar: Programação – XII CBA, https://cba.aba-agroecologia.org.br/

O Rio de Janeiro, retoma por meio deste congresso seu protagonismo cultural e político, ao sediar este evento de reinserção na verdadeira agricultura popular e da produção de alimentos que respeitam a diversidade de culturas nacionais.

i Apresentação ao livro “Pluriverso: Um dicionário do pós-desenvolvimento”, Kothari et al (org.), trad. Isabella Victoria Eleonora, São Paulo: Elefante, 2021, p. 17-18.

ii Capítulo da Introdução: encontrando caminhos pluriversais, ob.cit., p. 35.

iii Capítulo: Agroecologia, ob. cit., p. 192 e seguintes. Victor M. Toledo é pesquisador do Instituto de Pesquisa em Ecossistemas e Sustentabilidade da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), com foco no estudo das relações entre as culturas indígenas e agroecologia.

iv Este reconhecimento levou a FAO a declarar 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar.

 

Veja em: https://outraspalavras.net/terraeantropoceno/o-rio-debate-a-opcao-agroecologica/

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