Segundo especialistas, país, que almeja liderar o debate climático global, ainda não conseguiu integrar seus planos ambientais em metas – nem sabe como fazê-las acontecer.
Por: Vinícius Mendes | Crédito Foto: Diego Lourenço Gurgel. Em 2022, O Brasil emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa, sendo que 1,12 bilhão delas vieram somente de áreas desmatadas
Às vésperas de receber outra grande conferência climática – a COP30, em Belém, no Pará, em 2025 –, o Brasil se vê às voltas com uma crítica comum da rede de entidades, movimentos e ONGS que participam do debate climático: o fato do país ainda não ter sua própria agenda verde.
Especialistas ouvidos pela DW nas últimas semanas apontam que a inexistência de um documento com metas tem prejudicado as ações da política ambiental brasileira. Para eles, uma agenda poderia ajudar a resolver o problema mais significativo do país nesse campo: a falta de instrumentos que materializem metas climáticas nacionais, como a de reduzir em 43% as emissões nacionais de gases poluentes até 2030, por exemplo.
Esse foi o compromisso que o Brasil assumiu no Acordo de Paris, em 2015, durante a COP21, na capital francesa. É, desde estão, a maior Contribuição Nacional Determinada (Nationally Determined Contribution, ou NDC, na sigla em língua inglesa), como foram chamadas as metas de cada signatário após a reunião, do país.
Mais do que uma “caixa de ferramentas”, os especialistas também acreditam que uma agenda verde funcionaria apontando prioridades e objetivos mensuráveis até um prazo pré-determinado. Sem ela, então é como se o Brasil ainda não soubesse nem para onde ir nem como chegar lá.
“Temos até muitos planos setoriais, muitas ideias, propostas, mas não há nada que explique como e quando vamos efetivá-las”, lamenta a engenheira Cristiane Cortez, que leciona na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo.
“O que temos atualmentesão só promessas soltas, sem nenhuma explicação de como faremos elas se materializarem. Nada além de números”, corrobora o secretário-executivo do Observatório do Clima (OC), Márcio Astrini.
Para o jornalista Cláudio Ângelo, também do OC, a formulação de uma agenda brasileira para o clima também deveria responder questões que hoje seguem em branco: desde mapeamentos territoriais sobre impactos em grandes áreas verdes, como a Amazônia, até onde encontrar fontes de investimentos internos e externos.
Autor de A espiral da morte – como a humanidade alterou a máquina do clima (Cia das Letras, 2016), Ângelo condiciona a inexistência do documento – um big deal, como ele chama – à falta de consensos políticos nos recentes governos.
“Nenhum deles pensou a proteção ao clima como uma oportunidade econômica. Ao contrário, ela foi vista sempre como um entrave ao desenvolvimento”, diz. “Mesmo dentro do atual governo [do presidente Lula, iniciado em 2023], esse assunto não é unanimidade”, completa.
No mundo, os dois modelos mais acabados desse documento, chamado entre especialistas de “agenda de implementação”, são os da França e da Alemanha.
O primeiro funciona como um compêndio de metas a serem cumpridas até 2030, e que atravessa objetivos gerais até setoriais, como descarbonizar totalmente o setor industrial francês. Já a agenda alemã, a Klimaschutzplan, tem 2050 como horizonte final, mas com algumas metas estipuladas já para 2030 – como reduzir em 55% suas emissões de gases-estufa. Para cada um deles foram criadas comissões específicas cuja missão é justamente elaborar planos de ação.
Plano de Haddad
É quase um consenso que o mais próximo que existe de uma agenda brasileira hoje é o Plano de Transformação Ecológica, apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes, há alguns meses. O texto é estruturado em seis eixos de ação – como transição energética e desenvolvimento tecnológico, por exemplo – e assume que dependerá de cerca de US$ 160 bilhões (R$ 823 bilhões) por ano em investimentos para se materializar.
Se as avaliações sobre esse plano têm sido mais positivas, ele ainda é cercado de pessimismos sobre sua viabilidade. “Não adianta ter um projeto incrível se as coisas não caminharem”, diz Ângelo. “As intenções são muito boas, mas se ele vai se realizar mesmo depende de consensos dentro do governo”.
Para Márcio Astrini, o ponto alto é a entrada do Ministério da Fazenda no debate – algo que não havia acontecido até agora. “Faltam detalhes importantes, como a distribuição dos investimentos [entre entes privados e o Estado], por exemplo, mas ter trazido a economia para o assunto foi fundamental”.
