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O que EUA, Rússia e Europa estão preparando para nova negociação sobre Ucrânia

Crédito Foto: BBC Brasil

O presidente dos EUA, Donald Trump, vestido com uma gravata amarela e um casaco azul-marinho, levanta o punho enquanto caminha para embarcar no Marine One
Reuters. Trump protagonizou debate tenso no Salão Oval da Casa Branca com Zelensky

Nesta semana, a Arábia Saudita se torna palco de uma nova rodada de negociações entre Estados Unidos e Ucrânia por um cessar-fogo do país europeu com a Rússia.

Os planos foram confirmados pelo presidente ucraniano Volodimir Zelenski e pelo enviado especial do governo americano para o Oriente Médio, Steve Witkoff.

Em fevereiro, Riad, capital da Arábia Saudita, sediou um encontro entre autoridades dos Estados Unidos e da Rússia para discutir maneiras de conter o conflito.

A Ucrânia não foi incluída nessas negociações, o que gerou preocupação em Kiev e entre seus aliados europeus.

O encontro da próxima semana acontece depois de um embate entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky, quando divergiram publicamente sobre os esforços de paz.

No dia 28 de fevereiro, eles protagonizaram um tenso debate no Salão Oval da Casa Branca diante da imprensa, com a presença do vice-presidente americano JD Vance.

Zelensky viajou aos Estados Unidos para assinar um acordo pelo qual cederia a Washington a exploração dos recursos minerais de seu país em troca de algum tipo de apoio ou garantias de segurança contra a Rússia no conflito que começou em fevereiro de 2022.

O presidente dos Estados Unidos acusou o colega ucraniano de estar “jogando com a Terceira Guerra Mundial” e o encontro terminou sem que o acordo dos minerais fosse firmado. Dias depois, a Casa Branca congelou a ajuda militar ao país, desatando uma série de movimentações na Europa.

Na quinta, Zelensky disse que o embate tinha sido “lamentável” e que estava pronto para trabalhar sob a “forte liderança” de Trump – e a semana terminou com intensos ataques de Moscou ao território ucraniano.

Após essa sucessão de acontecimentos tensos, o que os protagonistas destas negociações pensam antes da nova rodada de conversas entre EUA e Ucrânia na Arábia Saudita?

Veja abaixo a análise de correspondentes da BBC.

EUA: críticas raras a Moscou

Tom Bateman, correspondente em Washington DC

Após o ataque humilhante de Donald Trump e JD Vance a Zelensky, o presidente dos EUA suspendeu na segunda-feira (4/3) a assistência militar e de inteligência à Ucrânia.

Com o tempo, essa decisão terá um impacto fundamental na capacidade da Ucrânia de se defender – e os opositores democratas de Trump dizem que agora não há mais dúvidas de que ele está alinhado com a Rússia.

O governo tem sido claro ao afirmar que vê essa medida como uma forma de pressionar Zelensky a assinar o acordo de minerais do presidente e aceitar um cessar-fogo rápido.

O enviado de Trump, general Keith Kellogg, descreveu a retirada do apoio militar dos EUA como “o equivalente a acertar uma mula no rosto com uma tábua de madeira… Você chama a atenção deles e isso é muito significativo… e então cabe a eles fazerem o que o presidente quer”.

Depois de toda essa pressão, a semana termina com um tom mais conciliador de alguns dos principais membros da equipe de política externa de Trump, que se reunirão com os ucranianos na próxima semana na Arábia Saudita.

Na sexta-feira (7/3), houve um raro momento de crítica a Moscou por parte de Trump, que ameaçou novas sanções – embora a Rússia já esteja fortemente sancionada – numa tentativa de conter o bombardeio intensificado contra a Ucrânia.

Mas, além disso, este é um governo que repetidamente repreendeu seu suposto aliado, mas evitou qualquer crítica semelhante a seu adversário.

Na quinta-feira (6/3), perguntei à porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Tammy Bruce, qual era sua reação ao chanceler russo, Sergei Lavrov, ter descartado a presença de forças de paz europeias na Ucrânia. Lavrov chamou essa ideia de um “objetivo hostil” do Ocidente, sobre o qual “não há espaço para compromisso”.

Bruce se recusou a responder, dizendo que não cabia a ela comentar declarações de líderes ou ministros estrangeiros – embora, momentos antes, tivesse repetido a caracterização de Trump sobre Zelensky como “não pronto para a paz”.

Rússia: líderes celebram racha no Ocidente

Vitaliy Shevchenko, editor da BBC Monitoring sobre Rússia

O presidente russo Vladimir Putin, cuja cabeça e ombros são retratados, veste um terno azul-marinho enquanto preside uma reunião com membros do Conselho de Segurança via link de vídeo no Kremlin em Moscou. Uma bandeira russa é visível atrás dele.
Reuters. Suspensão da ajuda militar e de inteligência dos EUA para Ucrânia foi grande vantagem para Putin

Até a ameaça de sanções de Trump, esta foi mais uma semana em que toda a pressão parecia estar sobre Kiev, dando à Rússia poucos motivos para conter seu ímpeto.

