O novo filme biográfico de Bolanle Austen-Peters sobre Funmilayo Ransome-Kuti mostra sua corajosa militância feminista e pedagógica. É um retrato fiel de uma figura importante na história da Nigéria, que foi reduzida a trivialidades por ter sido a primeira mulher a dirigir um carro no país ou a mãe de um gênio musical.
Por: Daniel Okechukwu | Tradução: Priscilla Marques | Imagem: de Bolanle Austen-Peters Production 2024. Nos bastidores de Funmilayo Ransome-Kuti.
Se você foi uma criança que cresceu na Nigéria, você conhece Funmilayo Ransome-Kuti como a primeira mulher nigeriana a dirigir um carro. À medida que cresce e se familiariza com o Afrobeats, o movimento musical que seu filho inspirou, ela é frequentemente mencionada como a mãe de Fela Kuti. O filme biográfico Funmilayo Ransome-Kuti, da aclamada cineasta e veterana do teatro Bolanle Austen-Peters, começa com uma reencenação do infame saque a Kalakuta, que acabou levando os soldados a jogá-la de um prédio de dois andares.
No entanto, Funmilayo Ransome-Kuti sempre foi muito mais do que isso. Ela era uma educadora determinada em democratizar o acesso à educação em sua cidade natal, Abeokuta, no sudoeste da Nigéria. Foi feminista numa época em que o feminismo não era bem visto ou amplamente celebrado. No filme, há uma cena marcante que nos mostra o lado travesso do seu feminismo, uma rebeldia lúdica que contrastava com seu trabalho sério como ativista. Quando visita a família de seu futuro marido pela primeira vez, o pai dele, um clérigo autoritário, fez algumas perguntas incisivas sobre suas opiniões sobre religião e o papel da mulher na sociedade. Seu parceiro, Israel Ransome-Kuti, interpretado por Ibrahim Suleiman, sinaliza para que ela concorde, mas Funmilayo responde de uma forma típica de uma feminista, irritando o pai dele, que então perde o apetite. No entanto, ele ainda acaba abençoando o casamento — aquilo de que Funmilayo se orgulha e fala com carinho.
Ms. Ransome-Kuti também foi uma humanitária e ativista política corajosa que lutou pelo direito das mulheres nigerianas para o direito ao voto, para participação no governo e no acesso à educação. Uma de suas lutas mais conhecidas foi um protesto contra a taxação injusta das mulheres de Egbalândia na década de 1940 pelo Alake (governante tradicional), que resultou na inclusão das mulheres, na até então exclusivamente masculina união de chefes de Egba.
“Ela foi uma mulher que enfrentou um rei, seus chefes e seus mestres coloniais e venceu a um grande custo pessoal.”
Esses são alguns dos aspectos da vida de Ms. Ransome-Kuti que Austen-Peters deseja destacar neste filme biográfico — mostrar que a mãe de Fela era muito mais do que isso. O filme é um clássico caso nigeriano da arte preenchendo as lacunas das aulas de história nas escolas.
Funmilayo Ransome-Kuti começa com uma Funmilayo mais velha, interpretada pela respeitável Joke Silva, mas rapidamente nos leva aos seus dias de juventude como uma criança inteligente cujo pai queria mais para ela — para que Funmi jovem fosse mais que apenas uma mulher costureira. Ele a leva para a então exclusivamente masculina Abeokuta Grammar School e, de alguma forma, convence a administração a admitir sua filha — a primeira menina da escola. Lá, ela conhece Israel, seu futuro e sempre apoiador marido, que era o chefe dos estudantes, que o filme sabiamente relega ao segundo plano, apesar de ele ter sido bastante influente em sua vida.
Após o ensino secundário, ela vai para o Reino Unido estudar e retorna à Egba para ser educadora. Em uma ocasião, ela visita o mercado depois que uma de suas alunas não ter comparecido à escola, e lá testemunha o tratamento rude dispensado às mulheres no mercado que estão sendo atacadas pelas taxas abusivas cobradas pelo mercado e pela água.
Isso irrita Funmilayo, que encoraja as mulheres de seu círculo, o clube de elite da Egba Ladies Club, a se unirem às mulheres do mercado e lutarem por essa causa. Após algumas agitações e eventual rebelião de algumas de suas amigas cujos maridos estão associados ao trono e por isso elas não quiseram participar, o clube se transformou na Abeokuta Women’s Union (AWU), aceitando mulheres de todas as classes, incluindo as do mercado, e juntas lançam um protesto contra o Alake e sua tirania, inicialmente exigindo que ele retire a pesada taxação. Quando ele reage batendo nelas e usando sistemas tradicionais como o Oros contra elas, elas vão mais longe, exigindo sua remoção do trono.
O filme de Austen-Peters fornece um bom resumo de quem foi Funmilayo Ransome-Kuti. Ele captura sua teimosia, bravura e empatia enquanto lutava incansavelmente pelos direitos das mulheres. É um retrato fiel de uma figura importante na história da Nigéria, que foi reduzida a trivialidades por ter sido a primeira mulher a dirigir um carro ou a mãe de um gênio musical.
Ela foi uma mulher que enfrentou um rei, seus chefes e seus mestres coloniais e venceu a um grande custo pessoal — uma mulher tão destemida que merece ser conhecida por suas ações sociais e políticas.
No entanto, o filme frequentemente parece excessivamente simplificado e cauteloso. Ele se contenta em preencher lacunas das aulas de história, evitando explorar a vida pessoal de Funmilayo e o impacto que suas lutas tiveram nela e em sua família. Falta aqui a tensão que outras biografias semelhantes conseguem transmitir. As perdas pessoais que seus protagonistas enfrentam, juntamente com seus conflitos internos e externos como ativistas lutando por causas maiores enquanto suas vidas familiares sofrem, são mais profundamente sentidas em outros filmes. Esses conflitos são abordados de forma muito breve em Funmilayo Ransome-Kuti.
Há uma cena em que Funmilayo, enquanto está na prisão após ser espancada pelos guardas do Alake, se questiona se deve continuar sua luta contra os chefes. A passagem foi breve, mas momentos como esse, que humanizam sua personagem e a mostra sob outra luz, não aconteceram na trama. Em vez disso, temos uma história unidimensional de uma mulher toda-poderosa, toda-conquistadora, o que acabaria se tornando uma personagem um pouco previsível. Ela vence e vence e sofre pouco. Na realidade, ela venceu e sofreu, sofreu e venceu e depois sofreu novamente.
Publicado originalmente em: https://jacobin.com.br/2024/09/mais-que-a-mae-de-fela-kuti/
Comente aqui