Por: Thais Carrança | Crédito Foto: EPA-EFE/REX/Shutterstock. Juros altos, inflação, freio no crédito e cenário externo incerto sob Trump criam quadro mais difícil para a economia brasileira este ano, dizem analistas
A economia brasileira cresceu 0,2% no quarto trimestre de 2024, em relação ao trimestre anterior, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (7/3).
O avanço ficou abaixo do esperado pelos analistas (0,4%), e representa uma desaceleração em relação à alta de 0,7% registrada no terceiro trimestre de 2024 (o dado foi revisado, ante 0,9% divulgado antes pelo IBGE).
Com o resultado do quarto trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB), soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país, cresceu 3,4% no ano de 2024 como um todo, acima da alta de 3,2% registrada em 2023 e melhor resultado para a economia desde 2021 — quando o PIB cresceu 4,8%, após tombo em 2020 devido à pandemia.
No ano passado, o crescimento da economia foi puxado pelos investimentos (com alta de 7,3% no ano) e pelo consumo das famílias (4,8%), com o consumo do governo em alta de 1,9%.
O setor externo teve contribuição negativa, com as importações (em alta de 14,7%) superando o avanço das exportações (2,9%) ao longo do ano, o que também é um sinal da demanda interna aquecida.
Pelo lado da oferta, o destaque em 2024 foram os serviços (3,7%), com a indústria em alta de 3,3% e a agropecuária em queda de 3,2%, refletindo a safra menor e os problemas climáticos que afetaram diversas culturas.
Mas os economistas alertam: o forte desempenho do PIB em 2024 não deve se repetir este ano, em meio aos juros altos, perda de poder de compra das famílias devido à inflação, desaceleração do crédito e ao cenário externo mais incerto, após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos.
Nesta quinta-feira (6/3), o governo anunciou um conjunto de medidas para diminuir o preço dos alimentos, incluindo a eliminação de impostos de importação sobre dez produtos e maior foco no financiamento do Plano Safra.
A preocupação com as contas públicas do governo federal também pesa este ano, após o anúncio de novos estímulos fiscais por Lula e da nomeação de Gleisi Hoffmann como ministra das Relações Institucionais, o que é percebido por economistas como um fator de enfraquecimento para a agenda de controle do déficit público perseguida pelo ministro da Economia, Fernando Haddad.
Crítica às medidas fiscais de Haddad, Gleisi chegou a ter embates públicos com o ministro enquanto ocupava o cargo de presidente do PT. Mas, depois de sua indicação ao ministério, disse não ter sido nomeada para tratar de economia.
“É um mundo com mais incerteza, porque Trump traz instabilidade”, diz Silvia Mattos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
“E o governo aqui, em vez de colaborar, de trazer tranquilidade aos investidores de que vamos acertar nossos caminhos, também age de forma muito confusa. Então, realmente, 2025 promete ser um ano muito mais complicado.”
2024: um ano de consumo e investimento
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, observa que o PIB cresceu em 2024, puxado pelo investimento e consumo, em grande medida devido ao efeito da expansão do gasto público em 2023 e no início de 2024.
Entre esses estímulos, pesaram para o bom desempenho: o pagamento de R$ 90 bilhões em precatórios (dívidas da União já reconhecidas pela Justiça, sem possibilidade de novos recursos) após uma decisão do Supremo Tribunal Federal; o aumento do salário mínimo acima da inflação em 2024; a antecipação do 13° dos aposentados; além do Bolsa Família “turbinado”, de no mínimo R$ 600.
Tudo isso, em meio a um mercado de trabalho forte, com a taxa de desemprego nas mínimas históricas ao longo de boa parte do ano e do crescimento da renda.

“Vemos isso [o efeito dos estímulos], particularmente, por conta de um crescimento mais forte em regiões que têm uma dependência mais forte do Estado, como o Nordeste, enquanto o Centro-Oeste desacelerou, com um efeito mais fraco do agronegócio, devido à quebra de produção”, diz Vale.
Já o investimento foi turbinado pela melhora do crédito e pela retomada na produção de caminhões, observa Mattos, da FGV. Isso após uma forte queda registrada em 2023, em meio à migração do setor para um padrão de motor menos poluente (o Euro 6), mas mais caro.
Os economistas avaliam, porém, que esses efeitos não devem se repetir em 2025, e projetam um crescimento do PIB na faixa entre 1,5% e 2% este ano.
“Não vai ser melhor do que isso, porque justamente o consumo e o investimento tendem a ser afetados tanto pela alta dos juros, como pela desaceleração do crescimento do gasto”, diz Vale.
“O governo fez um impulso fiscal muito forte em 2023 e 2024, e não tem mais espaço para isso.”
2025: um ano de ‘cabo de guerra’
A coordenadora do Boletim Macro do Ibre-FGV observa que os primeiros sinais de desaceleração já estão visíveis no resultado mais fraco do PIB no quarto trimestre de 2024.
“Tem algum efeito da subida de juros já, a perda de efeito dos estímulos fiscais ao longo do ano, o crédito que cresceu muito e agora dá sinais de acomodação, a inflação corroendo o poder de compra, e, no final do ano, a eleição de Trump, trazendo muita volatilidade”, enumera Mattos.
“Então aquela melhora que ocorreu ao longo de 2024 foi perdendo força. Quem estava para tomar decisões de investimento, toma mais cautela. E você começa a ver esses sinais de desaceleração”, observa a economista.
O grande fator de incerteza para 2025, avalia Mattos, é o efeito que a nova rodada de estímulos fiscais do governo terá sobre a economia.

