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A vida antes e depois das hidrelétricas no Madeira

Em viagem ao rio, relatos das gigantes inundações que, em 2014, varreram roçados ribeirinhos. Além das casas, foram abaixo escolas e postos de saúde. Jornalista indígena reporta a lenta morte do rio, a juventude sequestrada e os planos devastadores

Por: Tanamak (Márcia Mura) | Créditos da foto: Agabawe (Iremar). Desbarrancamento comendo a parte da beira do rio no distrito de Calama, pós construção das hidrelétricas

Ixe Tanamak do paranã Iruri…

Eu sou Tanamak, nome que recebi de Namatuyky, o grande criador para o povo indígena Mura, ao qual pertenço. Sou filha do rio que treme, região ancestral mura e de outros povos que disputavam territórios, como os Munduruku e os Parintintin.

Atualmente, o Iruri é denominado rio Madeira. Ele nasce nos Andes, na Bolívia, e passa por Rondônia e Amazonas, desembocando no rio Amazonas, no território pindorâmico.

Os Mura se encontram em dezenas de territórios demarcados ou em reivindicação para o lado do Amazonas. Na parte que corresponde a Rondônia, estão inseridos em espaços denominados ribeirinhos, que resultaram dos seringais instalados sobre territórios ancestrais dos Mura e de outros povos indígenas.

O tema deste texto, a vida antes e depois das hidrelétricas no rio Madeira, já vem sendo discutido por outros jornalistas. A diferença, em relação a outras reportagens, é que esta foi escrita na perspectiva indígena.

 

Tanamak desceu o rio Madeira de barco para visitar comunidades menos acessíveis. Foto: Agabawe (Iremar)

Em 21 de junho de 2022, eu e Agabawe descemos o rio no barco Marcos Filho. Desta vez, eu viajava como indígena jornalista, acompanhada de mais um comunicador e um documentarista. Definimos que iríamos a comunidades menos acessíveis, como Papagaio, Conceição de Galera no rio Madeira e Demarcação, no rio Machado, um afluente do Madeira.

A partida do porto no centro urbano da capital rondoniense é sempre movimentada. Cargas sendo carregadas, pessoas chegando e saindo, até que o marinheiro vai para o leme e apita, avisando a partida do barco. Vento no rosto, e a satisfação de ver Marcelo, nosso parente Mura, no leme do barco…

Descemos o rio registrando as imagens de destruição: portos graneleiros, dragas de garimpo, balsas de transporte de soja, desbarrancamentos. Navego nesse rio desde criança, no tempo em que a gente enfiava a caneca nas águas e bebia. Hoje, me entristeço de ver nosso rio barrado, sugado, contaminado. Isso tudo que, para empresas e governos, representa o progresso, para nós representa morte.

Numa das conversas com um parente em Nazaré, ele me contou do tempo em que era curumim e brincava com seus irmãos e primos de subir o rio remando. De acordo com ele, dava trabalho remar contra a correnteza. Ele faz essa rememoração sorrindo, mas, de repente, expressa um semblante de lamento e diz: “Hoje em dia o rio nem corre mais. Ele já está morto!”.

Ao ouvir isso me assombrei, pois sempre digo que estão matando aos poucos nosso rio, e ele disse que já está morto. Essa percepção é triste, mas é o que nós, que nascemos e crescemos às margens desse rio, sentimos. Como disse Agabawe ao compartilhar com ele essa percepção do nosso parente: “É, o rio está respirando artificialmente”.

Aprendi com os mais velhos que antes tinha tempo para a água branca entrar na água escura dos igarapés e lagos, e isso era um marcador do período de plantar e colher, de cheia e de seca, assim também como o canto do pássaro e do sapo diziam do tempo de subir e descer as águas, e ainda sabíamos o nível que seria a enchente só observando a altura em que os uruás (caramujos) desovavam. Agora, depois das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, construídas acima de Porto Velho e inauguradas em 2012 e 2016, respectivamente, os mais velhos dizem que tudo mudou. A partir do que eu escuto eles falarem e da minha própria observação, posso afirmar que hoje quem comanda o rio são as comportas das hidrelétricas. Nossa temporalidade foi drasticamente afetada.