A suspensão da ajuda militar e de inteligência dos EUA é um dos piores reveses para a Ucrânia desde o início da invasão em grande escala – e uma grande vantagem para as chances da Rússia.

Os ataques mortais em toda a Ucrânia que se seguiram sugerem que Moscou está satisfeita em continuar a guerra.

O Kremlin ainda insiste que os objetivos originais da “operação militar especial” devem ser alcançados e que mais território ucraniano deve ser capturado.

Também rejeitou os esforços dos apoiadores da Ucrânia para aliviar essa pressão sobre Kyiv, seja por meio de uma trégua ou do envio de forças de paz.

As declarações do presidente francês Emmanuel Macron nesta semana – de que a América de Trump pode não estar mais “do nosso lado” – soam como música para os ouvidos do presidente russo Vladimir Putin.

É uma situação em que Putin pode simplesmente sentar e apreciar o espetáculo das fissuras aparecendo na aliança ocidental – um cenário que ele tem trabalhado para alcançar há anos, se não décadas.

E ele conseguiu isso não por meio de disparos no campo de batalha, mas graças a uma impressionante reviravolta de posição do maior aliado da Ucrânia.

Na próxima terça-feira (11/3), representantes ucranianos e americanos se sentarão para negociações na Arábia Saudita. A Rússia estará observando de perto – e se sentindo confiante.

Ucrânia: Zelensky se prepara para novas negociações

Myroslava Petsa, BBC Ucrânia, e Daniel Wittenberg, do serviço mundial da BBC

O presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy, vestido com uma camisa preta sem gola, retratado contra um fundo de bandeiras
Reuters. Zelenskiy luta para manter o apoio militar ocidental

Tem sido uma semana dura, emocional e implacável para o presidente ucraniano, que luta para manter o apoio militar ocidental enquanto reafirma seu compromisso com a paz.

As consequências de seu espetacular embate no Salão Oval com Trump se agravaram em Kiev depois que os EUA suspenderam a ajuda militar e o compartilhamento de inteligência com a Ucrânia.

“Há um cheiro de traição no ar”, disse uma fonte próxima ao governo ucraniano. “O país inteiro sente isso – incluindo o presidente e sua equipe.”

Zelensky recusou a exigência de Trump por um “pedido público explícito de desculpas” e, em vez disso, escreveu uma carta ao presidente dos EUA chamando o confronto na Casa Branca de “lamentável”.

Para conter os danos, Zelensky voltou a viajar, buscando reforçar o apoio europeu em Bruxelas. Mas, embora tenha recebido demonstrações públicas de solidariedade, não conseguiu os compromissos militares firmes que esperava.

Enquanto isso, o presidente ucraniano instou os líderes da UE a apoiarem uma trégua limitada no mar e no ar – uma ideia respaldada pelo presidente francês Emmanuel Macron.

Delegações ucranianas e americanas realizarão negociações na Arábia Saudita na próxima semana, mas o caminho para a paz continua incerto.

Apesar dos reveses, uma fonte próxima à equipe do presidente insistiu que ele permanece desafiador: “Três anos atrás, ele poderia ter sido morto, mas decidiu ficar em Kiev. Quanto mais pressão ele sofre, mais forte ele se torna.”

Europa: França pode expandir escudo nuclear?

Paul Kirby, editor digital de Europa

O presidente francês Emmanuel Macron, com um ar severo em um terno azul-marinho, fala durante uma coletiva de imprensa após uma cúpula de líderes europeus para discutir a Ucrânia e a defesa europeia
Reuters. Macron reunirá chefes militares na terça-feira para elaborar um plano de auxílio a Ucrânia

Houve tantos encontros de cúpula na Europa que tem sido difícil acompanhar – e mais virão.

Os líderes europeus perceberam, de repente, que o escudo de segurança no qual confiaram desde a Segunda Guerra Mundial pode não estar mais lá, e as propostas surgem em velocidade recorde para os padrões europeus.

Há um consenso de que a Europa precisa auxiliar a Ucrânia. França e Reino Unido estão oferecendo uma “coalizão dos dispostos” para atuar no terreno, caso um acordo de paz seja alcançado.

A Rússia detesta essa ideia, mas Macron reunirá chefes militares na terça-feira para elaborar um plano.

No entanto, questões ainda maiores estão sendo levantadas sobre como a Europa pode se proteger diante do que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, chama de “um perigo claro e presente”.

“Temos que estar preparados” caso os EUA não estejam lá para ajudar, diz Macron. A UE agora discute um plano de bilhões de euros para reforçar suas defesas.

E o futuro chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, levantou a possibilidade de França e Reino Unido expandirem seu poder de dissuasão nuclear para cobrir toda a Europa.

Macron se mostrou receptivo a essa ideia, embora o escudo nuclear francês só possa se estender até certo ponto e as decisões finais sejam tomadas em Paris.

Isso toca no cerne do problema da defesa europeia.

Sem os EUA, os países europeus podem unir seus recursos e confiar uns nos outros?

Para Estados menores, como a Lituânia, não há outra escolha.

Mas o debate começou, e Donald Tusk, da Polônia, disse claramente que a Europa estaria mais segura “se tivermos nosso próprio arsenal nuclear”.

Publicado originalmente em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c62xzkykyg9o

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