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Bifo: O abismo raivoso do gerontofascismo

Morte de Chaplin e ascensão de Thatcher marcam o fim do “capitalismo cortês”, diz filósofo. Em seu lugar, emergiu sistema caricato e brutal, apoiado na técnica mais opressora. Haverá como vencê-lo? Ou a era da política terá chegado ao fim?

Por: Claudio Guerrero Valenzuela | Entrevista com: Franco “Bifo” Berardi |Tradução: Maurício Ayer

Manhã de início do outono em Bolonha. Ainda se sente o calor do verão. Caminho pelas ruelas do centro histórico da cidade velha, que preserva de forma incomparável os vestígios de um passado medieval. Entre velhas portas de madeira com telas e decorações em ferro fundido, varandas, arcos e galerias intermináveis ​​sobre as quais se erguem edifícios monumentais construídos em tijolo ou pedra, ando pelas ruas estreitas desenhadas para uma vida de antes do automóvel. Até chegar ao apartamento de Franco Berardi (Bolonha, 1949): um prédio estranhamente construído em cima de uma antiga igreja, no lugar do que deveria ser uma tradicional cúpula, ou seja, uma inusitada reformulação arquitetônica que permite fazer todo tipo de brincadeiras e que poderia até funcionar como símbolo da singularidade do pensamento do intelectual italiano. Essa entrevista é o resultado de dois encontros. Bifo Berardi me recebe em seu escritório, repleto de livros, onde conversamos por várias horas.

 

 

Como você vê a ascensão das expressões neofascistas tanto na Europa quanto na América Latina? Parece uma reação muito forte, montada na valentia, e mesmo raivosa. 

Não é novo. Brexit, Trump, Grécia; tudo é expressão do triunfo do capitalismo financeiro. Agiu de tal maneira que permitiu uma forma racionalizada da economia. Isso tem a ver com uma mudança tecno-antropológica de tal complexidade, com uma complexidade tão alta, uma velocidade de circulação da informação tão sofisticada, que não conseguimos processar as mudanças.

Os bots têm mais força que a vontade humana…

Claro, a máquina não tem vontade. Mas ele tem uma força quase irrefreável. Pense no que aconteceu na Grécia há alguns anos. A Grécia como país não existe. Tudo foi vendido. Toda a sua riqueza foi destruída. A eletricidade, os portos, todo o sistema econômico grego foi vendido ao exterior. E os serviços sociais foram esmagados. Os jovens gregos estão emigrando. Todo o país foi esvaziado. Que demonstração mais trágica do que essa?

Como o automatismo financeiro está ligado ao neofascismo?

O mundo como o conhecíamos está desaparecendo. O poder político não pode fazer nada contra algoritmos. Agora, o fascismo como o entendemos hoje não é assim. É outra forma de fascismo. É uma violência, uma agressividade, uma psicopatia agressiva desesperada que destrói a democracia, pois não resolve as condições básicas da vida. Como ela não satisfaz o suficiente, destruímos a democracia. O fascismo do século XX nasceu em uma condição de expansão imperialista e econômica. Era um fascismo dos jovens, de uma pequena burguesia vital, agressiva, exuberante. O fascismo de hoje eu defino como gerontofascismo, porque a possibilidade de expansão acabou, o sentimento principal é de exaustão, de depressão senil. Aqueles que votam pela direita também são jovens, mas poucos; a maioria está na casa dos quarenta, cinquenta ou mais. O fascismo do século XX propôs a colonização da África, agora são os africanos que vêm para a Europa e não o contrário. Não se trata de euforia colonialista, trata-se de medo de invasão. A fala de Giorgia Meloni, entre outras coisas, expressa e canaliza esse medo e ódio.

A revolta no Chile foi uma emergência do caos, uma força que disse “chega de abusos, chega desse modo de vida individualista”. A solução política que poderia ter sido uma nova Constituição acabou sendo uma grande derrota e hoje há um certo desencanto. Não há como voltar atrás?

A loucura pode ser política. Pode ser potência criadora, esperança. Agora, a condição psíquica prevalente foi mais uma vez a depressão. Mas quando falamos da nova geração, aquela que aprendeu mais palavras com uma máquina do que com a voz da mãe, acho que não podemos falar de depressão no mesmo sentido que Mark Fisher falou em The Ghosts of My Life (2013). A depressão da geração Fisher foi efeito da decepção, da queda de um desejo investido na felicidade, na democracia, nos valores progressistas. Agora não há mais uma queda ou uma decepção. Há uma recusa ao desejo, há uma forma de desinvestimento do desejo que não podemos mais definir como depressão. Não é depressão, é deserção, eu acho. Deserção da guerra do trabalho, da competição, do futuro… Deserção do futuro, não depressão. Meu próximo livro, que ainda não foi traduzido para o português, chama-se Deserção. A tese é que as novas gerações nunca investiram seu desejo em uma esperança para o futuro. Eles não têm depressão porque não perderam nada. Eles não foram conectados à realidade. Eles nunca viveram a realidade. Isso me parece uma mudança política radical. A imersão tecnológica está mudando as modalidades da atividade cognitiva e, consequentemente, está mudando as expectativas para o futuro. Por isso, a impotência do poder político é o ponto de partida desta geração. É algo que se traduz mais em buscas de gratificação pessoal e somente os mais conscientes e com mais recursos são capazes de pensar formas de vida comunitária, buscando soluções coletivas para este problema.

O que fica para o resto?

O papel de profeta me assusta. Parece-me que nos últimos 20, 25 anos imaginei um futuro muito sombrio e as previsões se tornaram realidade. Eu decidi parar. O conceito de extinção nunca havia sido pronunciado no campo da política e emergiu fortemente nos últimos anos. Define muito bem o futuro da humanidade após 40 anos de ditadura neoliberal e as últimas décadas de ditadura digital. Essas duas condições eliminaram a possibilidade de transformar politicamente os modos de vida da maioria da população. Perdemos a guerra. A guerra acabou. Não sei se as novas gerações serão capazes de criar novas formas de vida. O fim do futuro, nesse contexto, é uma banalidade. Uma obviedade. Hoje, o senso comum é de que não há futuro.

 

Veja em: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/bifo-o-abismo-raivoso-do-gerontofascismo/

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