O capitalismo verde não pode dar certo. Qualquer movimento ecossocialista deve ter uma estratégia de organização, mobilização e horizonte emancipatório.
Por: Ian Angus e John Bellamy Foster | Tradução: Coletivo Leia Marxista | Créditos da foto: Kris Krug / Flickr. Alberta, Canadá
Ficamos contentes ao descobrir que Daniel Tanuro estava escrevendo um artigo sobre esquemas de precificação de carbono. Seu livro Green Capitalism: Why it Can’t Work [Capitalismo Verde: Porque não pode dar certo] traz uma importante contribuição para o pensamento ecossocialista, e Tanuro tem um impressionante histórico de envolvimento pessoal em diversas campanhas radicais pelo meio ambiente na Europa. Esperávamos ansiosamente por uma explicação clara e uma forte crítica a abordagens mercadológicas das mudanças climáticas que sabemos que ele poderia escrever.
Infelizmente, The Right’s Green Awakening [O Despertar Verde da Direita] não correspondeu às expectativas da alta qualidade estabelecida pelo seu livro. Ao invés de abordar os planos de precificação do carbono que têm emergido nas políticas capitalistas, Tanuro foca sua crítica nas propostas desenvolvidas pelo importante cientista do clima James Hansen e no apoio crítico que demos a sua proposta na Monthly Review e na Climate & Capitalism.
Tanuro equipara nossa posição – e a posição diferente de Hansen – a uma proposta feita por políticos da direita americana, argumentando que apoiamos “uma variante populista… [da] doutrina neoliberal”. Obviamente, discordamos.
Não estamos dizendo que nossos pontos de vista não podem ser criticados. O debate aberto é uma parte essencial da construção de um movimento ecossocialista global e nós acolhemos respostas ponderadas a qualquer coisa que escrevemos. No entanto, já que o artigo de Tanuro deturpa seriamente tanto o plano de Hansen quanto nossa abordagem em relação a ele, precisamos corrigir seu equívoco antes de começar uma discussão adequada.
As propostas de Hansen
Oque chamamos em Estratégia de Saída das Mudanças Climáticas, de James Hansen, inclui um plano de taxas e dividendos, no qual companhias de combustíveis fósseis pagariam uma taxa de carbono crescente na boca de poço (poço de mina ou ponto de entrada). Todos as rendas provenientes desses pagamentos seriam distribuídas como dividendos à população em um esquema per capita.
Diferentemente de planos de mercado de carbono e impostos sobre o consumo, a taxa proposta por Hansen seria simples de se coletar e difícil de sonegar. Hansen estima que 60% dos cidadãos americanos iriam receber mais em dividendos do que teriam que pagar em aumentos de preços.
Ao contrário de economistas clássicos que prometem resultados mágicos a partir exclusivamente da precificação do carbono, Hansen entende que “por si só, um imposto sobre o carbono não consegue resolver o problema energético e permitir um rápido término gradativo do carvão”, então seu programa vai além disso.
Ele inclui um banimento total do petróleo de areias betuminosas, do óleo e do gás de xisto, e de hidratos de metano, assim como o fechamento de todas as usinas movidas a carvão que não capturem suas emissões de CO2 – o que equivale a todas as usinas em operação hoje.
Hansen também demanda eliminação de todos os subsídios a companhias de combustíveis fósseis, transição global para uma agricultura e práticas florestais sustentáveis, rápida redução nas emissões de metano, ozônio e de carbono negro, assistência substancial a países emergentes no que diz respeito à implementação e ao desenvolvimento de energia limpa, e investimento no que ele espera serem tecnologias nucleares de quarta geração e seguras.
Essas medidas, aplicadas em conjunto, representam uma estratégia abrangente de saída das mudanças climáticas.
Um cavalo de troia conservador
Arecém-formada Cúpula dos Líderes sobre o Clima (CLC) publicou “Uma Defesa Conservadora dos Dividendos Climáticos” em fevereiro de 2017. Seis ex-líderes do Partido Republicano e o ex-presidente da Walmart assinaram o documento, temendo que políticas anti-ambientais grosseiras prejudicassem os Republicanos nas pesquisas, levando “jovens votantes que detém a chave para a futura fortuna política de cada partido” a apoiarem defensores de “regulações de comando e controle inibidoras de crescimento.”
