Brasil enfrenta pior seca de sua história recente e todo o país é palco de número recorde de incêndios. Analistas apontam como a queima estratégica e o plantio adaptado podem ajudar a proteger o planeta.
Por: Stuart Braun | Crédito Foto: Adriano Machado/REUTERS. Incêndio na Floresta Nacional de Brasília: segundo Cemaden, Brasil vive a maior seca de sua história. Série histórica foi iniciada em 1950
As chamas devastam as florestas há milhões de anos, mas os incêndios florestais que assolam o Brasil e vários outros países do mundo são sem precedentes, queimando por mais tempo e a temperaturas mais altas, em parte devido às mudanças climáticas.
A menor incidência de chuvas e as secas mais prolongadas deixam as florestas tão ressecadas que a simples queda de um raio pode gerar um pequeno foco, que rapidamente se transforma em um inferno antes que equipes de combate ao fogo consigam conter os danos.
O Brasil enfrenta atualmente a maior seca da história, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden) divulgou no final de agosto. O número recorde de focos de incêndio fez também com que a fumaça, oriunda principalmente do fogo na Amazônia, encobrisse o céu em todo o país. Metereologistas acreditam que ela possa chegar à Argentina e ao Uruguai. E o Brasil concentra atualmente 76% dos incêndios em toda a América do Sul, com mais de 5 mil focos em todo o país.
Incêndios no mundo
No início de agosto, grandes incêndios consumiram florestas no oeste do Canadá e dos Estados Unidos, forçando a retirada de dezenas de milhares de habitantes. Alimentado pelo vento e o calor, o foco da Califórnia já é maior do que Los Angeles medindo mais de 1.200 quilômetros quadrados.
No Canadá, um incêndio que se deslocou rapidamente devastou Jasper e o parque nacional circundante, na província de Alberta, destruindo pelo menos um terço dos edifícios da cidade. O parque é parte de uma área declarada Patrimônio Mundial pela Unesco, e conhecido por suas Rocky Mountains.
“Qualquer bombeiro vai lhe dizer que há pouco ou nada a fazer quando uma parede fogo como essa está vindo na sua direção”, afirma Mike Ellis, secretário de Segurança Pública de Alberta. “Ninguém antecipou que o incêndio viria tão rápido, tão grande assim.”
Fogo alimentado pela mudança climática já devastou o Canadá em 2023, consumindo cerca de 18,4 milhões de hectares de vegetação e lançando gigantescas nuvens de fumaça sobre partes dos EUA. Em meados do mesmo ano, grandes incêndios irromperam igualmente na Itália, Grécia e Espanha.
Do outro lado do mundo, os megaincêndios na Austrália em 2019 e 2020 devastaram quase 24 milhões de hectares, queimando também florestas que anteriormente eram capazes de resistir ao fogo.
Enquanto continuarmos a aquecer o planeta com a queima de combustíveis fósseis, a tendência é que a ocorrência desses incêndios se agrave, colocando em risco vidas humanas e de animais selvagens.
“Não estamos no caminho certo para a redução de riscos”, afirmava, em agosto de 2022, Hamish Clarke, pesquisador da escola de ecossistemas e ciências florestais da Universidade de Melbourne, na Austrália. “Precisamos urgentemente mudar de rumo e reduzir de maneira séria as emissões de gases causadores do efeito estufa.”
Clarke é coautor de um artigo sobre o risco de queimadas na Austrália, segundo o qual “as mudanças climáticas excedem a capacidade de adaptação de nossos sistemas ecológico e social”. No texto, os autores afirmam que o gerenciamento de incêndios florestais chegou a uma “encruzilhada”.
Relacionamos abaixo três áreas fundamentais nas quais o gerenciamento de incêndios tenta se adaptar à nova realidade climática.
Combater fogo com fogo
A queima controlada ou “prescrita” da vegetação de florestas, realizada com maior frequência nos meses mais frios do ano, ajuda a diminuir os danos dos incêndios florestais no verão ao reduzir a quantidade disponível de lenha e gravetos capazes de dar impulso ao fogo.
Em nações propensas a incêndios como Estados Unidos, Canadá, Austrália, França, Portugal, Espanha e África do Sul, essa estratégia de gerenciamento do fogo vem sendo testada e utilizada há décadas.
Também chamada de redução de danos, a técnica é “bastante eficiente em diminuir a intensidade e a gravidade dos incêndios”, afirma Víctor Resco de Dios, professor de engenharia florestal da Universidade de Lleida, na Espanha.
Mas, para que possa ser um antídoto eficaz, a queima controlada sob temperaturas amenas deve ser feita em uma “escala espacial bastante grande”, afirma o engenheiro florestal.
