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PEC das Praias: O embate para barrar a “Cancún brasileira”

Especulação, expulsão de comunidades costeiras, insegurança jurídica, risco ambiental… O que argumentam o governo, sociedade civil e até entes privados contra o projeto que abriria margem para privatizar terrenos da União para bizarrices imobiliárias

Por: Gabriel Tussini, em O Eco

O assunto “privatização de praias” ganhou espaço no debate público nos últimos dias, inclusive gerando desentendimentos entre famosos. O centro dessa discussão é uma possível alteração na Constituição Federal que, embora não privatize diretamente a faixa de areia e as águas litorâneas, abre ainda mais espaço para a especulação imobiliária no entorno e nos acessos às praias, o que gera riscos ambientais, alertam especialistas.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022 prevê a transferência de parte dos terrenos da União no litoral do país, os chamados terrenos de marinha, para estados, municípios e ocupantes privados, sejam pessoas ou empresas – incluindo “ocupantes não inscritos”, o que é apontado como um incentivo à grilagem e à ocupação desordenada. Ambientalistas apontam ainda, como consequência de uma possível aprovação da proposta, que a gestão de territórios importantes para a adaptação às mudanças climáticas será prejudicada.

Uma audiência pública realizada no Senado Federal na semana passada (27), presidida pelo relator da proposta na casa, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), discutiu o assunto. O debate foi feito por representantes da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) – a quem cabe demarcar e administrar formalmente essas áreas, cobrando taxas de seus ocupantes –, do Ministério do Meio Ambiente e outras áreas do governo, de pescadores, portos privados e parlamentares. A maioria dos presentes se declarou contrária à PEC.

Os terrenos de marinha, em si, não são de identificação simples. Segundo a Instrução Normativa 28/2022, da SPU, esses terrenos são “os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés” e “os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés”. Já os chamados acrescidos de marinha são “os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha”.

Identificar essas áreas é parte do trabalho da SPU. Segundo Carolina Gabas Stuchi, secretária-adjunta de Gestão do Patrimônio da União e representante do órgão na audiência pública, apenas cerca de 30% desses terrenos estão demarcados atualmente. A secretária trouxe estimativas de que existam 48 mil km lineares de faixa de terrenos de marinha, com 15 mil km demarcados – 11 mil deles desde 2020. O único estado com toda a demarcação realizada é o Amapá. O processo ainda está em andamento em outros 17 estados, e o tempo necessário para a conclusão em cada um é estimado em 2 anos pelo órgão – ou seja, demarcar todas essas áreas, com o curto orçamento e pessoal da SPU, levará anos.

E, embora a PEC não preveja explicitamente a privatização de qualquer área a novos empreendimentos privados, por exemplo, a transferência de propriedade da União para particulares, ou mesmo para municípios, abre margem para a ação da especulação imobiliária – inclusive com pressão sobre povos e comunidades tradicionais –, já que os novos títulos definitivos de propriedade poderiam ser vendidos sem controle da União.

Ana Ilda Pavão, representante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), externou sua preocupação com essa possibilidade. “Muitos têm perdido a sua vida porque têm sido retirados dos seus territórios por causa dos grandes empreendimentos, que tem focado naquela orla marinha. Tem tomado dos que realmente são donos, que vivem lá desde que nasceram, das suas ancestralidades, que estão ali por fato e de direito, mas infelizmente estão sendo retirados, estão sendo coagidos. E por medo, por represálias, por medo de perder a vida – e outros já perderam –, são obrigados a sair. E essa PEC vem fazer muito mal pra gente. Por isso nós dizemos que nós não queremos ela”, declarou.

Na mesma linha, uma nota do MPP, assinado em conjunto com a Articulação Nacional das Pescadoras (ANP) e o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), alerta que “a possibilidade de privatização dos terrenos de marinha e a maior facilidade de agentes econômicos colocarem seus interesses junto a prefeituras e governos estaduais ocasionaria ameaças aos territórios de povos tradicionais, que habitam há décadas áreas hoje compreendidas nos terrenos de marinha, gerando conflitos fundiários, ameaças a culturas e aos modos de vida destas populações e à sua sobrevivência”.

