Sob pretexto de conter inflação, Copom prepara novo aumento da Selic, que pode ter efeito contrário. De olho nas eleições, centrão tenta evitá-lo – mas colhe os efeitos da “independência” do Banco Central: ficar refém dos desejos da banca…
Por: Paulo Kliass
A vida para a grande maioria da população brasileira segue como um verdadeiro calvário, cada dia mais difícil e mais sofrido. Não bastassem os índices alarmantes de desemprego e de redução nos valores dos salários de quem ainda mantém um posto de trabalho, a retomada da inflação em dois dígitos tem tornado o custo de vida ainda mais elevado e acaba por comprometer a capacidade de se encerrar o mês com alguma dignidade. Além disso, a política de teto de gastos governamentais e a obsessão doentia de Paulo Guedes com a austeridade fiscal terminam por reduzir de forma grave a capacidade de o setor público oferecer, de forma ampla e generalizada, serviços mínimos de saúde, educação e assistência social, por exemplo.
Mas além disso, corre por fora também a ascensão meteórica da taxa de juros. O Comitê de Política Monetária (COPOM) é responsável por estabelecer, com a periodicidade de encontros a cada 45 dias, o patamar da SELIC – a taxa oficial de juros em nosso país. Pois o que tem se assistido desde o início do ano passado foi uma trajetória de alta deste importante instrumento de balizamento da referência do custo financeiro para todos os tipos de atividade econômica. Em março de 2021, o colegiado decidiu interromper um longo ciclo de “calmaria” e aumentou a SELIC. Ela estava estabelecida fazia sete meses no nível de 2% e os membros do Comitê elevaram a taxa para 2,75% naquela reunião. O argumento era que a inflação estaria iniciando um movimento de elevação de preços e seria necessário contê-lo por meio de arrocho monetário.
Para esse pessoal do financismo, pouco importa se o modelo utilizado por eles não é consistente ou se os efeitos não estão se fazendo sentir tal como previsto. O essencial é tacar ainda mais lenha na fogueira e prosseguir na alta dos juros. E assim foi feito. No mês passado, em maio de 2022, ocorreu a 246ª reunião do COPOM. E naquele momento o colegiado promoveu o décimo aumento consecutivo da SELIC, que passou aos atuais 12,75%. Uma loucura! Para não discutirmos os graves efeitos negativos de tal escalada altista, fiquemos apenas com as intenções da retórica utilizada nos grandes meios de comunicação para justificar essa política desastrosa.
SELIC no espaço e inflação em alta
Para os chamados “especialistas” do sistema financeiro, a inflação em março do ano passado estaria flertando perigosamente com o descontrole, uma vez que o IPCA de 12 meses estava em 6,1%. Como sempre, lança-se mão de um espantalho de catástrofe anunciada para encaixar o golpe do arrocho. Assim, orientou-se esse processo que levou à elevação de mais de 500% na taxa referencial de juros. Mas, e o que aconteceu com os preços? Eles deram uma bela ignorada no modelo macroeconométrico desse povo das finanças e continuaram em alta. A SELIC foi de 2% a 12,75% para supostamente derrubar a inflação, mas ao longo do mesmo período, o IPCA subiu de 6,1% para os atuais 12% ao ano. Ou seja, tanto esforço de contenção de demanda e de estímulo à recessão para nada.
Pois agora o financismo segue no campo de ataque, com foco exclusivo na política de destruição nacional. Não bastassem todas as más notícias já existentes para a maioria da população (e também para a tentativa de reeleição de Bolsonaro, é importante que seja dito aqui), eles preparam mais uma bomba-relógio a ser adicionada aos preços explosivos de alimentos e dos derivados do petróleo. Esse pessoal deve ter perdido completamente qualquer senso de realidade, de ridículo ou de vergonha. O fato é que os representantes da nata das finanças pretendem impor ao COPOM mais uma elevação da SELIC. Esse, ao menos, é o recado que passaram na pesquisa Focus realizada ao longo da semana e divulgada no boletim desta segunda-feira.
Os dirigentes de instituições financeiras, cuidadosamente escolhidos pelo Banco Central para responder ao questionário, apontaram para uma expectativa de que a taxa esteja no patamar de 13,25% a partir da próxima reunião do Comitê. Assim, não contentes com os ganhos escandalosos que abocanharam com essa elevação absurda ao longo dos últimos meses, querem que a caminhada rumos às alturas não seja interrompida. Os membros do COPOM deverão decidir entre o “lobby” de seus colegas de ofício no setor privado e as recomendações do fisiologismo do Centrão. Apesar de serem liderados por figuras políticas bastante conservadores, como o ministro-chefe da Casa Civil, o presidente do Senado Federal e o presidente da Câmara dos Deputados, os parlamentares da base aliada do governo estão sentindo a pressão em suas bases eleitorais e que não querem nem ouvir falar desse assunto.
Meio de trilhão de R$ gastos com juros
Os números divulgados na página do próprio Banco Central se encarregam de nos explicitar qual é a verdadeira prioridade de gastos desse governo. Para além das tão famosas e bilionárias, quanto secretas, Emendas do Relator do Orçamento, a realidade é que as despesas de natureza financeira seguem a todo o vapor. Como se sabe, o volume de gastos com pagamento de juros pelo governo federal não está submetido ao teto de gastos imposto pela Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016.
Durante o primeiro quadrimestre deste ano, o governo gastou R$ 154 bilhões com esse tipo de transferência ao sistema financeiro. Esse total representa um crescimento de 36% em relação aos R$ 113 bi gastos em igual período do ano passado. Por outro lado, isso significa que, ao longo dos últimos 12 meses, o gasto acumulado com juros da dívida pública atingiu R$ 489 bi, quase meio trilhão de reais. Um absurdo para um país que desmonta políticas públicas essenciais à maioria da população sob o argumento mentiroso de que “não há recursos”. Esse é um valor 57% maior do que os R$ 312 bi gastos com esse tipo de rubrica ao longo do ano de 2020.
Caso não haja uma reação articulada do conjunto da sociedade para evitar mais essa decisão criminosa do COPOM, a reunião dos próximos dias 14 e 15 de junho deverá ratificar o desejo da banca, como tem feito sistematicamente há muito tempo. Que isso sirva como alerta para aqueles e aquelas que ainda defendem a independência do Banco Central como uma suposta “inovação positiva” que a dupla Guedes & Bolsonaro teria conseguido introduzir em nossa legislação, por meio da Lei Complementar nº 179/2021.
Os ares de mudança na política que as pesquisas de opinião nos sugerem para o próximo ano devem contemplar uma urgente revisão, dentre tantos outros desastres incorporados por esse governo, também na arquitetura institucional deste importante ramo da nossa política econômica. A dimensão monetária é estratégica e muito sensível para que fique apenas nas mãos de representantes dos bancos, que não possuem nenhum tipo de legitimidade conferida pelo voto popular. Já assistimos muitas vezes aos danos provocados pela colocação da raposa para tomar conta do galinheiro. O comando da economia é atribuição do presidente da República, que deve ter o direito de exercê-la em sua plenitude. Isso significa que deve voltar a ser de responsabilidade do Chefe do Executivo a nomeação dos dirigentes do Banco Central, após a necessária sabatina no Senado Federal.
Veja em: https://outraspalavras.net/crise-brasileira/juros-uma-bomba-relogio-eleitoral/
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