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Guarani Kaiowá: quando a PM age como milícia rural

Sem ordem judicial, policiais despejam com violência comunidade que há duas décadas aguarda a demarcação de terras ancestrais. Cinco estão feridos. Indígenas denunciam: força pública de segurança age como milícia de ruralistas

Por: Gabriela Moncau

“Nós somos humanos também, que nem vocês!”. O grito da mulher guarani kaiowá foi destinado aos policiais militares que despejaram, no sábado (26), violentamente e sem ação judicial, a comunidade indígena que retomava parte do tekoha (lugar onde se é) Laranjeira Nhanderu, na cidade de Rio Brilhante, no Mato Grosso do Sul.

Imagens feitas pelos indígenas mostram os agentes da polícia avançando atrás de escudos que os protegiam da comunidade desarmada, despejando violentamente o grupo que reivindica a área como seu território ancestral.

Bombas, gás lacrimogênio, spray de pimenta e balas de borracha foram usados pelo batalhão de choque da PM, deixando ao menos cinco pessoas feridas. Idosos passaram mal com gás lacrimogênio, segundo a comunidade.

O grupo indígena havia retomado o território na madrugada do mesmo sábado (26). Dias depois da ação policial, a situação segue sendo de tensão na região.

“Somos animais para o Estado?”

“A tropa de choque veio já jogando bomba, atirando sem dialogar, sem consultar. Aí eu pergunto: será que somos animais para o Estado brasileiro? Será que não temos língua para conversar?”, afirma Adalton Barbosa, liderança guarani kaiowá e membro da Aty Guasu, como é definida a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá.

Na avaliação de Adalton, se não houvesse a presença de um integrante da Fundação Nacional do Índio (Funai) – que, assim como os indígenas, recebeu a ordem policial de se deitar no chão – uma tragédia poderia ter acontecido. E pode ainda acontecer.

“No Mato Grosso do Sul, opera uma força pública de segurança ou uma milícia privada com orçamento e gestão pública?”. O questionamento foi feito em nota pública pela Aty Guasu junto com 140 organizações e movimentos sociais, em repúdio à ação policial feita por um órgão estatal em defesa de um particular.

Entre os signatários estão a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), o Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).

O território em disputa 

A área, reivindicada como de ocupação tradicional dos Guarani e Kaiowá, está em processo de identificação e delimitação pela Funai. Dentro dela está estabelecida a Fazenda do Inho, de propriedade de José Raul das Neves.

“O fazendeiro é um antigo conhecido dos indígenas, responde judicialmente por despejos aéreos de agrotóxicos contra a aldeia e há muito impede que os Kaiowá possam plantar suas sementes e ramas mesmo em períodos de fome”, relata a nota da Aty Guasu.

Os indígenas carregam a expectativa de que a terra seja demarcada ao menos desde 2007, quando o estudo demarcatório do tekoha Laranjeira Nhanderu – parte da Terra Indígena (TI) Brilhantepagua – foi incluído em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Funai.

Diante da demora de quase duas décadas, a decisão dos indígenas foi de parar de esperar.

Construção de assentamento rural no local

O estopim foi a iniciativa de políticos locais, como a deputada estadual Mara Caseiro (PSDB), o vereador Adão Evandro Leite (DEM) e seu pai, Ramão Alves Leite, que, em tratativas com o fazendeiro Raul das Neves e com a Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer, uma autarquia estadual), pretendem fazer, no local, um assentamento rural.

No entanto, o Manual de Operações do Programa Nacional de Crédito Fundiário, do Governo Federal, estabelece que um dos critérios para a inscrição no programa é, justamente, que “o imóvel não esteja localizado em áreas declaradas ou de pretensão indígena; ocupadas por remanescentes de quilombos; ou que confrontem com essas referidas áreas”.

Ao saberem que, no intuito pressionar a concessão de crédito fundiário do Estado, estava sendo articulada uma ocupação da área por parte das cerca de 200 famílias que os políticos pretendem assentar, os Guarani e Kaiowá se anteciparam. Para defender sua terra tradicional, ocuparam antes.

Terra indígena em um agroestado

Adalton foi atingido por cinco tiros de bala de borracha durante a ação policial. Um foi no pescoço.

“Será que esse pessoal não entende a nossa Constituição Federal? E a convenção169 da Organização Internacional do Trabalho [OIT]? Para quem vamos reclamar? Para quem vamos denunciar que a lei exige que nos respeitem?”, questiona a liderança guarani kaiowá, ao avaliar que no Mato Grosso do Sul “não há justiça”.

De acordo com Matias Hampel, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul, os indígenas reivindicam que o Estado seja responsabilizado pela ação e que seja feita uma audiência pública com o governador do estado, Reinaldo Azambuja (PSDB).

“A situação do tekoha Laranjeira Nhanderu é um pedaço desvelado de uma política de agroestado que tem praticado violações cabais contra os direitos dos indígenas”, afirma Hampel.

Brasil de Fato questionou o governo do estado do Mato Grosso do Sul sobre a ação policial sem mandado judicial. A Secretaria de Justiça e Segurança Pública informou que “a retirada dos índios da fazenda invadida, no município de Rio Brilhante, ocorrida sábado (26) com intervenção de forças policiais, foi uma necessidade de urgência para evitar confronto entre invasores, produtores e grupo sem terra”.

“Estamos de olho, vigilantes”, enfatiza Adalton a respeito da situação ainda não resolvida. “Vamos defender nossa terra”, garante.

 

Veja em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/guarani-kaiowa-quando-a-pm-age-como-milicia-rural/

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