Para evitar isso, eles propuseram um plano “que demonstrasse o inteiro poder de convicções conservadoras duradouras”. Sua principal proposta – um imposto gradualmente crescente sobre as emissões de dióxido de carbono distribuído a todos os cidadãos estadunidenses – se assemelha ao plano de taxas e dividendos de Hansen, mas, em contraste agudo à sua abordagem, eles insistem que ela deve estar atrelada a um “retorno regulatório significante”. Sem o banimento a combustíveis não-convencionais, sem o fechamento de usinas a carvão, e sem o investimento em conservação e energia limpa. “Muito da autoridade regulatória da EPA (Agência de Proteção Ambiental) sobre emissões de dióxido de carbono seria eliminada gradualmente, incluindo uma revogação aberta do Clean Power Plan (Plano de Energia Limpa)“, escrevem eles, e cidadãos não teriam permissão para processar emissores por danos colaterais.
Além disso, o crescimento de taxas iria acabar automaticamente depois de cinco anos, a não ser que um “Painel de Fita Azul” (um painel governamental de alto nível) decida o contrário. Eles não especificam a composição do painel, mas não nos surpreenderíamos quando interesses em combustíveis fósseis desempenhassem um papel central.
Em suma, a caricatura do CLC de um plano de taxas e dividendos não mira em uma prevenção das mudanças climáticas. É um cavalo de Troia para eliminar todas as medidas práticas que poderiam contribuir para tal objetivo.
Na prática, claro, líderes republicanos de fato decidiram por abolir proteções regulatórias sem se darem ao trabalho de determinar um preço do carbono ou prometer a eleitores um dividendo, então a preocupação de Tanuro de que o plano CLC “poderia formar consenso público de maneira real” parece deslocada.
Ecossocialistas e o programa de Hansen
Essa fraude conservadora não é o mesmo que o plano de Hansen, e não tem qualquer semelhança com o programa revolucionário ecossocialista que viemos defendendo por anos.
Contudo, Tanuro conecta tendenciosamente as perspectivas de Hansen às dos conservadores – descrevendo o plano do CLC como “uma ideia inicialmente proposta pelo proeminente climatologista James Hansen” e afirmando que “Hansen formulou originalmente o plano”. Ele se refere a “Hansen e as propostas do CLC” como se fossem idênticas. Então, para a nossa surpresa, ele afirma que John Bellamy Foster “apoiou fortemente o imposto sobre dividendos”, assim como “seus seguidores, que incluem Ian Angus”. Ele dedica a segunda metade do seu artigo para nos criticar por isso.
Tanuro pode não ter tido a intenção de identificar as nossas perspectivas com as do reacionário CLC, mas certamente essa é a impressão que seu artigo dá.
Apesar de nós dois termos escritos múltiplos artigos sobre a abordagem de Hansen à mudança climática, a crítica de Tanuro é baseada em apenas um exemplo, “James Hansen e a Estratégia de Saída das Mudanças Climáticas” de Foster, publicado cinco anos atrás. Aquele artigo, o primeiro em qualquer publicação socialista a discutir a natureza e significado das propostas de Hansen, tem duas seções principais: “A Estratégia de Saída de Hansen“, um relato objetivo sobre o programa, e “A Pegada Ecológica do Capitalismo: Para além da Estratégia de Saída de Hansen“, uma crítica ecossocialista que defende “uma transformação social muito maior” do que Hansen imagina. (Nós achamos que as críticas a Hansen que Foster faz na segunda seção são, na verdade, bem mais afiadas e completas do que as de Tanuro.)
Em uma curta seção de conclusão, Foster argumenta que a abordagem de Hansen, apesar de suas limitações, representa um importante avanço no movimento para impedir o ecocídio capitalista.
Ao longo do artigo, Foster usa o termo “estratégia de saída” para se referir ao programa inteiro de Hansen, incluindo seu foco no fechamento de oleodutos, usinas a carvão e operações com combustíveis não-convencionais. Taxas e dividendos compõem apenas uma parte do programa e, como Foster afirma claramente, ela não se sustenta sozinha: “todas as estratégias exclusivamente baseadas no mercado tendem a sair pela culatra, já que elas se apoiam principalmente em incentivos econômicos.” O plano de taxas e dividendos de Hansen, Foster escreve, “é apenas um único ponto de apoio no que deve ser uma estratégia bem mais abrangente de saída das mudanças climáticas”.
