Grupo político liderado pela premiê italiana, Giorgia Meloni, conquistou altos postos em 13 comitês do órgão legislativo da UE, assegurando influência da ultradireita sobre as políticas do bloco.
Por: Anchal Vohra | Crédito Foto: Yara Nardi/REUTERS. A primeira-ministra italiana Giorgia Meloni lidera o bloco dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) no Parlamento Europeu
Na esteira da eleição ao Parlamento Europeu, os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), bloco de ultradireita liderado pela primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, e quarta maior força, conquistaram cargos de alto escalão em 13 dentre os 20 comitês e quatro subcomitês do órgão legislativo da União Europeia (UE).
Destes, três são presidências e dez são vice-presidências – cada comitê e subcomitê tem quatro vices. Sete cargos – em comitês dedicados a temas estratégicos como assuntos estrangeiros, segurança, meio ambiente e saúde pública – foram entregues ao partido de Meloni, o Irmãos da Itália.
É um crescimento que “orgulha”, nas palavras de Carlo Fidanza, do Irmãos da Itália. Até então, o principal partido que compõe o ECR estava representado em apenas um comitê.
Co-líder da bancada do ECR e também membro do Irmãos da Itália, Nicola Procaccini saudou em comunicado o papel cada vez maior que seu grupo assume no Parlamento da UE: “Apesar de a esquerda tentar nos boicotar em todos os comitês, o resultado positivo mostra que a maioria mudou e que os conservadores podem ser decisivos para os próximos cinco anos de legislatura”.
Festa de uns, preocupação de outros
Alguns observadores temem que a presença de parlamentares do ECR em posições tão importantes de liderança nos comitês possa não só influenciar a agenda do Parlamento, mas também levar à normalização da ultradireita, corroendo os valores democráticos.
“A normalização da direita radical como demonstrado pela trajetória do ECR e a falta de um cordão sanitário contra eles por parte de grupos políticos tradicionais ameaçam valores democráticos e liberais. Essa tendência, se continuar, pode comprometer os avanços da integração europeia”, advertiu, em postagem no X, Zsuzsanna Vegh, do think tank German Marshall Fund. Por “cordão sanitário”, entenda-se a estratégia de partidos tradicionais de recusar acordos com a ultradireita, para impedir que ela chegue ao poder.
Nem todos os partidos que formam o ECR são considerados como de ultradireita, mas a dominância do Irmãos da Itália sobre o bloco preocupa alguns parlamentares e analistas políticos.
Editor de uma newsletter política e consultor para assuntos da UE, Julien Holz diz ver o ECR dividido entre os que são apenas “direitistas eurocéticos” e “atores mais tóxicos da ultradireita”. O destaque cada vez maior deles na UE, especialmente dos parlamentares do Irmãos da Itália, é algo que, segundo Holz, “poderia ter um efeito negativo sobre os direitos das mulheres, a liberdade de imprensa e o gerenciamento competente de questões migratórias”.
“Eles poderiam tentar forçar uma política que impeça a entrada na Europa de requerentes de refúgio e trabalhadores estrangeiros”, exemplifica.
À DW, Vegh aponta que cargos em comitês são importantes para o planejamento e execução do trabalho legislativo no Parlamento Europeu; eles não só garantem a discussão de temas, mas também definem a pauta, administram reuniões e supervisionam a execução de dossiês sobre leis específicas.
“São posições importantes quando se trata de ter um impacto sobre o trabalho legislativo”, afirma Vegh. “A normalização [da ultradireita] dá aos parlamentares desses partidos chances melhores de empurrar a legislação europeia em uma direção em linha com as preferências ideológicas e programáticas deles.”
Quão à direita está o Irmãos da Itália?
Após o crescimento da ultradireita nas eleições europeias em junho, grupos de centro uniram esforços para impedir que parlamentares da ultradireita chegassem a posições de liderança nos comitês do Parlamento Europeu.
Isso incluía o Patriotas pela Europa (PfE) – terceiro maior grupo parlamentar, do qual fazem parte o francês Reunião Nacional, de Marine Le Pen, e o Fidesz do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán – e o Europa das Nações Soberanas (ESN) – que tem entre seus membros a Alternativa para a Alemanha (AfD).

A distribuição de cargos em comitês é proporcional ao tamanho dos grupos parlamentares. As indicações são decididas internamente entre os grupos, mas a presidência e as vices são definidas em eleição pelos membros de cada comitê.