Indígenas e comunidades tradicionais sentem os efeitos de hidrelétricas e do avanço do garimpo e do desmatamento na região, que impacta diretamente a vida dos rios, lagos e igarapés

O encontro com dona Preta, a curandeira respeitada do Madeira

Chegamos à noite ao Distrito de Nazaré. Foi bom voltar mais uma vez para a Maloca Mura, como chamamos nossa casa. No outro dia, fomos articular nossa ida às comunidades. Saímos cedo na voadeira – embarcação de alumínio com motor 25hp. Nossa primeira parada foi na localidade onde dona Preta, uma curandeira antiga, do tempo da minha avó, mora há mais de 50 anos. Eu estava só emoção, pois cresci ouvindo minha avó falando dela e ainda não tinha tido oportunidade de conhecê-la. Na minha tese de doutorado, intitulada “Tecendo Tradições Indígenas”, defendida na Universidade de São Paulo, em 2016, ela é bastante mencionada pelos colaboradores.

Agabawe e Tanamak descendo o rio Madeira na voadeira com o piloto Américo Desmoret, indo para as comunidades Papagaio e Conceição de Galera. Foto: Agabawe (Iremar)

Quando nosso parente piloto anunciou que tínhamos chegado ao porto da dona Preta, quase não acreditei. Subi o barranco inclinado segurando numa corda, escalando, e, quando cheguei em frente à casa dela, me deu um frio na barriga. Fiquei insegura, com receio de ela não me receber, pois falam que não recebe todo mundo. Em frente à casa dela tem um pé de mucuracaá, que espanta mau olhado e também é utilizado nos banhos medicinais para afastar coisas ruins. Fiquei sentindo aquele cheiro forte, minhas pernas começaram a gelar, comecei a suar frio, tomei coragem, bati palmas… Na janela apareceu o semblante de um senhor desconfiado e com uma expressão meio dura. Ficou me olhando, me apresentei: falei quem era e que meu sonho era conhecer dona Preta. Ele desfez a dureza do rosto e, olhando para dentro da casa, disse: “Tem uma mulher aqui querendo te conhecer”. Depois, voltou-se para mim e indicou que eu e os demais que estavam comigo podiam entrar. Entramos. Ela estava sentada numa cadeira na cozinha. Estava adoentada do estômago. Eu nem acreditei que me encontrava ali diante dela. Pedi sua benção – costume que temos em respeito aos mais velhos –, me apresentei, e os demais também.

Ouvimos um pouco da sua história de vida. Ela nos contou que sempre foi perseguida por causa do seu trabalho de curar as pessoas, ou, como ressalta: “Eu não, os espíritos que recebo!”. Ficamos perplexos de saber que ela já havia até sido presa, porque as pessoas vinham pedir ajuda espiritual diante dos desafios que a realidade longe dos centros urbanos lhes impunha, e isso incomodava as autoridades da época. Presumimos que fosse no período da ditadura, pois ela disse que ainda era nova. Não gravamos nada e nem tiramos foto, porque ela não gosta que tirem foto dela. Eu apenas respeitei, olhei bastante para ela e a ouvi atentamente, com o desejo de que suas imagens e as palavras ficassem gravadas na minha memória. Cumpri meu objetivo.

Tanamak ao desembarcar no porto de dona Preta, curandeira respeitada do rio Madeira. Foto: Agabawe (Iremar)

Dona Nair, grandiosa como as castanheiras

Seguimos viagem para Papagaio. Nosso parente piloto aportou no lugar onde vive dona Nair, uma mulher de idade, com fenótipo indígena e negro, de palavra forte e sábia. Em respeito, tomei benção dela também, pois estava ali diante de uma anciã guerreira, a resistência em vida.

Ao subirmos o barranco no porto da dona Nair, a primeira coisa que me impressionou foram duas castanheiras-sapucaias grandiosas beirando o barranco e já condenadas, daqui a mais um tempo, a caírem com o barranco. Elas foram as primeiras anciãs do lugar que reverenciei e a quem pedi licença.

Dona Nair apareceu. Veio andando devagar, observando. Ao iniciarmos o diálogo, a primeira coisa que perguntei foi sobre as vovós castanheiras-sapucaia. Com expressão de generosidade e ao mesmo tempo de firmeza na fala, ela contou que foram plantadas ainda quando a comunidade estava sendo formada e foi relatando que já havia enfrentado uns garimpeiros que estavam dragando na frente ao povoado e provocando o desbarrancamento acelerado, o que explica por que as sapucaias estão na beira do barranco, prestes a cair. Isso, a princípio, nos deixou tristes, mas, ao saber que dona Nair plantou muitas outras delas, que já dão frutos e novas mudas, nos alegramos. Ela, inclusive, prometeu nos presentear com mudas antes que fôssemos embora.