Apesar disso, Tanuro repetidamente trata os comentários positivos de Foster sobre a estratégia inteira com entusiasmo pelo componente de taxas e dividendos. Ele diz, por exemplo, que nós “argumentamos que o imposto sobre dividendos é a única abordagem viável no contexto atual”. No contexto, as palavras de Foster claramente dizem que esse é o ponto de vista de Hansen, não o nosso: “Isso levou ele a promover taxas e dividendos como a única abordagem viável para diminuir as emissões de carbono rapidamente”.
De fato, Tanuro repetidamente confunde a apresentação de Foster das visões de Hansen com a própria opinião de Foster acerca dessas visões. Por exemplo, Foster elogia Hansen, que não é um socialista, por fazer uma “tentativa calculada de levar a cabo o plano máximo que se poderia conceber ser aceitável pelo regime do capital”. O comentário claramente se refere às intenções de Hansen com toda a estratégia de emergência, mas nas mãos de Tanuro, isso se torna, “eles argumentaram que o imposto sobre dividendos é…’ o máximo que o capital poderia racionalmente aceitar’, como Foster coloca”.
De forma similar, Tanuro se opõe à descrição de Foster do programa de Hansen como um “primeiro passo”, porque “a solução pode vir apenas… da convergência das lutas concretas dos explorados e oprimidos”, implicando que Foster ignoraria tais lutas. Ele não consegue perceber que imediatamente após mencionar esse primeiro passo, Foster adverte:
Uma solução real demanda uma alteração radical nas prioridades sociais – o tipo de transformação revolucionária que poderia ocorrer em velocidade inimaginável se a população atingisse um dia seu próprio ponto de inflexão sócio-ambiental.
Frequentemente, Tanuro tira as palavras de Foster de contexto, mudando seu significado. Ele escreve: “Foster argumenta que a proposta [de taxa e dividendo] de Hansen é ‘objetivamente revolucionária’.” Aqui está a frase inteira de Foster:
O que é objetivamente revolucionário na proposta de Hansen é sua raiz em um senso compartilhado de emergência e de crise que pode ser prontamente comunicado no centro do sistema, nas próprias economias de capital financeiro monopolista.
Nenhum de nós jamais sugeriu que um plano de taxas e dividendos por si só é revolucionário. Como Angus escreveu:
Taxas e dividendos podem ser parte de um programa de ação radical contra as mudanças climáticas, mas não são suficientes por si só, e não são adequados para a construção de movimentos de massas que socialistas sabem que é necessário.
Corrigindo todos os erros de má citação e representação nesse artigo tomaria muito mais tempo e espaço, mas achamos que o ponto está feito. Daniel Tanuro está nos criticando – e a Hansen – por pontos de vista que não temos.
A importância da estratégia de saída
Reduzido ao essencial, o artigo de Tanuro traz dois pontos importantes. Primeiro, “o mercado não pode ser a solução… Temos que confrontar as dinâmicas de acumulação, o que o plano de taxas e dividendos simplesmente não consegue fazer”. E, segundo, precisamos “de uma estratégia de aliança com os explorados e oprimidos para desenvolver uma alternativa ecossocialista”.
Concordamos inteiramente. Isso é exatamente o que Foster argumenta no mesmo artigo que Tanuro critica:
A estratégia de saída de Hansen, apesar de todos os seus pontos fortes, é ainda insuficiente. Sua fraqueza é que ela não vai longe o suficiente no enfrentamento às contradições sócio-sistêmicas geradas pela estrutura de poder do capital monopolista-financeiro atual. O que é necessário sob as presentes circunstâncias é a aceleração da história envolvendo uma reconstituição da sociedade. Os tipos de mudanças a serem consideradas no contexto de uma emergência planetária não podem ser confinados a canais estreitos que a classe dominante e sua poderosa elite política irão aceitar. Pelo contrário, uma estratégia efetiva de saída das mudanças climáticas deve contar com uma transformação social muito maior que pode ser desencadeada apenas por meio de mobilizações democráticas em massa.
Ecossocialistas não precisam debater se soluções de mercado podem fazer o trabalho (elas não podem) ou se precisamos construir um movimento de massas que consiga barrar o ecocídio capitalista (obviamente precisamos). O problema real é: como vamos daqui para lá? Como podem os ecossocialistas, uma corrente política relativamente pequena, contribuírem com a construção de um amplo e unido movimento que concordamos que é necessário?
