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A defesa do esdrúxulo teto de gastos

Artigos nos jornalões revelam que persevera a tentativa de aprisionar a política em nome de pretensas verdades econômicas

Por: César Locatelli |Créditos da foto: (Kísie Ainoã/Campo Grande News)

“Visando a votos nas eleições de 2022, e com a complacência do ministro da Economia, o governo colocou o último prego no caixão do teto de gastos”, garante Pastore no Estadão.

O atual governo “sucumbiu ao poder do centrão, que capturou a coordenação política e o controle do orçamento. A isso se soma a incompetência e falta de objetividade das propostas do Executivo”, diz Marcos Mendes na Folha.

Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, e Marcos Mendes, professor do Insper, neste domingo (24), elogiam o teto de gastos e revelam sua frustração ao ver que as decisões políticas recentes acabaram de decretar o fim de uma regra que, na realidade, nunca deveria ter nascido.

A inflação é mais importante que a fome

Em que pese estar evidente o caráter eleitoreiro das medidas aprovadas, é indiscutível que o sofrimento de grande parcela da população brasileira precisa ser aliviado. Nenhum dos dois parece perceber que a retração econômica, que já vinha de antes da pandemia, é resultado das políticas econômicas, que ambos parecem apoiar, adotadas pelos governos Temer e Bolsonaro e que o que remediou em grande medida o desempenho econômico de 2020 foi o auxílio emergencial.

A inflação, de fato, precisa ser enfrentada, no entanto o conservadorismo ortodoxo de Pastore só consegue enxergar como solução uma elevação acentuada da taxa de juros: “na situação brasileira atual, o retorno da inflação à meta só pode ocorrer através do canal da demanda agregada, cuja contração não apenas reduzirá o crescimento, como é alta a probabilidade de que leve a uma recessão”. Ele não disse que a inflação é mais importante que a fome, mas isso está implícito na redução da demanda.

Como aquele elixir vendido em praças públicas, a redução da demanda via altas taxas de juros é a saída para todos os males: na dúvida suba-se a taxa de juros. Pastore propõe dois aumentos, ainda este ano, maiores do que 1% cada um. Ele, e todos os economistas que comungam de sua linha de pensamento econômico, esqueceu-se de que a regra de reajustes dos preços da Petrobras, que mudou com Pedro Parente no governo Temer e continua em vigor, é o combustível mais explícito da inflação atual.

A Petrobras foi capturada por interesses privados, de acionistas e de importadores de derivados. Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte, professores da UFABC, explicam na Folha:

“A lógica de preços de paridade de importação expressa tais interesses [de acionistas e de importadores de derivados.]. Para atendê-los, aplicou-se uma política deliberada de aumentar a capacidade ociosa das refinarias, mesmo com demanda elevada, favorecendo importadores. O resultado é a transformação da companhia em exportadora de óleo cru e importadora de derivados, fazendo-a funcionar como fundo de especulação financeira.”

O juramento pela ortodoxia econômica

Marcos Mendes, por seu turno, chega a afirmar que “o teto foi bem-sucedido em frear a trajetória de expansão da despesa e da dívida”. Para dar ares de verdade à essa ficção, ele junta todos os governos, desde 1991, no mesmo balaio:

“Na prática, voltaremos para o regime fiscal que vigorou desde meados dos anos 1980, cuja regra era gastar o máximo que fosse possível e financiar isso com aumento de carga tributária e da dívida pública. Nesse regime, a despesa primária do governo federal quase dobrou como proporção do PIB entre 1991 e 2019, revelando um país viciado em gastos públicos.”

Sem mencionar a queda da relação entre a dívida pública e o PIB nos governos Lula e Dilma, Mendes os equipara aos governos Itamar e FHC. A omissão é que FHC entregou uma dívida superior a 60% do PIB a Lula, enquanto Dilma deixou a dívida abaixo de 38% para Temer. Certamente, revelar esse “detalhe” faria Mendes ser obrigado a perceber que a política econômica dos governos petistas obteve melhores resultados do que a que ele prega. Temer e Bolsonaro reviveram a política de FHC e os resultados estão aí para quem tem olhos para ver e não jurou aceitar a ortodoxia econômica incondicionalmente.

A ortodoxia econômica de Pastore e Mendes, assim como da maioria dos que têm espaço na chamada grande mídia brasileira, não se curva aos fatos. As políticas econômicas adotadas mundo afora demonstram que os barcos dessa teoria fizeram água. Mas aqui continuam tentando aprisionar a política com dogmas conservadores anacrônicos.

Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-defesa-do-esdruxulo-teto-de-gastos/4/51933

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