O enfrentamento de dona Nair aos garimpeiros mostra a coragem das mulheres anciãs para defender suas comunidades. “Desde que eles começaram a mexer aí, começou a cair tudo”, contou. “Aí eu falei pra eles que podiam se retirar. Eu digo: ‘Olhem, vocês podem se arredar daí! Porque, se vocês não se retirarem, eu vou tomar providência agora.”

Dona Nair, moradora antiga da comunidade de Papagaio, é considerada uma “anciã guerreira” pela luta contra o garimpo e a degradação

Mesmo diante do desdém dos homens, ela não se intimidou: “Aí um [deles] disse assim: ‘Vá cuidar da sua casa’. Eu digo: ‘Vou cuidar da minha casa e cuidar da beira do barranco também’. Falei: ‘Por que vocês não estão vendo o que estão fazendo aí? Vou tomar providência agora’. Aí eu digo: ‘Vou em Calama [outra comunidade do rio Madeira] se não tomaram providência. Eu vou pra Porto Velho! Vou!’. Quando eu falei assim, foram saindo tudinho daí”.

Essa é dona Nair, grandiosa como as duas árvores que estão em frente à sua comunidade. Como ela, muitas mulheres do Baixo Madeira e outras partes do rio foram e continuam firmes, mesmo com tudo desmoronando ao seu redor. Enfrentam os que ameaçam seu lugar e vão atrás dos seus direitos coletivos.

Como podemos ver nesta fala de dona Nair, uma das consequências ambientais do garimpo são os desbarrancamentos das comunidades. Esse desbarrancamento não é só físico, mas também é de lugares de memórias, árvores centenárias, roçados, moradias, cemitérios. São interferências na dinâmica da vida das comunidades.

Margens do rio Machado, onde fazendeiros retiraram floresta na beira do rio e causaram desbarrancamentos. Foto: Agabawe (Iremar)

Depois de ouvir essa primeira parte da fala de dona Nair, Agabawe perguntou a ela: “Antes de eles construírem essa barragem que começaram em 2008, a senhora sabe se teve alguma inundação grande que chegou aqui em cima, nessa parte alta aqui da comunidade?”. “Não. A única coisa foi essa, em 2014”, respondeu. “Eu tinha três casas ali. Minha casa era bonita!”, contou ela. “Foi quando essa barragem veio. Se o senhor soubesse o que nós passamos…”

Dona Nair relatou que teve muito trabalho para tentar salvar parte de suas posses, como móveis e eletrodomésticos, com ajuda de parentes. “Com dois dias, [a água] estava lavando tudo. Era tudo: fogão, geladeira, freezer, tudo”, rememorou. Um neto a ajudou a construir jiraus para erguer parte dos objetos. “E eu fiquei lá pra dentro do mato, não pude fazer mais nada. Perdi uma porção de coisa”, relatou.

Enchente de 2014, o divisor de águas

Em 2014, pouco tempo após o início do represamento do rio por conta da construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, aconteceu uma grande inundação no rio Madeira, que afetou os territórios de povos indígenas, populações tradicionais e os espaços urbanos desde a Bolívia. Para o lado do Brasil, foram afetados diretamente Rondônia, Amazonas e Acre, mas, independente dessa divisão, todos os habitantes das margens do Iruri, e dos outros paranãs [rios] ligados à sua bacia hidrográfica, foram atingidos.

Animais como sucuris, jacarés e peixes morreram em grande quantidade, assim como antas, queixadas, pacas e cutias, dentre outros. Foram impactados os povos Mura, Tenharin, Parintitin, Mura Pirahã, Torá, dentre outros, assim como as populações dos espaços territoriais ribeirinhos e extrativistas.

De acordo com as conversas que tive com moradores do Distrito de Nazaré, iríamos precisar de uns 50 anos para recuperar as mortes dos animais, das árvores, dentre outras vidas que se perderam durante a inundação de 2014. Na avaliação das comunidades ribeirinhas, essa enchente foi causada pelas hidrelétricas construídas no nosso rio ancestral e que atravessaram nossas vidas.

Segundo dados do Serviço Geológico do Brasil, o nível do rio Madeira chegou a 19,69 metros em 2014, um recorde histórico, superando em mais de dois metros a máxima anteriormente aferida, de 17,44 metros. As empresas que construíram as hidrelétricas que barraram o rio – Jirau Energia e Santo Antônio Energia – não assumiram responsabilidade pelas tragédias causadas pela enchente, atribuindo-a às chuvas em nível recorde nas cabeceiras do rio Madeira.

