Início de uma ofensiva contra a Guiana colocaria a perder esforços da Venezuela para sair do isolamento, avalia professor da Uerj, que vê no Brasil país-chave para mediar o conflito em torno de Essequibo
Por: Guilherme Henrique | Créditos da foto: Zurimar Campos/Prensa Miraflores/dpa/picture aliance. Nicolás Maduro exibe mapa que mostra região de Essequibo como parte da Venezuela
Os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali, vão se reunir na próxima quinta-feira (14/12), na nação caribenha de São Vicente e Granadinas. O encontro, claro, tem como foco principal a disputa pelo território de Essequibo, hoje pertencente a Guiana, mas que é alvo de cobiça pelo governo de Maduro.
O Brasil, que faz fronteira com os dois países, tem ocupado papel de mediador para tentar apaziguar a tensão entre as duas nações interessadas na região. O presidente Lula já afirmou que “não quer uma guerra na região” e se colocou à disposição para encontrar uma solução pacífica para o impasse. No encontro desta quinta, Lula será representado por Celso Amorim, assessor para assuntos internacionais do governo brasileiro.
“O Brasil começou tímido, mas depois assumiu o caráter intermediador que lhe é historicamente conferido na região”, analisa Paulo Velasco, professor adjunto de Política Internacional e coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
De acordo com a CNN Brasil, Lula está preocupado não só em conter um possível conflito em países vizinhos ao Brasil, mas também quer evitar a presença de tropas dos EUA na região. A escalada do conflito entre Venezuela e Guiana fez o presidente americano Joe Biden promover sobrevoos militares na região na semana passada. Em entrevista à BBC na terça-feira (12/12), o presidente Irfaan Ali afirmou que não descarta uma base americana no país para defender seu território.
“Eles não estão fugindo de sua tradição para América Latina. Os EUA sempre enxergaram a região como um quintal e um espaço para o qual eles mantêm atenção de acordo com seus interesses. Eles não querem que um estado hostil como a Venezuela possa causar sobressaltos maiores ao tentar anexar um estado pequeno, mas que tem o interesse norte-americano na exploração do petróleo. A postura de Biden é apenas para se fazer presente, como um sinal para ‘estamos de olho e não estamos indiferentes a que vai acontecer'”, analisaVelasco.
DW: Como analisa os movimentos de Lula até o momento no conflito entre Venezuela e Guiana? E qual a influência do Brasil para mediar esse conflito? O que mais pode ser feito?
Paulo Velasco: O Brasil tem uma postura cautelosa na região, até por ser um país muito maior do que os vizinhos e por já ter sido acusado de uma atuação imperialista. O governo não quer essa alcunha novamente, então se move sempre com cautela e evitando qualquer tipo de ação que possa ser interpretada como ingerência externa e indevida em assuntos domésticos.
Ao mesmo tempo, o Brasil tem uma responsabilidade, justamente por ser o maior país da América do Sul em termos territoriais, econômicos e no quesito representação internacional. O mundo nos enxerga como uma espécie de síndico da América Latina. Ao mesmo tempo, o Brasil tem uma tradição histórica de defesa da estabilidade no seu entorno regional. Já mediamos a solução de conflitos nos anos 1930 na Guerra do Chaco, entre Bolívia e Paraguai, depois nos anos 1990 nos conflitos entre Equador e Peru.
Considero natural que num primeiro momento o Brasil tenha esperado para avaliar a situação em conjunto com outros países. E também por isso o governo optou por esperar a Cúpula do Mercosul acontecer na semana passada para buscar uma posição mais coletiva e conjunta, que se traduziu na formatação do encontro entre as lideranças da Venezuela e Guiana em São Vicente e Granadinas. Em resumo: o Brasil começou tímido, mas depois assumiu o caráter intermediador que lhe é historicamente conferido na região.
O Brasil foi convidado como país observador do encontro em São Vicente e Granadinas. Quais devem ser os tópicos principais da reunião e quais objetivos podem ser alcançados?
É difícil imaginar que uma solução para uma crise tão importante seja obtida já neste primeiro encontro. Mas acredito que seja uma janela de oportunidade que serve para diplomacia, mesmo com alguns pontos que me parecem inegociáveis. Qualquer tentativa venezuelana, ainda que na base do diálogo e da diplomacia, de uma renúncia da soberania da Guiana em Essequibo não será algo possível. Estamos falando do princípio da integridade territorial, da soberania e a Guiana não vai abrir desse espaço, mesmo que seja menor.