“Atualmente, já existem diversos casos em que áreas públicas são desrespeitadas e particulares, especialmente agentes econômicos, tentam se apropriar daqueles espaços, gerando conflitos com comunidades que tradicionalmente ocupam as áreas. O menor status de proteção importará no provável aumento da conflituosidade, com possibilidade de poderes locais legitimarem as ocupações ilegítimas atualmente existentes ou aquelas que vierem a ocorrer”, alerta a nota.

O deputado federal Túlio Gadêlha (REDE-PE) destacou os riscos ambientais trazidos pela PEC. “Quando a gente tira da competência da União a gestão desses espaços e atribui ao município, ou à iniciativa privada, você está deixando com o órgão mais frágil, ou então com as pessoas que a gente não sabe se tem responsabilidade com aquele ecossistema, deixando nelas a capacidade de gerir, de fazer essa gestão. E essa é a grande preocupação”, expressou. “A gente sabe também que é nos municípios que existe a barganha política, e ali está mais suscetível à corrupção, está mais suscetível ao acordo que se faz ali entre um empresário, uma grande empresa, e um prefeito. E é essa é a realidade, essa é a realidade do Brasil”, avaliou.

Gadêlha também lembrou o interesse da especulação imobiliária na aprovação da PEC. “A gente sabe a quem interessa essa PEC. A gente viu inclusive um jogador de futebol, Neymar, fazer propaganda de um investimento, tomando como certa a aprovação dessa PEC. Um empreendimento com investimento bilionário nas praias do Nordeste”, expôs.

A iniciativa foi anunciada recentemente pelo jogador em publicações em seu perfil, no de seu pai, Neymar da Silva Santos, e da Due Incorporadora, construtora de imóveis de alto padrão e sócia do jogador no empreendimento, que construirá 28 imóveis nas orlas de Pernambuco e Alagoas. A empresa é uma sociedade entre o também ex-jogador Adaílton Santos – que jogou com Neymar no primeiro ano de sua carreira, no Santos Futebol Clube, em 2009 –, o ator Rafael Zulu e os irmãos engenheiros Abílio e André Costa, como detalhou o Valor Econômico em reportagem do ano passado sobre a empresa.

“Estou junto com a Due na criação da Rota Due Caribe Brasileiro. Vamos transformar o litoral nordestino e trazer muito desenvolvimento social e econômico para a região. Em breve, mais novidades”, disse Neymar. O anúncio foi criticado pela atriz Luana Piovani, que apontou a relação entre o projeto e a PEC, chamando Neymar de “péssimo pai, péssimo homem” e “péssimo cidadão”, ao que o atleta respondeu a chamando de “louca”.

Respondendo diretamente o comentário de Gadêlha ao final da sessão, Flávio Bolsonaro, relator da proposta na CCJ, confirmou o temor daqueles que alertam para a intenção de se formar uma “Cancún Brasileira”, ignorando os impactos ambientais, como apontam críticos da proposta. Ele justificou isso com a eventual geração de empregos.

“[A aprovação] interessa também, obviamente, por causa da geração de empregos. Chegou a ser usado aqui, como argumento contra a PEC, o fato de um jogador de futebol ter o interesse de investir em empreendimentos no Nordeste. Quando, na verdade, o objetivo de todos nós aqui tem que ser a geração de empregos. Não a qualquer custo, como essa PEC não está permitindo”, defendeu. O tal custo, porém, foi apontado como alto pela maioria dos convidados à audiência pública.

Filhotes de tartarugas monitorados pelo Projeto Tamar correm para o mar na Praia do Forte, na Bahia. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.

O que diz o texto da PEC

A proposta revoga os dispositivos na Constituição Federal e no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que tratam dos terrenos de marinha, na prática os extinguindo. O texto prevê que as áreas do tipo que estejam sob domínio da administração municipal (ou que estejam previstas para expansão urbana no Plano Diretor da cidade) ou estadual – inclusive das concessionárias e permissionárias de serviços públicos – sejam transferidas sem custos a esses entes, e que as áreas sob uso da administração federal e suas concessionárias, assim como as áreas não ocupadas, sigam sob administração federal. Áreas cedidas pela União também passariam definitivamente a esses beneficiados.

