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Relatório liga crimes no Cerrado a gigantes da moda europeus

Fornecedoras de algodão para fabricantes de peças vendidas por Zara e H&M, fazendas no oeste da Bahia têm histórico de desmatamento e grilagem, aponta investigação da ong Earthsight.

Por: Nádia Pontes | Crédito Foto: EVARISTO SA/AFP. Relatório “Fashion Crimes”, da organização Earthsight, realizou investigação ao longo de um ano sobre os negócios que conectam as lavouras do Brasil, quarto maior produtor de algodão do mundo, a marcas europeias como Zara e H&M

Até chegarem nas vitrines de gigantes como Zara e H&M, calças, bermudas, camisetas e meias de algodão deixam para trás um rastro de desmatamento, grilagem de terras e violação de direitos humanos no Brasil. Para o consumidor, as peças parecem acima de qualquer suspeita: a maioria estampa um selo de produção sustentável.

A denúncia faz parte do relatório Fashion Crimes da organização Earthsight, publicado nesta quinta-feira (11/04). Ao longo de um ano, uma investigação detalhada focou nos negócios que conectam as lavouras do Brasil, quarto maior produtor da commodity no globo, às marcas europeias.

A ong analisou o caminho percorrido por 816 mil toneladas de algodão com a ajuda de imagens de satélite, registros de envios de mercadoria, arquivos públicos e visitas às regiões produtoras.

Segundo o relatório, essa matéria-prima foi destinada especialmente a oito empresas asiáticas que, entre 2014 e 2023, fabricaram cerca de 250 milhões de itens para as lojas. Muitos deles, alega a investigação, abasteceram marcas como H&M e Zara, entre outras.

“É chocante ver estas ligações entre marcas globais muito reconhecidas, mas que, ao que tudo indica, não se esforçam o suficiente para ter controle sobre estas cadeias de fornecimento, para saber de onde vem o algodão e quais tipos de impacto ele provoca”, diz Rubens Carvalho, chefe de Pesquisa sobre Desmatamento da Earthsight, à DW.

Crimes no Cerrado

O problema, afirma a ong baseada no Reino Unido, está na origem da matéria-prima. O algodão exportado sai principalmente do oeste da Bahia, região imersa no Cerrado brasileiro muitas vezes desmatado ilegalmente para ampliar o cultivo. Em alta, o corte desta vegetação dobrou nos últimos cinco anos, segundo monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Dentre os casos analisados no relatório, está o grupo SLC Agrícola. Fundado em 1977 no Rio Grande do Sul, o grupo diz ser responsável por 11% do algodão brasileiro exportado (safra 2019/2020).

O estudo da Earthsight também diz que, nos últimos 12 anos, estima-se que 40 mil campos de futebol de Cerrado tenham sido destruídos dentro das fazendas do SLC. Em 2020, a empresa, que também planta soja, foi apontada como a maior desmatadora do bioma, calculam pesquisadores do Chain Reaction Research.

Em 2021, o SLC se comprometeu junto a fornecedores com uma política de desmatamento zero. Um ano após a promessa, um relatório da Aidenvironment identificou o corte de 1.365 hectares de Cerrado dentro das propriedades que cultivam algodão, o equivalente a 1.300 campos de futebol. Quase metade estava dentro da reserva legal.

Uma consulta feita pela Earthsight no banco de dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mostra mais de R$ 1,2 milhão de multas aplicadas por infrações ambientais desde 2008 nas fazendas do grupo no oeste da Bahia.

Uma das acionistas da SLC é a britânica Odey Asset Management. Em 2020, em uma entrevista para o diário britânico Financial Times, o fundador da empresa disse que arcar com as penalidades ambientais no Brasil era algo corriqueiro como “pagar multas de trânsito”.

Questionado, o grupo afirmou por meio de nota à DW que “todas as conversões de área com vegetação nativa da SLC seguiram os limites estabelecidos por lei”. Especificamente sobre a área desmatada em 2022 apontada no relatório da Aidenvironment, a empresa diz que a destruição se deu por “um incêndio natural, não ocasionado para a abertura de novas áreas para produção”.

Sobre as multas aplicadas pelo Ibama, a SLC Agrícola diz ter recorrido administrativamente de todas as autuações. “As multas que foram objeto de recurso estão em tramitação e não houve, até o momento, um julgamento definitivo”, diz a nota.

“Grilagem verde”

Outro grupo analisado em detalhes é o Horita, original do Paraná e atuante na Bahia desde a década de 1980. Dentre as várias denúncias feitas pela Earthsight está a chamada grilagem verde: imposição de reservas legais, ou áreas de preservação de propriedade privada, em zonas onde vivem comunidades tradicionais. A manobra impede que famílias realizem atividades de subsistência e, nos piores casos, permaneçam nas terras.

O conflito fundiário entre as famílias geraizeiras, como se identificam essas comunidades tradicionais na região, e fazendeiros data de 1970. Na década seguinte, a companhia Delfin Rio compra terras e registra o empreendimento como Agronegócio Condomínio Cachoeira do Estrondo. Segundo a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais do estado (AATR), o grupo Horita é um dos sócios do complexo de fazendas.

Em 2017, as famílias geraizeiras da zona rural de Formosa do Rio Preto, no oeste baiano, ajuizaram uma ação contra a Estrondo por grilagem de terra e ganharam, em caráter liminar, a posse coletiva de 43 mil hectares que o empreendimento dizia ter comprado. A maior parte está no coração da Matopiba, zona de expansão do agronegócio que integra os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, habitada há mais de 200 anos pelos geraizeiros.

 

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/investiga%C3%A7%C3%A3o-liga-crimes-no-cerrado-a-gigantes-da-moda-na-europa/a-68787528

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