O artigo de Tanuro não aborda o contexto prático no qual a estratégia de saída das mudanças climáticas de Hansen se desenvolveu. Organizações conservadoras e liberais que trabalham próximas às companhias de combustíveis fósseis vêm dominando há muito tempo o movimento verde. Como Naomi Klein demonstra no livro Isso Muda Tudo, os maiores grupos verdes têm “enredado seus destinos com as corporações no cerne da crise climática… As mãos de quase ninguém estão limpas”. Teremos pouco progresso contra as mudanças climáticas enquanto tais forças possuírem controle político e organizacional.
É por isso que ecossocialistas devem apoiar grupos e campanhas como 350.org, Idle No More, e NoDAPL. Enquanto poucos desses “novos guerreiros climáticos,” como Klein os designa, são explicitamente anticapitalistas, eles ainda assim arriscam seus corpos para barrar os projetos mais destrutivos do capital.
James Hansen desempenhou um papel crítico na motivação e construção do novo movimento climático radical. Ele não é apenas qualquer cientista climático ou apenas qualquer ativista. Desde que prestou depoimento pela primeira vez em um comitê congressional em 1979, ele tem sido reconhecido como o principal climatologista do mundo e um ator central no novo movimento climático:
Ele foi preso em uma tentativa de proibir usinas a carvão e em um protesto contra o oleoduto Keystone XL, projetado para trazer areia betuminosa de Alberta para o Golfo do México. Seu ativismo e o fato de ele estar disposto a ir preso por essas questões demonstram o que ele considera ser essencial.
Uma estratégia de saída das mudanças climáticas concebida por ecossocialistas teria sem dúvidas sido mais forte e mais radical do que a de Hansen, mas não teria tido a mesma relevância ou credibilidade científica. Quando uma figura de tal proeminência chega a conclusões radicais provindas da falha dos governos e de corporações em agir, a esquerda precisa prestar atenção.
Foster escreveu seu artigo de 2013 exatamente por essa razão: para alertar ecossocialistas e outras pessoas da esquerda sobre uma importante inflexão nas políticas verdes, uma mudança profunda que oferece novas possibilidades para a ação unida contra o ecocídio capitalista. Escrevemos tais artigos porque concordamos com Karl Marx: “Todo passo do movimento real é mais importante do que uma dúzia de programas”.
Discordamos com aspectos do programa de Hansen. Nos incomodamos com seu apoio à energia nuclear e achamos que ele dá ênfase demais à parte de taxas e dividendos do seu programa. Mas nunca conseguiremos construir um movimento amplo se insistirmos em unanimidade. A não ser que você acredite que se deva, por uma questão de princípio, fazer oposição absoluta à precificação do carbono – e não é essa a visão de Tanuro, já que ele é favorável a uma taxação sobre o combustível de aeronaves – não há motivo para rejeitar de imediato a estratégia de saída de Hansen.
Não estamos debatendo se taxas e dividendos oferecem uma solução completa, mas se um programa que os inclui, assim como campanhas pelo fechamento de usinas de carvão, fracking e mineração de areias betuminosas, pode contribuir para um movimento de massas contra as mudanças climáticas.
Enquanto construímos esse movimento, vamos nos deparar com o trabalho em conjunto com pessoas que pensam que “precificar o carbono” representa a melhor solução. (Se não nos depararmos com esse trabalho em conjunto, não estamos obtendo alcance suficiente!) Deveriam os ecossocialistas simplesmente afastar essas pessoas? Ou deveríamos conduzi-las mais à esquerda, argumentando, “se tal programa for introduzido, ele deve alvejar diretamente as corporações de combustíveis fósseis, enquanto protege os padrões de vida do povo trabalhador e dos pobres”, como a proposta de Hansen almeja?
Precisamos de um programa para a ação contra as mudanças climáticas que possa ganhar apoio de um amplo alcance de correntes e ativistas em potencial. O programa de Hansen pode não ser perfeito, mas não conhecemos uma proposta melhor vinda de um ambientalista com a influência que ele tem.
O plano de taxas e dividendos não entra em conflito com a construção de um movimento de massas, a não ser que o apresentemos como a única solução. Como parte de uma estratégia de saída ampla na linha do que Hansen propõe, esse plano oferece uma base consistente para o desenvolvimento de um movimento amplo contra as mudanças climáticas e avança uma contestação sistêmica ao capitalismo.
Concordamos com Daniel Tanuro que o mercado não é a resposta: o ecossocialismo é a resposta. Apenas de quaisquer desacordos que tenhamos, esperamos poder trabalhar com ele nesse projeto de vital importância.
Veja em: https://jacobin.com.br/2022/05/os-passos-para-o-ecossocialismo/
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