Os pontos mais criticados, porém, são os que abrem margem para a propriedade privada sobre essas áreas costeiras. O texto prevê o “domínio pleno” dos foreiros e ocupantes (que hoje têm a posse desses terrenos mediante pagamento de taxas, como o foro e a taxa de ocupação) “regularmente inscritos” na SPU. Mas também prevê a propriedade por parte de “ocupantes não inscritos” que tenham ocupado as terras pelo menos 5 anos antes da eventual publicação da emenda constitucional. Bastaria comprovar “boa-fé”, sem qualquer critério claro sobre como isso seria definido.

A transferência das áreas seria feita de forma gratuita, no caso dos estados, municípios e as “ocupadas por habitação de interesse social”, o que ainda seria definido por regulamentação posterior, mas que também ainda não tem critérios claros. Nos demais casos, a transferência seria paga – a forma como isso seria feito foi outro ponto de crítica na audiência pública.

Segundo Ana Paula Franco, gerente-técnica da Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), entidade que representa portos privados – e que se declarou contrária ao texto –, a PEC gera insegurança jurídica aos operadores dos portos, já que prevê uma compra “compulsória” dos terrenos, sem possibilidade de optar por não adquiri-los. Além disso, os termos dessa aquisição obrigatória, como formas de pagamento, prazo e mesmo a avaliação do valor do terreno são indefinidos.

“Pode parecer paradoxal que a iniciativa privada queira mais controle [estatal] sobre o seu negócio, mas isso nos dá, em algumas situações, uma segurança jurídica maior”, declarou. “Porque se os terrenos de marinha forem totalmente ‘privatizados’, um terminal portuário não poderá, por exemplo, fazer uma expansão. Ficará limitado, confinado no seu terreno”, explicou. Como os terrenos vizinhos poderão até ser ocupados por “não-inscritos” antes mesmo da publicação da emenda, a União perde muito do controle que atualmente ainda exerce.

Outro ponto criticado é a previsão, no texto da PEC, de que a União faça a efetivação das transferências em até 2 anos – o mesmo tempo para demarcação dos terrenos em cada estado, como explicou antes Carolina Gabas Stuchi, representante da SPU.

“A gente acha que 2 anos não vai dar. 2 anos vai ser muito pouco. Esse processo pode ser atabalhoado, complexo. Nós vimos aqui nos números, a quantidade de imóveis e os quilômetros… quase 2 milhões de imóveis a serem ainda localizados pela SPU. Obviamente esse prazo não vai se cumprir, o que vai gerar uma insegurança jurídica para muitos dos privados que operam utilizando esse terreno de marinha”, previu Franco. Reneval Tupinambá Conceição Júnior, diretor-presidente do Instituto de Terras do Amapá, também citou a insegurança jurídica trazida por esse prazo, que classificou como “temerário”.

Risco ambiental

Marinez Eymael Garcia Scherer, coordenadora-geral do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente, lembrou que a costa brasileira está sofrendo com processos como a erosão e o aumento do nível do mar, que avançará exatamente sobre os terrenos de marinha e faixas de segurança (extensão de 30 metros a partir do final da praia, como define a lei 13.240/15). Segundo ela, cada centímetro de aumento do nível do mar significa 1 metro de avanço de água sobre o terreno, e que o aumento já foi de 10 cm entre 1992 e 2022.

“Além disso, a grande maioria desses terrenos de marinha e faixa de segurança estão em áreas consideradas pela legislação brasileira como Áreas de Preservação Permanente. Sejam as restingas fixadoras de dunas, sejam as áreas de manguezal em toda a sua extensão, sejam as áreas de falésia”, lembrou Scherer. “Elas são Áreas de Preservação Permanente porque elas são importantes para a segurança humana e para o bem-estar humano”, frisou.

A representante do MMA, Marinez Eymael Garcia Scherer. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado.

Na mesma linha, a presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Leila Barros (PDT-DF), lembrou que os terrenos de marinha “servem como amortecimento natural contra a erosão e o avanço do mar, oferecendo proteção para as comunidades costeiras e infraestruturas”. Segundo ela, “a perda desses terrenos para propriedades privadas tende a aumentar as suas ameaças por eventuais flexibilizações ou afrouxamento de regras federais, limitando assim a capacidade de resposta aos eventos extremos e à ocorrência de inundações, que é a maior preocupação”.

