As sanções costumavam ser aplicadas como uma forma de repreensão a líderes estrangeiros, mas, nas últimas décadas, tornaram-se uma arma central da política externa da Casa Branca. E o uso excessivo das sanções pode ter começado a minar a hegemonia mundial estadunidense.
Por: Grace Blakeley | Tradução: Pedro Silva | Crédito Foto: Al Drago / Bloomberg via Getty Images. Uma bandeira estadunidense tremula sobre o prédio do Tesouro dos EUA em Washington, DC, na quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021.
Resenha do livro Chokepoints: How the Global Economy Became a Weapon of War [Pontos de estrangulamento: como a economia global se tornou uma arma de guerra], de Edward Fishman (Elliott & Thompson, 2025)
Hoje, estamos acostumados ao uso de sanções econômicas como ferramentas centrais da política externa. Muitas pessoas podem se surpreender ao descobrir, no entanto, que isso é, na verdade, um desdobramento bastante recente. As sanções costumavam ser semelhantes a um tapa na mão — eram usadas para atingir líderes estrangeiros e seus círculos mais próximos, dificultando a atracação de seus iates no Mediterrâneo ou a compra de mansões em Londres. Agora, é claro, as sanções estão entre as armas mais poderosas dos Estados para travar uma guerra econômica.
Em um novo livro, Chokepoints: How the Global Economy Became a Weapon of War, Edward Fishman descreve como as sanções foram transformadas nas últimas décadas. Fishman trabalhou no Departamento de Estado, no Departamento de Defesa e no Tesouro, onde passou vários anos na equipe de Terrorismo e Inteligência Financeira, elaborando sanções contra Estados como o Irã. Chokepoints é, portanto, um relato privilegiado de como os Estados Unidos desenvolveram um arsenal de sanções poderosas com base em seu controle sobre o sistema financeiro mundial — e como o uso excessivo dessas ferramentas acabou minando sua eficácia, comprometendo, em última análise, a própria hegemonia estadunidense.
Mirando a Coreia do Norte e o Irã
Segundo Fishman, tudo começou com a Coreia do Norte, um Estado pária que queria armas nucleares. Burocratas do Tesouro perceberam que poderiam mirar os bancos que conectavam a Coreia do Norte ao sistema financeiro internacional. Todos os bancos precisam de dólares, já que são a moeda de reserva mundial, e os Estados Unidos controlam o acesso a eles. Se o Tesouro decidir que um banco não pode mais acessar dólares, ele estará efetivamente perdido.
Assim, quando os Estados Unidos começaram a visar bancos ligados à Coreia do Norte, ninguém quis fazer negócios com ela. A Coreia era bastante fácil de isolar, pois era uma economia relativamente pequena — o mesmo não acontecia com o Irã. As sanções estadunidenses contra o Irã na década de 1990 foram, portanto, relativamente ineficazes. Os Estados Unidos impediram suas próprias empresas (principalmente petrolíferas) de ter relações com o país, mas concorrentes estrangeiros intervieram e assumiram os negócios. Os Estados Unidos então tentaram impor “sanções secundárias” contra essas empresas, mas a medida causou protestos na Europa e teve que ser abandonada.
Tendo aprendido com a Coreia do Norte, na década de 2000, o Tesouro decidiu mirar as ligações do Irã com o sistema financeiro internacional, numa tentativa de minar seu programa nuclear. Em vez de sancionar bancos que faziam negócios diretamente com o Irã, autoridades estadunidenses se reuniram com os chefes dos principais bancos do mundo e os alertaram de que fazer negócios com o Irã era perigoso e poderia comprometer seu acesso aos mercados financeiros dos EUA. Os bancos obedeceram. Os Estados Unidos também conseguiram convencer as principais empresas petrolíferas a saírem do Irã, usando uma combinação de incentivo e punição.
A única resistência foi da China, que começou a comprar mais petróleo do Irã. Em uma situação que se tornou bastante comum, a economia iraniana, sob sanções, tornou-se quase inteiramente dependente das exportações de petróleo. Dado que a economia mundial é viciada em petróleo, enquanto os preços do petróleo permanecessem altos, o Irã sempre teria acesso à moeda estrangeira necessária para continuar seu programa nuclear.