Embora membros de comitês tenham conseguido isolar os Patriotas pela Europa e o Europa das Nações Soberanas, o mesmo não ocorreu com os Irmãos da Itália, que são parte do ECR.
O parlamentar Fidanza argumenta que isso não ocorreu porque o partido dele não é de ultradireita, e aponta como prova para o EfP e o ESN, dois outros grupos mais à direita do ECR.
Fidanza diz que o rótulo de ultradireita foi imposto ao Irmãos da Itália por partidos de esquerda. “Ninguém na Europa com um mínimo de bom senso pode considerar nosso partido como de ‘ultradireita’. O bom resultado em termos de posições no Parlamento confirma isso.”
Meloni ainda é vista como problemática
Tanto a premiê italiana Meloni quanto a líder oposicionista francesa Le Pen moderaram as políticas mais extremas de seus respectivos partidos nos últimos anos, em uma tentativa de torná-los mais palatáveis a um número maior de eleitores.
Mas Hoez sustenta que os dois partidos não estão ideologicamente muito longe um do outro, e que muito da “moderação” teria sido na verdade truque retórico. “Meloni ainda está ligeiramente mais próxima do centro do que Le Pen, então poderia-se argumentar que ela se moderou mais, mas ambas representam a ultradireita”, afirma.
“Os Irmãos da Itália hoje se encaixam na categoria de populistas radicais de direita, baseado na ideologia que têm e graças a um processo de moderação conduzido por Giorgia Meloni”, analisa Vegh, do German Marshall Fund. “As raízes iniciais do partido, contudo, conectaram-o ao movimento neofascista.”
O Irmãos da Itália tem suas origens no Movimento Social Italiano (MSI), fundado por funcionários leais ao ditador fascista Benito Mussolini. Meloni integrou a juventude do MSI e o partido que o sucedeu, o Aliança Nacional, antes de criar o Irmãos da Itália em 2012.
Desde que se tornou primeira-ministra da Itália, em 2022, Meloni suavizou seu euroceticismo e se alinhou à Ucrânia em detrimento da Rússia – uma mudança que agradou aos líderes da UE. Em 2018, antes de ascender ao poder na Itália, ela havia saudado a reeleição de Vladimir Putin como expressão da vontade popular da Rússia. Nos últimos anos, porém, ela tem sido vista como uma grande crítica da invasão da Ucrânia.
A oposição de Meloni a Putin fez com que ela se alinhasse às políticas de defesa da UE. Mas a premiê italiana ainda é vista como problemática quando o assunto são valores europeus e como defendê-los.
Um exemplo é a liberdade de imprensa: em seu último relatório sobre o Estado de Direito, a Comissão Europeia repreendeu o governo de Meloni. Jornalistas da Rai, a emissora pública italiana, fizeram greve em maio acusando o governo de atacar a liberdade de expressão.
A UE instou o governo de Meloni a “considerar padrões europeus para proteção de jornalistas” e garantir que “haja regras ou mecanismos para financiar os órgãos públicos de mídia”, assegurando sua independência.

Ultradireita está de olho nas políticas verdes da UE
Um dos nomes mais proeminentes do bloco de centro-esquerda Socialistas e Democratas (S&D), Katarina Barley defendeu no início de julho o isolamento do PfE no Parlamento Europeu, como forma de evitar a “sabotagem de políticas construtivas” na UE.
O mesmo foi defendido por Terry Reintke, co-presidente da bancada dos Verdes/EFA no Parlamento Europeu. “Esse movimento aventureiro e extremista de direita não deve receber nenhum cargo em comitê, porque o único objetivo deles é bloquear a Europa, polarizar as sociedades e abolir o Acordo Verde Europeu, a democracia, o Estado de Direito a liberdade de imprensa”, declarou Reintke à imprensa alemã.
O Acordo Verde Europeu também deve estar entre as prioridades do ECR e do Irmãos da Itália para os próximos cinco anos de legislatura: “Queremos renegociar os pontos mais importantes do Acordo Verde, a começar pelo banimento de motores a combustíveis tradicionais e a diesel até 2035”, afirma Fidanza.
O ECR conseguiu emplacar Pietro Fiocchi, parlamentar do Irmãos da Itália, para a segunda vice-presidência do Comitê de Meio Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar. Com isso, espera-se que o grupo tente desidratar a atual legislação ambiental aprovada pela UE.
Segundo um relatório recente do German Marshall Fund, os reflexos ideológicos de grupos políticos tradicionais devem continuar a influenciar a política da UE, mas há “um processo gradual de normalização de partes da ultradireita em andamento”.
Comente aqui