Scherer mostrou que as faixas dos terrenos de marinha no Brasil, de 33 metros, são menores do que equivalentes em outros países, como Uruguai (150 a 250 metros) e Argentina (150 metros). Segundo ela, eventuais perdas econômicas são pequenas perto dos prejuízos potenciais da ocupação desordenada dessas áreas. “A gente nem precisa falar do quanto está sendo disponibilizado, e tem que ser, para o Rio Grande do Sul, muitas vezes por áreas que ocuparam áreas que não deveriam estar ocupadas, por serem de preservação permanente”, lembrou.

Ela mostrou ainda que, na França, o governo está recomprando zonas litorâneas privatizadas para poder fazer um melhor manejo ambiental. “Eles vêm comprando essas terras justamente para proteger essa área, porque sabidamente é uma área que vai ser inundada, vai ser erodida, e que vai custar muito caro em vidas humanas e em patrimônio”, afirmou.

Segundo Scherer, a PEC vai “retirar do Estado a possibilidade de planejamento futuro, de ordenar o bem público e de delimitar a ocupação em áreas vulneráveis”. “É um gol contra, é um tiro no pé, é um retrocesso. Porque nós estamos indo contra o que o resto do mundo está fazendo ao proteger essas áreas”, criticou.

Por meio de nota, o Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha (GT-Mar), da Frente Parlamentar Ambientalista, também criticou ponto a ponto o projeto, apontando impactos ambientais, climáticos, econômicos e sociais. “Os riscos de erosão, inundações, prejuízos econômicos, desigualdades sociais e danos ambientais são reais e substanciais. Considerando o comprometimento da adaptação às mudanças climáticas, a conservação dos ecossistemas e a segurança de comunidades costeiras, o GT-Mar posiciona-se pela não aprovação da PEC 03/2022. A manutenção dos terrenos de marinha sob o domínio da União representa uma abordagem responsável, equitativa e sustentável para o desenvolvimento do país, garantindo um futuro mais resiliente para as gerações presentes e futuras”, conclui o texto.

Para Leila Barros, a norma “flexibiliza as normas ambientais e dificulta o combate às mudanças climáticas”. Ela defendeu que a proposta, prevista para tramitar apenas na CCJ e no Plenário do Senado, seja também discutida pela Comissão de Meio Ambiente – mesmo se não for necessariamente votada na comissão.

“Causa mais perplexidade constatar o avanço de uma iniciativa dessa natureza num momento de calamidade ambiental que vivemos no Rio Grande do Sul. Afinal, para 99% dos brasileiros, segundo a pesquisa Quaest, as enchentes do Rio Grande do Sul estão ligadas sim às mudanças climáticas”, criticou, afirmando ainda que “a transferência de propriedade das áreas podem afetar a função dessas áreas na mitigação das mudanças climáticas e na adaptação às mudanças no nível do mar”.

“A quem interessa essa aprovação?”, questionou a senadora. “Manter tais terrenos sobre titularidade da União significa ter gestão sobre territórios estratégicos ao desenvolvimento econômico, social, ambiental, da infraestrutura e, principalmente, da segurança nacional, como foi falado aqui. Significa poder atuar na proteção das comunidades tradicionais, dos povos originários e quilombolas, significa ter governança para atuar em áreas de riscos, cada vez mais ameaçadas por tais mudanças que agora nos assombram constantemente”, frisou.

Desigualdades e riscos à soberania

Bruno Ferreira de Oliveira, diretor do Departamento de Assuntos do Conselho de Defesa Nacional do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, a aprovação da PEC pode atacar o Estado Democrático de Direito, com riscos socioeconômicos, ambientais e até de natureza militar. Ele destacou que o GSI é institucionalmente contra a proposta, e lembrou que, ao contrário do que diz o relatório do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a modernização dos equipamentos militares não diminuiu a importância da defesa terrestre da costa do Brasil ou de qualquer país.

Em sua apresentação, Oliveira mostrou um estudo que demonstra, tendo como exemplo as cidades do Rio de Janeiro e Niterói, que moradores do litoral têm renda superior à dos moradores do interior do território. “Isso vai levar vulnerabilidade a comunidades tradicionais e grupos sociais de baixa renda, como já comentado, em função da especulação imobiliária que tende a ocorrer a partir da aprovação dessa PEC”.

