Na recusa a seguir o rito constitucional e nomear a primeira-ministra da esquerda, sobressaem o compromisso com as corporações e a guerra da OTAN – além de um ego monstruoso, é claro
Por: Antonio Martins | Crédito Foto: Dylan Martinez/Reuters
O presidente francês, Emmanuel Macron, insistiu nesta terça (27/8), em seu esforço para desconhecer o resultado das eleições parlamentares e formar um governo que seja expressão das forças derrotadas – a sua própria, em particular. Depois de se recusar, na véspera, a nomear como primeira-ministra Lucie Castets, escolhida pelo bloco parlamentar mais numeroso (a Nova Frente Popular – NFP), Macron fez acenos ao Partido Socialista, que compõe a NFP mas é seu polo mais moderado.
O flerte fracassou, como era de prever: o ex-presidente (socialista) François Hollande o repeliu. Macron lançou, então, o que é provavelmente sua cartada principal. Hoje, ele se reunirá com representantes dos “Republicanos” (LR), o partido que restou da direita tradicional, gaullista. Cálculo implícito: o bloco parlamentar do próprio Macron (o Ensemble, que perdeu 86 cadeiras na Assembleia, mas conserva 159), poderá formar com o LR (que perdeu 25, mas ainda tem 39) a maior minoria no Legislativo, com 198 deputados – mais que os 180 da NFP e os 142 da ultradireita. O governo seria formado em torno deste cálculo aritmético.
O problema é: tal matemática, ainda que “eficaz” na arena parlamentar, contraria a vontade majoritária dos franceses. Juntos, Ensemble e LR obtiveram apenas 27,85% dos votos no primeiro turno das eleições, sendo a terceira força política. O cerne neoliberal de suas políticas é rechaçado fortemente pela esquerda (NFP) e até mesmo, de forma hipócrita, pela ultradireita (Reunião Nacional, de Marine Le Pen).
Macron conta, para manter-se à tona, com duas alianças. A primeira o une ao grande poder econômico. Ainda ontem, Patrick Martin, presidente da Medef, a principal associação empresarial francesa, discursou num evento da entidade, reivindicando que as políticas de um novo governo sejam “pró-business”. A segunda perna de Macron é seu papel destacado nas guerras do Ocidente. Há meses, o presidente avançou muito além do próprio norte-americano Joe Biden, e cogitou enviar soldados franceses para combater a Rússia…
O jornalista ítalo-brasileiro Giancarlo Summa avalia: o mais provável é que Macron consiga formar seu governo. A Nova Frente Popular convocou, para 7 de setembro, manifestações em toda a França. Mas seu efeito imediato tende a ser pequeno, inclusive porque a própria NFP não tem um horizonte político claro e sustentável. É um drama da esquerda, em todo o Ocidente.
Ao fraudar a vontade majoritária, Macron ofende e dilui a democracia. O resultado pode ser trágico. As eleições presidenciais francesas de 2027 aproximam-se. A única força que cresce consistentemente é a ultradireita. O discurso do presidente francês a normaliza, ao equipará-la à esquerda. Macron ganha um pouco mais de tempo e satisfaz seu próprio ego, mas está abrindo uma avenida para o fascismo contemporâneo. Há, no século XX, lições sobre os resultados trágicos desta opção política.
Veja em: https://outraspalavras.net/direita-assanhada/franca-como-macron-abre-caminho-a-ultradireita/
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