Os Estados Unidos consideraram sancionar o banco central iraniano, cortando seu acesso a dólares, o que tornaria impossível para outros países comprarem petróleo iraniano. Mas isso foi considerado um ato de guerra total. Havia também grandes preocupações de que o corte repentino do petróleo iraniano na economia mundial pudesse causar uma disparada nos preços, gerando inflação e prejudicando o crescimento econômico.
Então, autoridades estadunidenses inventaram uma solução: imporiam sanções ao banco central, mas dariam aos clientes iranianos tempo para se livrarem do petróleo do país. Acontece que, na época em que as sanções ao Irã foram impostas, a produção de fracking dos EUA havia se expandido drasticamente, e os Estados Unidos conseguiram repor grande parte do suprimento de petróleo perdido com o bloqueio das exportações de petróleo iraniano.
O golpe final veio quando os Estados Unidos conseguiram convencer a China e a Índia a embarcarem. Os Estados Unidos propuseram um acordo pelo qual os petrodólares iranianos seriam mantidos em bancos nos países importadores — assim, quando a China comprasse petróleo do Irã, os dólares usados para comprar o petróleo seriam mantidos em um banco chinês e só poderiam ser usados para comprar importações de produtos chineses aprovados. O acordo funcionou para países como a China porque impulsionaria as exportações, e funcionou para os Estados Unidos porque impedia o Irã de usar o dinheiro para expandir seu programa nuclear.
Sem acesso a dólares, a economia iraniana afundou. Houve protestos em massa, um novo líder foi eleito e o acesso a esses petrodólares offshore tornou-se parte central da nova rodada de negociações entre os Estados Unidos e o Irã. Essas negociações terminaram em vitória para os Estados Unidos quando o Irã concordou em reverter seu programa nuclear.
Os Estados Unidos mostraram que seu controle sobre o dólar era como controlar o Canal de Suez: permitia que a maior potência imperial do mundo cortasse a capacidade de outros países de negociarem entre si, criando um “ponto de estrangulamento” que lhe dava imensa vantagem.
Sancionando a Rússia
Em seguida, veio a Rússia, que anexou a Crimeia em 2014. Os Estados Unidos não podiam usar todo o seu arsenal econômico porque a Rússia estava simplesmente muito ligada à economia global. Se os bancos russos quebrassem, eles levariam consigo muitos bancos europeus, potencialmente desencadeando outra crise financeira global. E a Europa era dependente demais do gás natural russo para abandonar o país abruptamente. Além disso, muitas empresas petrolíferas estadunidenses, incluindo a politicamente poderosa ExxonMobil, estavam trabalhando com a Rússia. Rex Tillerson, ex-CEO da Exxon e nomeado secretário de Estado por Donald Trump em 2017, havia fechado um acordo massivo para desenvolver campos petrolíferos russos e era aliado pessoal de Vladimir Putin.
No fim, esses vínculos acabaram se revelando a fraqueza de Putin. Os combustíveis fósseis são a base de sua máquina de guerra — aliás, hoje, são a base de toda a economia russa. As petrolíferas russas precisam de acesso a capital internacional para desenvolver novos projetos e perfurar petróleo em locais de difícil acesso, o que significa acordos com bancos ocidentais e empresas ocidentais de combustíveis fósseis tecnologicamente avançadas. Outros setores da economia russa também vinham tomando empréstimos em dólares, e o sistema financeiro dependia da captação de recursos de investidores internacionais.
Em vez de cortar o acesso da economia russa a dólares, o que poderia criar uma crise financeira, os Estados Unidos criaram sanções que impediriam as instituições russas de acessar novos dólares, limitando sua capacidade de crescimento e, consequentemente, o crescimento da economia russa. Como afirma Fishman, “os EUA usariam a dependência da Rússia dos mercados de capitais estadunidenses como um gargalo”. A União Europeia hesitou inicialmente, mas quando a Rússia abateu um avião de passageiros, a UE aderiu com seu próprio conjunto de sanções, espelhando as impostas pelos Estados Unidos.
Essas sanções surtiram o efeito desejado. A inflação disparou, o rublo despencou e a economia russa entrou em colapso, impulsionada pela queda simultânea dos preços do petróleo. O banco central interveio para tentar conter os danos, principalmente elevando as taxas de juros a níveis extremamente altos. Os Estados Unidos venceram mais uma vez — mas a que custo?