Diante da perspectiva de desaceleração da atividade e da perda de popularidade de Lula às vésperas das eleições de 2026, o governo federal tem anunciado nas últimas semanas uma série de medidas, que vêm sendo chamadas de “pacote de bondades”.
Entre elas estão o Programa Pé-de-Meia, a ampliação da lista de medicamentos gratuitos no Farmácia Popular, uma nova modalidade de crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada e a liberação para saque do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para trabalhadores que optaram pelo saque-aniversário.
“O governo está fazendo um esforço para estimular a economia e a gente não sabe quanto ele vai conseguir”, diz a analista.
“Mas o que podemos dizer nesse momento é que essa política de tentar compensar [a perda de ritmo da atividade] é um um tiro no pé, porque ela alimenta mais a inflação.”
Assim, o ano deve ser de “cabo de guerra” entre o Banco Central tentando controlar a inflação através de alta dos juros — que encarece o crédito, deixando mais caro para as famílias emprestar para consumir e para as empresas investirem, o que “esfria” a economia — e o governo tentando estimular a atividade econômica através de medidas que envolvem mais gasto público.
“O problema todo é que, quando o governo faz essa queda de braço, enquanto o Banco Central está jogando água no incêndio, o governo está botando mais gasolina”, diz Mattos.
“Com isso, o Banco Central pode até ter que subir mais os juros, porque a inflação pode ficar mais resistente ainda, e as expectativas para o futuro e as curvas de juros ficam mais pressionadas.”
A Selic, taxa básica de juros da economia, está atualmente em 13,25% ao ano, mas os economistas já esperam que ela encerre 2025 em 15%, segundo o boletim Focus do Banco Central, publicação que recolhe expectativas dos agentes de mercado.

E a guerra comercial de Trump, com perspectiva de novas tarifas sobre importação que podem afetar o Brasil a partir de abril, adicionam incerteza nesse cenário.
“O efeito mais negativo é para a própria economia americana”, avalia Vale.
“No nosso caso, os produtos que vão ser afetados, que naturalmente não têm alternativa de exportação, especialmente na indústria [como o aço e o alumínio], colocam um sentido de piora adicional [da atividade], num momento de desaceleração da economia”, observa o economista.
Segundo Vale, o conjunto de medidas tomadas por Trump é tão “disruptivo”, que é possível que os Estados Unidos caminhem para um quadro de recessão, o que afetaria o mundo todo.
“Isso significaria câmbio mais depreciado aqui, por conta da percepção de risco, mais juros, por conta do cenário de inflação que ainda permanece”, diz Vale.
“É um cenário que traz riscos adicionais para 2025 e coloca uma certa clareza de que o PIB esse ano, de fato, vai crescer menos.”
2026: ano de eleição, com governo pressionado
Assim, o governo caminha para chegar a 2026 pressionado pela queda de aprovação de Lula e por uma economia perdendo força, com inflação ainda alta.
“O governo Lula 3 tem uma particularidade: ele quebrou a lógica do ciclo econômico, porque ele inicia o mandato com expansão de gastos”, observa Rafael Cortez, sócio e cientista político na Tendências Consultoria.
Ele lembra que o mais comum é um aperto de gastos no início de mandatos, com mais despesas próximas ao período eleitoral.
Segundo Cortez, essa quebra do ciclo explica a “sinuca” em que o governo se encontra atualmente, dividido entre a necessidade de mostrar controle das contas públicas em meio ao aumento da percepção de risco, e a pressão por mais gastos, frente à perda de popularidade de Lula.

“Obviamente, mesmo com todas essas dificuldades, isso não significa que o governo já perdeu a eleição. Porque o quadro político também é complicado do lado da oposição”, diz o analista.
“Então os dilemas dentro da direita, envolvendo o ex-presidente Bolsonaro, são, de alguma maneira, um antídoto para minimizar esse quadro econômico que pode não ser favorável ao governo, seja pela inflação mais alta, seja, eventualmente, por uma desaceleração da economia.”
Ainda assim, avalia Cortez, o governo parece ter ligado o modo “alarme de incêndio” diante das últimas pesquisas de popularidade, e pode tomar decisões prejudiciais.
“Me parece ser um governo que já começou a fazer campanha, e não trazer um diagnóstico de como resolver a equação, seja na economia, seja na política”, diz o cientista político.
“De modo mais direto: parece que o governo realmente acreditou que é simplesmente um problema de comunicação. E, com essa estratégia, ele corre o risco de, lá na frente [em 2026], ter uma economia crescendo menos, no momento em que o eleitor vai fazer sua escolha.”
Publicado originalmente em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c62567dk1zpo
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