O que certamente vai ser buscado é algum tipo de acerto no que tange a oportunidade de exploração econômica dos recursos de hidrocarbonetos que estão em disputa. Já existem empresas ali, como a ExxonMobil, dos EUA, e a Total, da França, mas pode ser que um ponto-chave da negociação seja a participação da venezuelana PDVSA nessa exploração, algo que o próprio Maduro já salientou ser importante. Mas acredito que fundamentalmente o que vai se buscar é a construção de algum grau de confiança mútua, porque a partir daí é que se pode chegar, no futuro, a algum tipo de entendimento. Esse processo, na diplomacia, tem como ponto inicial a prerrogativa de que o recurso militar e bélico não é uma opção.
Acredita que a Venezuela possa ter uma postura menos ofensiva no encontro?
Penso que a Venezuela precisa ter muito cuidado ao se colocar nessa reunião, justamente para não inviabilizar a diplomacia. Ela tem que mostrar muito claramente que uma invasão ou anexação do território pela força não é caminho prioritário, apesar da retórica belicista do Maduro nas últimas semanas. Mostrando uma postura diferente a Guiana os ânimos se acalmam e aí o governo da Guiana pode responder positivamente no sentido de aceitar outras mesas de negociação para o futuro. Mas é uma reunião que precisa evitar qualquer tipo de mobilização militar e que escale o conflito para um caminho sem volta.
O fato de fazer fronteira com os dois países gera algum tipo de preocupação ao governo brasileiro?
A hipótese do conflito é o pior cenário para o país e qualquer conflito no nosso entorno imediato vai causar sobressalto. Isso afeta a região em vários sentidos, a imagem no mundo e os investimentos vindos do exterior. Não acho que a situação vá escalar para um conflito, mas se isso acontecer o efeito mais claro são os sociais e humanitários. São migrações forçadas, e isso pode impactar o Brasil. Essequibo é um território de baixa densidade populacional, de aproximadamente 125 mil habitantes, então não seria algo tão drástico, mas ainda assim gera preocupação, sobretudo na região norte do país.
Mas o Brasil já deixou claro que não permitirá a passagem de tropas venezuelanas pelo território brasileiro. O caminho da Venezuela até a Guiana passa pelo Brasil em uma fronteira de mata densa e fechada na Amazônia. Outra opção seria o mar, por isso a Marinha já mobilizou aparato militar naquele espaço. São formas de precaução, mas acredito que não teremos nada mais grave nesse sentido.
Como analisa a entrada dos EUA no conflito?
Eles não estão fugindo de sua tradição para América Latina. Os EUA sempre enxergaram a região como um quintal e um espaço para o qual eles mantêm atenção de acordo com seus interesses. Eles não querem que um estado hostil como a Venezuela possa causar sobressaltos maiores ao tentar anexar um estado pequeno, mas que tem o interesse norte-americano na exploração do petróleo. A postura de Biden é apenas para se fazer presente, como um sinal para “estamos de olho e não estamos indiferentes a que vai acontecer”.
Mas não vejo os EUA abrindo uma base militar na Guiana neste momento, me parece algo mais remoto. Não acredito que os EUA têm interesse em se engajar em um conflito neste momento, diante do envolvimento na guerra da Ucrânia e Rússia e também na Faixa de Gaza. Mas, ainda assim, esse sobrevoo militar norte-americano tem um efeito dissuasório no Maduro sobre qualquer possibilidade de uma atitude mais enérgica, uma aventura militar, porque coloca mais uma variável extremamente complexa na estratégia do governo venezuelano.
Em outubro, o governo norte-americano amenizou sanções ao petróleo venezuelano. Isso também entra na conta feita por Maduro?
Sem dúvida, porque a partir disso a Venezuela conseguiu “respirar” um pouco melhor no mundo. É guerra envolvendo a Rússia fez do petróleo venezuelano um ativo ainda mais de estratégico, e isso levou o governo Biden a abrir diálogo com a Venezuela, algo que não acontecia há muito tempo. A Venezuela voltou a circular no mundo e o Maduro retornou aos espaços internacionais com presença e certa projeção. Um conflito neste momento, sobretudo envolvendo os EUA, seria jogar tudo isso por terra e a Venezuela voltaria rapidamente à condição de pária internacional. De quebra, teria um impacto decisivo na pequena melhora que o país passou nos últimos tempos.
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