Elon Musk, o homem mais rico do mundo, acabou de usar sua influência política para barrar um acordo bipartidário de aprovação do orçamento federal pelo Congresso. É obsceno — mas é apenas mais um exemplo de como os bilionários dominaram a “maior democracia do mundo”.
Por: Ben Burgis | Tradução: Pedro Silva | Crédito Foto: Anna Moneymaker / Getty Images. Elon Musk em Washington, DC, em 5 de dezembro de 2024
Durante o primeiro debate republicano em 2015, Donald Trump se colocou como um ousado contador de verdades, quase um denunciador, sobre a influência corrupta que ele exerceu sobre os políticos enquanto foi um doador rico. Os moderadores perguntaram por que havia dado dinheiro aos democratas no passado, e ele respondeu:
Eu dou a todos. Quando eles ligam, eu dou. E sabe de uma coisa? Quando preciso de algo deles, dois anos depois, três anos depois, eu ligo. Eles estão lá por mim. É um sistema falido.
Como Andrew Prokop observou secamente na época, foi um discurso incomum. “Os reformadores geralmente se apresentam como inocentes.” Trump, em vez disso, quase soou como se estivesse se gabando. Ele se apresentou como alguém que havia jogado, ele mesmo, o jogo do sistema, o conhecia de cabo a rabo e, portanto, podia ter clareza sobre o que precisava ser consertado.
Nove anos depois, Trump inicia seu segundo mandato como presidente. E um de seus associados mais próximos (e de longe o mais importante doador de sua campanha), o bilionário Elon Musk, acaba de usar sua riqueza para influenciar o processo político de uma forma muito mais flagrante do que qualquer coisa que Trump falou no púlpito daquele debate em 2015.
Musk comprou a plataforma de mídia social então conhecida como Twitter (agora X) por US$ 44 bilhões em 2022. Há todos os motivos para suspeitar que tenha manipulado o algoritmo do site para impulsionar suas próprias postagens. Seja como for, ele é o usuário mais popular do Twitter/X, com 207,9 milhões de seguidores. Até mesmo o presidente eleito tem apenas 96,2 milhões. Começando nas primeiras horas da manhã de quarta-feira, ele usou aquele megafone para postar 150 vezes sobre sua oposição a um acordo bipartidário sobre o orçamento federal destinado a impedir que o governo fechasse pouco antes do Natal.
Durante a eleição, Musk gastou bem mais de US$ 200 milhões em duas doações pró-Trump, tornando-o de longe o doador com maior gasto em relação a ambos os lados da corrida. Ele foi recompensado com um lugar tão proeminente ao lado de Trump que um observador casual poderia ser perdoado por presumir que Musk, em vez de JD Vance, era o companheiro de chapa de Trump. A combinação da proximidade com o presidente que ele comprou e sua proeminência na plataforma de mídia social que havia adquirido seria o suficiente, por si só, para a barulhenta oposição de Musk ao acordo de gastos virar a cabeça de muitos legisladores republicanos. Não contente com esse nível de influência, no entanto, Musk usou seu dia de fúria nas redes para ameaçar publicamente qualquer congressista republicano que votasse no acordo com o financiamento de qualquer um que aparecesse como opositor nas primárias.
Quando o dinheiro fala
Essa não é uma ameaça que qualquer republicano com instinto de preservação política encararia de forma leviana. Musk é o homem mais rico do mundo, com um patrimônio líquido relatado de US$ 455 bilhões. Para colocar isso em perspectiva, é mais de sessenta e nove vezes o patrimônio estimado do próprio Trump de US$ 6,61 bilhões. Musk poderia financiar muitos opositores antes de sentir sua carteira ficando mais leve.