Manifestantes protestam contra a PEC 3/2022. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Ele alertou ainda que a proposta pode dificultar o acesso às praias. “A praia e o mar não são afetados pela PEC, mas o acesso a eles sim”, explicou. “O acesso hoje, em que a restrição já é ilegal, inconstitucional e já acontece, se a gente privatizar, conceder aos particulares essa propriedade, realmente não vai haver uma apropriação de mares e praias de direito, mas vai ter de fato, alertou.

Outro ponto abordado pelo diretor de departamento foi a falta de definição sobre o que seriam as ocupações “de boa-fé” previstas no texto da PEC. “Pode haver a legitimação de propriedades da União a particulares que nem sempre a adquiriram de boa-fé. É importante lembrar que desde 1941, com o decreto 3438, já se definia o que era o terreno de marinha, e já se estabelecia que a União não reconheceria nenhuma ocupação posterior”, lembrou. “Claro que a legislação é viva, precisa de atualização, mas precisa ser feita com critérios”, disse.

“Aí a gente destaca uma avaliação que eles [a Secretaria do Patrimônio da União] fizeram, de que ‘uma medida como essa incentiva conflitos nacionais e internacionais, disputas locais, apropriação do patrimônio público, beneficia a grilagem, a concentração de terras e a especulação imobiliária’”, destacou. “O ordenamento jurídico já permite diversas ações de regularização que estão sendo executadas pela SPU, só que com observância aos critérios sociais, econômicos e ambientais, que privilegiam o interesse público ante o privado”, ressaltou.

Relator da PEC na Câmara nega influência de mudanças climáticas e defende empreendimentos

Na Câmara, a proposta foi aprovada em dois turnos no dia 22 de fevereiro de 2022 – com direito a requerimento de dispensa do prazo regimental entre um turno e outro feito pelo então deputado André Fufuca (PP-MA), atual ministro do Esporte. O relator da PEC na casa, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), defendeu que essas regiões poderiam se transformar em “área nobre”, e que atualmente elas não “produzem para a sociedade”, na prática defendendo grandes empreendimentos nessas áreas – na linha do que os críticos da PEC alertam, ao apelidá-la de “PEC da Cancún Brasileira”, com todos os impactos ambientais que acompanhariam esse resultado.

“Pegue uma ilha como Florianópolis, pegue as áreas portuárias que nós temos, abandonadas, verdadeiros cortiços do litoral do Brasil, sem nenhuma conservação, sem nada. Pontos absolutamente apodrecidos, destruídos, que poderiam ser área nobre da cidade, agregar ao patrimônio da cidade. Estão fora, porque são áreas de marinha, a SPU não tem dinheiro pra cuidar, não faz absolutamente nada. E elas ficam como verdadeiras cicatrizes nas nossas cidades”, disparou.

“Querem saber se o que eu digo é verdade? Andem pelas praias do Brasil e vão encontrar lugares absolutamente nobres que faz décadas que nunca tiveram absolutamente nenhum investimento. E que aquilo certamente poderia gerar trabalho, emprego e renda para milhares de pessoas. Estão no abandono. E o discurso é que aquilo tem que ser área de marinha porque tem que ser área de marinha. Me diga, que bem ele produz para a sociedade como área de marinha?”, questionou, ignorando a importância dessas áreas para o meio ambiente e comunidades tradicionais.

Moreira, além disso, tratou as mudanças climáticas, apontadas por outros presentes como fatores relevantes para manutenção dos terrenos de marinha com a União, como “lacração ideológica”, e propagou negacionismo climático quando negou a influência das mudanças do clima nas enchentes no Rio Grande do Sul.

“Em 1941 tinha meia dúzia de habitantes em Porto Alegre e nós tivemos uma enchente igual. Seria o efeito estufa, por acaso, tão somente ele, ou seríamos nós que estamos plantando batata que somos responsáveis por isso? Tem que parar com esse discurso de lacração absolutamente irresponsável de vir para uma audiência pública querendo fixar seus conceitos ideológicos”, disse, ignorando que as outras grandes enchentes da história de Porto Alegre, por exemplo, aconteceram em 1941, setembro de 2023, novembro de 2023 e maio de 2024 – concentrando em poucos meses eventos que levariam décadas para acontecer.

A votação da PEC na CCJ ainda não tem data prevista. Caso seja aprovada sem alterações significativas, ela será promulgada pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sem direito a veto. O único freio possível após uma aprovação seria um eventual questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Veja em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/pec-das-praias-o-embate-para-barrar-a-cancun-brasileira/

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