Arrogância imperial
Orelato de Fishman é fascinante, pois ele está claramente de acordo com os objetivos da política externa dos EUA, mas também está ciente de que os métodos usados para promover esses objetivos têm sido contraproducentes. O uso exaustivo de sanções nos últimos anos resultou em uma instrumentalização do papel dos Estados Unidos no centro do sistema financeiro mundial.
Após o sucesso no uso de sanções contra a Coreia do Norte, o Irã e a Rússia, os líderes estadunidenses foram tomados pela arrogância. Acreditavam que detinham um poder imenso e incontestável, e a única coisa que precisavam considerar ao exercer esse poder era o potencial impacto econômico que as sanções poderiam ter sobre a economia estadunidense e as economias de seus aliados. Isso ficou muito claro quando os Estados Unidos tomaram a medida inédita de congelar os fundos do banco central afegão quando o Talibã retornou ao poder em 2021.
Mas, à medida que os Estados Unidos avançavam cada vez mais, seus inimigos — e Estados neutros, cautelosos frente à influência imperial dos EUA — encontraram maneiras de se adaptar. Essa estratégia ficou particularmente clara com a Rússia, que aproveitou o período entre 2014 e a nova invasão da Ucrânia para isolar sua economia das sanções estadunidenses, acumular reservas cambiais e — talvez o mais importante — desenvolver laços comerciais com Estados como a China fora da órbita dos Estados Unidos. O comércio entre os dois países cresceu tanto que o dólar não é mais usado como intermediário — a China agora compra grande parte do petróleo russo usando renminbi.
Na década de 1990, o secretário do Tesouro de Bill Clinton se preocupava com o uso excessivo de sanções como ferramenta da política externa dos EUA. Fishman o cita dizendo que tal estratégia poderia “minar o papel do dólar como moeda de reserva”. É exatamente isso que está acontecendo. As reservas de dólares dos bancos centrais caíram nas últimas décadas — a guerra comercial de Trump apenas exacerbou um antigo movimento de afastamento do dólar.
Sanções e desglobalização
Em suma, as políticas de sanções dos EUA aceleraram uma tendência de longo prazo de “desglobalização”. Como afirma Fishman, “governos em todo o mundo tentam desfazer aspectos da globalização que os deixam suscetíveis à pressão externa”. Os Estados Unidos exageraram, incentivando aliados e rivais a buscar maneiras de se isolar de seu poder.
Fishman prossegue com uma série de recomendações sobre como os Estados Unidos podem exercer seu poder de sanções de forma mais eficaz. Mas esse navio já zarpou. A nova rodada de guerra econômica de Trump — que visa minar o desafio da China à supremacia tecnológica dos EUA — colocou um prego no caixão da globalização liderada pelos Estados Unidos. Independentemente do que aconteça a seguir, os parceiros comerciais dos EUA serão extremamente cautelosos em se exporem ao poder estadunidense sobre os pontos de estrangulamento do mundo no futuro.
Chokepoints também deixa claro que um país com acesso a receitas substanciais de combustíveis fósseis está isolado da maioria das formas de pressão doméstica e internacional. A maioria dos piores tiranos do mundo depende das receitas de combustíveis fósseis para sustentar seus regimes frágeis. Sem muita necessidade de cobrar impostos de renda, eles são muito menos passíveis de responsabilização perante suas populações nacionais. E, graças ao vício mundial em petróleo, eles sabem que sempre poderão acessar moeda estrangeira que pode ser usada para acessar equipamentos militares avançados — seja para travar guerras contra nações estrangeiras ou contra suas próprias populações.
Líderes ocidentais devem tomar nota: afastem-se dos combustíveis fósseis, ou países como Rússia e Arábia Saudita sempre poderão mantê-los reféns. Tony Blair pode não ser fã da “agenda de zero emissões líquidas” defendida por mimizentos de esquerda, mas o vício de seu país em combustíveis fósseis o torna fraco e impotente diante de nações estrangeiras hostis. Ironicamente, os impulsos da esquerda pela descarbonização estão entre as poucas coisas que podem realmente fortalecer a posição dos governos ocidentais.
Publicado originalmente em: https://jacobin.com.br/2025/05/as-consequencias-dos-eua-abusarem-das-sancoes-como-arma-global/