A combinação dessa ameaça e o desejo de ser visto como alguém que está do lado de uma figura que comprou prestígio com a base de Trump foram suficientes para acabar com um acordo de gastos que o presidente da Câmara, o republicano Mike Johnson, passou meses negociando com os democratas. Agora não está claro se uma paralisação pode ser evitada. Não se surpreenda se muitos funcionários federais acabarem tendo que passar um mês trabalhando sem remuneração, como fizeram em 2018, ou se os benefícios do Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP) — ou seja, o vale-refeição — pararem. Mesmo que esse resultado seja evitado, no entanto, essa foi uma maneira notavelmente flagrante de um bilionário flexionar seus músculos políticos, e isso deve incomodar profundamente qualquer um que leve a democracia a sério.
Em primeiro lugar, permitir que bilionários existam é um absurdo. Um milhão e um bilhão são quantias de dinheiro que excedem em muito o que a maioria de nós pode esperar ter em nossas contas bancárias, então é fácil não perceber o tamanho da diferença. Mas para colocar isso em perspectiva, se imaginarmos um ser de vida longa (talvez um vampiro) que veio para o hemisfério ocidental com Cristóvão Colombo em 1492 e de alguma forma conseguiu ganhar e economizar o equivalente a mil dólares americanos contemporâneos todos os dias desde que chegou, o vampiro teria US$ 1 milhão em algum momento de 1495. Ele não estaria em nem um quinto do caminho para US$ 1 bilhão em 2024.
É difícil, mesmo forçando a mente, sequer imaginar quanto dinheiro é US$ 45,5 bilhões. Como uma questão de justiça distributiva, deixar um homem ter tanto enquanto outros lutam para pagar o aluguel ou comprar mantimentos é uma abominação. Mas quando combinamos esse tipo de riqueza com a permissão para que bilionários comprem influência política, as consequências são sombrias para qualquer coisa que se assemelhe a uma democracia significativa.
Uma plutocracia bipartidária
Oproblema, no entanto, vai muito mais além do que o próprio Musk. A natureza ultrapública de sua intervenção no processo político tornou a realidade do governo dos bilionários gritantemente óbvia, mas a maioria das formas pelas quais os bilionários gastam parte de sua riqueza para garantir resultados políticos são mais parecidas com o processo que Trump descreveu em 2015 — pelo qual ele estabeleceria relacionamentos com políticos de ambos os partidos, e ambos os lados desse relacionamento fariam favores um ao outro. Ou como a maneira pelo qual Jeff Bezos pode influenciar o discurso político por meio de sua propriedade do Washington Post. Ou a maneira como qualquer pessoa rica o suficiente para possuir negócios que empregam muitas pessoas e geram muita receita tributária pode fazer os políticos suarem muito ao ameaçar levar suas operações para uma jurisdição diferente ou para o exterior.
Neste momento, enquanto Musk esfrega o poder político conferido por sua riqueza na cara de todos nós, muitos democratas podem ficar tentados a fazer disso um adubo populista. Esse é um bom instinto ideal: os argumentos se criam sozinhos. Mas a credibilidade dos próprios democratas no tema da influência dos bilionários está no lixo. No final de outubro, a Forbes estimou que oitenta e três bilionários estavam apoiando a candidatura de Kamala Harris, em comparação com apenas cinquenta e dois para Trump. Claro, dado que um desses cinquenta e dois era o homem com mais bilhões no mundo, e que ele doava mais generosamente do que qualquer um dos oitenta e três de Kamala, Trump ainda estava em melhor posição. Mas há um limite imposto ao seu populismo enquanto desconta cheques de oitenta e três bilionários.
Claro, muitos plutocratas preferem proteger suas apostas e espalhar sua influência por toda parte. Eles diriam o que Trump disse em 2015. “Eu dou a todos. Quando eles ligam, eu dou!” Enquanto os políticos de ambos os partidos continuarem fazendo ligações para os ultra-ricos, o governo dos bilionários nos Estados Unidos continuará.
Publicado originalmente em: https://jacobin.com.br/2025/01/esta-sendo-inaugurado-uma-nova-era-de-governo-dos-bilionarios/
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