“Sem contar que existe ali toda uma estrutura para descarbonizar a economia até 2050, além de pensar uma nova forma de tributação. Acho que ele [Fernando Haddad] está fazendo isso passo a passo”, observa Alexandre Prado, líder de Mudanças Climáticas da World Wide Fund for Nature (WWF) no Brasil.
Para além do Plano de Transformação Ecológica, outras ações encabeçadas pelo governo também tem sido elogiadas, como a renovação do Plano ABC, voltado para a diminuição de emissões da agropecuária, por exemplo. “Há um forte componente de descarbonização do setor que é muito interessante”, analisa Prado.
Desmatamento como foco
Outro consenso entre os especialistas ouvidos pela reportagem da DW é sobre a operacionalidade de uma agenda verde brasileira. Uma de suas funções centrais, segundo eles, seria direcionar mais recursos, políticas e esforços para o maior fator de emissão de gases do Brasil hoje: o desmatamento.
Em 2022, último ano com dados consolidados pelo Observatório do Clima, o país emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa, sendo que 1,12 bilhão delas vieram somente do gás carbônico resultante das áreas desmatadas ao longo do ano. Ou seja, quase metade (48%) das emissões do país saíram apenas desse tipo de ação.
“Essa é uma urgência”, sentencia Cortez, que também assessora o Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP, em São Paulo. “Essa agenda poderia, inclusive, ter mecanismos para evitar novos desmatamentos, além de ir atrás de investimentos focados nas áreas que precisam manter suas florestas”, completa.
Desde o ano passado, a ministra de Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, tem sido perguntada constantemente sobre a manutenção da meta brasileira em zerar totalmente o desmatamento até 2030, e sempre que pode ela a reforça. “É nosso compromisso”, respondeu em fevereiro desse ano, durante um encontro com a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, em Brasília.
Para Márcio Astrini, no entanto, a principal política existente hoje para dar conta dessa demanda é ineficiente: o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), criado em 2004 no primeiro governo Lula e que, abandonado no período Bolsonaro, foi retomado no ano passado.
Segundo ele, embora seja uma medida louvável, ela não estipula um fim para o desmatamento na Amazônia, epicentro do problema, mas apenas meios de reduzi-lo. Além disso, é demasiado restrito ao combate às ações criminosas, que hoje correspondem a 95% da derrubada da floresta, segundo pesquisas.
“Isso significa que o Brasil não tem plano algum para simplesmente metade do seu território”, vocifera ele. “O PPCDAm não diz nada sobre a divisão da terra na Amazônia, por exemplo, ou sobre limites de expansão da agropecuária, áreas que serão distribuídas em uma reforma agrária, investimentos em tecnologia. Nós não sabemos nem onde pode passar uma estrada na floresta”.
Outra necessidade apontada é a regulação do mercado brasileiro de carbono – que integra boa parte das agendas globais. Há, atualmente, um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que estabelece parâmetros para compra e venda de títulos verdes, que têm sido feitas em mercado aberto. Nesse caso, as perspectivas são melhores. “O governo estudou bastante antes de fazer a proposta – e a relatoria do projeto no parlamento atendeu a ela”, afirma Cristiane Cortez.
Alexandre Prado, da WWF-Brasil, corrobora. “Eu tenho participado de alguns fóruns em que isso tem sido discutido. As coisas estão andando bem”, revela.
Esforços
Várias fontes ouvidas pela DW nas últimas semanas revelaram que, no trabalho de atualizar as NDCs brasileiras e apresentá-las até setembro deste ano, prazo estabelecido na COP21, em Paris, o Ministério do Meio Ambiente tem trabalhado também em um esboço de agenda dentro do Plano Clima, integrando planos e programas lançados nos últimos anos, como o de Haddad, que não fala sobre desmatamento em nenhum eixo.
As novas metas do país dentro do Acordo de Paris terão o ano de 2035 como horizonte.
Em março, na última reunião do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), representantes da pasta chegaram a dizer que duas dezenas de planos setoriais estão sendo confeccionados. “Pelo que eu sei, eles querem apresentar algo já na COP29”, revela Cristiane Cortez, da FecomercioSP, se referindo à conferência do clima deste ano, que será em Baku, no Azerbaijão.
“Se esses planos tiverem metas e indicadores para avaliar como nós estamos, seria positivo. Hoje, não dá para saber nada sobre eles”, finaliza. “O problema é sempre saber como chegar lá, mas nós sabemos que algo tem sido feito”, corrobora Prado, da WWF-Brasil.
Procurado pela DW, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu às solicitações de respostas até o fechamento da reportagem.
Veja em: https://www.dw.com/pt-br/o-que-falta-para-o-brasil-ter-uma-agenda-verde-efetiva/a-68950135
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