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O raio X da crise yanomami, em um ano de emergência

Imagens de indígenas desnutridos, surto de malária, garimpo a todo vapor, rios contaminados. Cenário de janeiro de 2023 se repete um ano após declaração de emergência do governo na TI Yanomami. O que foi feito desde então?

Por: Érika Kokay | Créditos da foto: Ueslei Marcelino/REUTERS. Segundo o governo federal, 308 indígenas yanomami morreram em 2023, principalmente de doenças respiratórias, parasitárias e ligadas à desnutrição

Há um ano, o governo Luiz Inácio Lula da Silva declarou emergência na Terra Indígena (TI) Yanomami, no Norte do país. Foi grave a tragédia humanitária no território, com centenas de casos de desnutrição extrema causada por carestia e doenças levadas pelo garimpo.

Imagens de indígenas desnutridos, com os ossos à flor da pele, chocaram o país, e a crise ganhou atenção do governo recém-empossado. Um decreto com medidas emergenciais foi publicado em 20 de janeiro de 2023. À época, Lula passou a Roraima para ver de perto a situação dos yanomami e a descreveu como um genocídio . Ali, prometeu acabar com o garimpo ilegal.

A posição do novo governo contrastou com a gestão anterior, de Jair Bolsonaro , que estimulou a expansão do garimpo na Amazônia e desmantelou órgãos de proteção ambiental, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​(Ibama), além de desmobilizar uma política indigenista no Brasil.

Mas o que foi feito ao longo de 2023 e até que ponto as ações emergenciais surtiram efeito? Um ano após a declaração de Lula, a situação dos yanomami é crítica. Principalmente no segundo semestre de 2023, o garimpo retomou a força em pontos estratégicos – o que alimenta a crise humanitária entre os indígenas, pois afeta fortemente o acesso à comida e água, e faz explodir os casos de malária e outras doenças no território.

Em entrevista ao portal G1, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, disse que o governo implementou muitas ações para garantir a saúde e o acesso à alimentação e água potável, bem como para a retirada de invasores, mas descobriu que elas eram “insuficientes”. Segundo Guajajara, não seria possível resolver a situação em um ano.

Ápice de uma crise de anos

Há 12 meses, uma emergência na TI Yanomami era o ápice de uma crise que já se desenvolvia há anos. O desmonte da saúde indígena durante os quatro anos do governo Bolsonaro levou várias comunidades indígenas ao colapso sanitário. morreram muitos em meio à escassez de medicamentos e de acesso à saúde.

Entre 2019 e 2022, o governo federal registrou a morte de pelo menos 570 crianças yanomami, em sua maioria devido a doenças tratáveis ​​como desnutrição, malária e diarreia. O número pode ser ainda maior, em meio a um pagamento nos dados da saúde indígena.

A malária se alastrou na terra indígena por meio dos garimpeiros. Em 2022, quase 40% da população yanomami teve diagnóstico confirmado da doença: foram 11.530 casos num território de cerca de 30 mil habitantes, segundo dados do Ministério da Saúde.

Apesar das doenças e das mortes evitáveis, a ida de profissionais de saúde às aldeias foi bloqueada por garimpeiros, que assumiram o controle de polos de saúde e de pistas de pouso. Profissionais sanitários precisam se deslocar de avião para conseguir atender 95% da população yanomami, espalhada por 384 aldeias de difícil acesso na floresta.

Indígenas deitados em redes em hospitais em Boa Vista
Hospital em Boa Vista trata indígenas yanomami, em foto de 17 de janeiro de 2024. Foto: Alan Chavez/AFP/Getty Images

O que foi feito em um ano?

Ao longo de 2023, o governo Lula gastou R$ 1 bilhão em todas as ações emergenciais voltadas para combater a crise humanitária na TI Yanomami. Entre as medidas estão a distribuição de alimentos, assistência médica à população e a retirada de garimpeiros da área.

Logo no início da missão humanitária, mais de mil indígenas com graves problemas de saúde e situação de extrema vulnerabilidade foram resgatados, segundo o governo.

Em todo o ano de 2023, foram reabertos seis polos base para a prestação de ajuda humanitária e assistência, que estavam fechados. Nesses locais, 307 crianças queimadas com desnutrição grave ou moderada se recuperaram.

O número de profissionais participantes no território aumentou em 40%, passando de 690 para 960 entre 2022 e 2023. Também se investiu na realização de testes em massa para a detecção da malária, que somaram mais de 140 mil em 2023.

Ao todo, o governo disse ter investido mais de R$ 220 milhões para reestruturar o acesso à saúde dos indígenas no território – o valor representa mais que o dobro (122%) do ano anterior.

Além disso, segundo a Presidência, 98 mil cestas básicas foram enviadas às comunidades yanomami ao longo de 2023, sendo que 35 mil ainda permanecem nas unidades distribuidoras e devem ser entregues nos próximos meses.

O governo também diz que priorizou a retomada da capacidade dos indígenas de produzir a própria alimentação. A iniciativa envolve a recuperação de rios e terrenos degradados, bem como a entrega de ferramentas, sementes e insumos que permitem aos yanomami retomar o cultivo de roças tradicionais.

Com esse propósito, foram entregues 12.500 kits para produção de alimentos e 1.875 casas de farinha, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social. Também houve a compra de 6.250 kits para produção agrícola e 6.250 kits para pesca.

Para enfrentar a situação de desassistência, o governo disse ter agido para promover o acesso dos indígenas a programas sociais. Atualmente, são 18 mil beneficiários no Bolsa Família.

Mulher yanomami carrega criança no colo, enquanto abraça outro no chão
Com o retorno do garimpo, a crise humanitária entre os indígenas yanomami voltou a piorar. Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS

Além disso, com a participação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas ( Funai ), o governo lançou um projeto de monitoramento ambiental para avaliar a presença de substâncias químicas comumente utilizadas na atividade de garimpo nos rios da bacia amazônica.

O uso de mercúrio na extração de ouro e a concentração dessas atividades na região têm causado danos diretos às populações indígenas e ribeirinhas, já que a substância contamina a água.

Essa água contaminada eleva os casos de diarreia, intoxicação e parasitas entre os indígenas. Com a escavação das terras para a atividade garimpeira, esses locais viram ainda criadores de mosquitos, como o portador da malária. Sem contar que os rios são fonte de alimento para os indígenas, por meio da pesca e da caça. Com a água imprópria, os peixes morrem, e outros animais se afastam da região.

A Funai também firmou um contrato de quase R$ 70 milhões com a Infraero para obras de melhorias em cinco pistas de pouso e decolagem localizadas na TI Yanomami, a fim de ampliar os serviços essenciais oferecidos aos indígenas.

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