Na Europa, onde especialmente os países da região do Mar Mediterrâneo, como a Grécia, sofrem incêndios florestais bastante graves durante o verão na região, Resco de Dios sugere que uma redução substancial dos riscos exigiria uma queima controlada em uma área de 1,5 milhão de hectares.
Contudo, um problema atual da queima controlada é o aumento dos riscos em razão dos efeitos gerados pelas mudanças climáticas.
Após uma operação de queima controlada do Novo México, em maio de 2022, ter se transformado num dos piores incêndios florestais da história do estado americano, o Serviço Florestal dos EUA anunciou a suspensão dessas operações nas florestas nacionais em todo o país, mesmo que aquele tenha sido um caso raro.
Queima de baixa intensidade pelos povos originários
Durante milhares de anos, antes das invasões europeias, os povos originários dos EUA e da Austrália utilizavam uma forma de queimada controlada para reduzir a vegetação inflamável.
Eles praticavam uma “queima de baixa intensidade” nos meses mais frios para reduzir a ameaça de incêndios que criava um terreno com um tipo de cobertura de grama amadeirada, semelhante a um parque, que também preservava a biodiversidade.
Isso foi descrito pelos autores de um artigo de 2022, que também destacaram o “risco catastrófico gerado pelo gerenciamento não indígena de controle de queimadas”, no qual o fogo é suprimido em vez de ser gerenciado.
A negação das técnicas indígenas significa que “as florestas australianas possuem mais material inflamável do que antes da invasão britânica”, disseram os pesquisadores.
Desde que retomaram a posse de suas terras nativas nos anos 1990, os povos aborígenes vem praticando com sucesso o gerenciamento de incêndios na região de Kimberly, no norte da Austrália, durante a estação de tempo frio e seco.
Vigilância com satélites e drones
Ainda que o melhor seja a prevenção, a tecnologia se torna cada vez mais importante no combate aos megaincêndios.
Satélites administrados por agências como a Nasa ajudam as equipes de bombeiros a se manterem atualizadas em relação à movimentação das chamas ao redor do planeta. Mais recentemente, os drones se tornaram uma importante ferramenta de combate ao fogo.
Um projeto em andamento na Finlândia, onde 75% da superfície é coberta por florestas, vem tornando mais fácil rastrear os incêndios em fase inicial.
“Desenvolvemos uma tecnologia de drones através da inteligência artificial para detectar com rapidez os incêndios florestais e possibilitar o conhecimento da situação no combate às chamas”, explica a professora do Instituto de Pesquisa Geoespacial (NLS) da Finlândia, Eija Honkavaara, que integra o grupo de pesquisa do projeto chamado de Consórcio FireMan.
Após a queima de 400 mil hectares de floresta na Europa em 2019, foi registrado um aumento de 25% no ano seguinte. Víctor Resco de Dios calcula que a região da Europa Central, mais quente e seca, “começará a vivenciar megaincêndios nas próximas décadas”.
“Os drones podem nos ajudar a fornecer informações em tempo real sobre como a linha de fogo progride e o quão altas são as chamas”, afirma Honkavaara.
Ao mesmo tempo em que os drones fornecer informações em tempo real, também são equipados com sensores que podem enxergar através da fumaça para detectar a dimensão exata de um incêndio. O único obstáculo é a necessidade de uma conexão sólida de internet móvel em áreas remotas.
Proteger as florestas dos efeitos do clima
“Incêndios florestais ocorrem na Terra há 420 milhões de anos, a vegetação está adaptada a eles”, sublinha Victor Resco de Dios. Mesmo assim, as propriedades regenerativas das florestas podem não ser mais suficientes.
Especialistas avaliam que os ecossistemas de florestas recém-vulneráveis precisam ser adaptados aos incêndios frequentes através do plantio de espécies mais resistentes ao clima e à seca.
“Devemos levar em conta o clima no futuro e plantar espécies de locais mais secos”, aponta Resco de Dios. “Isso quer dizer que não devemos plantar espécies nativas, mas aquelas que crescem em regiões mais quentes, que conseguirão se adaptar ao clima das próximas décadas.”
Após um inquérito sobre os incêndios no verão de 2019-2020 na Austrália, pesquisadores concluíram que a “regeneração efetiva” de mais de 250 espécies de plantas se tornou menos provável devido à maior frequência de incêndios florestais em seus habitats.
“Devemos considerar que, até a virada do século, o clima se tornará inadequado para muitas espécies que crescem atualmente, e temos que começar a nos planejar para isso”, destaca Resco de Dios.
Isso deve exigir um monitoramento da regeneração das florestas décadas após elas queimarem. “Se apenas plantarmos árvores e nos esquecermos delas, estaremos plantando futuros incêndios florestais”, alerta.
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