Dona Raimunda Nogueira e sua filha Marina Gomes, perderam tudo na inundação de 2014 quando moravam em Calama, comunidade do rio Madeira. Até hoje não receberam indenização das empresas responsáveis pelas hidrelétricas. Foto: Agabawe (Iremar)

Além dos prejuízos relacionados à destruição de bens pessoais, animais e plantações, outro efeito da enchente de 2014 para as comunidades ribeirinhas do Baixo Madeira foi a perda de equipamentos públicos. Escolas e postos de saúde destruídos não foram recuperados em algumas comunidades. É o caso de Maravilha, derivada de antigo seringal estabelecido sobre território Mura. Lá, havia escola e posto de saúde, que, durante as inundações, foram destruídos.

Os atendimentos nunca mais foram restabelecidos: os ribeirinhos passaram a ser atendidos em uma vila construída para remanejar um bairro do lado oposto do rio, afetado por um porto graneleiro de soja. Mas, os moradores de Maravilha dizem que é muito difícil chegar a essa nova vila, principalmente para quem não tem transporte próprio. Durante a pandemia, eles relatam ter se mantido vivos com os remédios tradicionais da floresta, sem nenhum atendimento público.

Quando perguntamos para essas pessoas se, nessa situação de 2014, tiveram alguma ajuda do governo ou das empresas das hidrelétricas, elas revelam que não tiveram nenhum retorno do que perderam. E as perdas foram grandes: muita gente perdeu tudo que tinha e não teve apoio governamental para recuperar nada.

No caso da dona Nair, ela diz assim: “Vieram nada! O governo ainda mandava uma cesta básica, uma água, era o que traziam”. Ela conta que chegou a contrair malária e ficou muito mal: “Eu tava pra morrer com malária. Fui pra Porto Velho, a mulher pensou que eu ia até morrer na farmácia”.

No tempo da inundação de 2014, muitos moradores do Baixo Madeira perderam seus roçados, e uma das consequências disso foi o posterior envolvimento de famílias das comunidades com a mineração. “Perdemos abacate, outras coisas, jaca… Cupuaçu dava demais, aí acabou tudo, não escapou nada! Ficou só um pé que não dá nada”, relata dona Nair. “E, se plantar uma planta depois desse alagamento, eu não sei se é por causa da areia, sei que o que dá bem é a mandioca e a macaxeira; mas, das outras, você planta, quando dá fé, ela morre. Não conseguimos recuperar nada depois da inundação”.

Nair conta que os ribeirinhos ouviam rumores, à época, de que receberiam indenizações por conta da perda das plantações. “Diz que iam indenizar tudo pra gente fazer as casas da gente. Até hoje não apareceu nada! Nada! Bem verdade, veio. Veio juiz pra pegar o nome da gente, a foto, fazer perícia, mas não apareceu nada”, narra. A anciã explica que o que houve de recuperação foi por conta dos próprios ribeirinhos: “Saiu do bolso da gente fazer alguma coisinha, né?”.

Enchente em 2014 afetou povos indígenas e populações tradicionais na Bolívia e no Brasil, que perderam casas, pertences, equipamentos públicos e plantações. Foto: Agabawe (Iremar)

A construção das hidrelétricas no rio Madeira, iniciada no ano de 2008 – após um processo de licenciamento ambiental cheio de contestações por parte da sociedade civil, pesquisadores independentes, Ministério Público Federal –, aparece como marco divisor na vida das pessoas com quem conversei no Baixo Madeira. Todas elas falam da perda de qualidade de vida, destruição dos roçados, decadência da educação escolar, da saúde, da contaminação e falta de água potável e, o mais irônico de tudo, a falta de uma energia elétrica de qualidade. Poucos quilômetros rio abaixo das duas grandes hidrelétricas, com potência instalada de mais 7.300 megawatts, as populações tradicionais e os povos indígenas que vivem às margens do rio não têm acesso à energia elétrica. As comunidades utilizam, até hoje, geradores abastecidos com óleo diesel.

Quando visitamos Raimundo Junior, liderança da comunidade de Bonfim (parte do distrito de Nazaré), ele estava trabalhando na construção da sua nova casa. “Antes dessa enchente que deu, dessa hidrelétrica que fez esse estrago todo, era muito bonito aqui, tudo era paisagem, tudo era mata, a gente não derrubava. A gente preservava, aí veio essa enchente e acabou com tudo”.

Júnior calcula os prejuízos que teve em função da enchente de 2014: “Só eu perdi mais de seis mil pés de açaí. Banana, castanha. As caças! A gente ia lá, matava uma caça pra comer. Acabou tudo. A nossa fonte de renda era a agricultura, nós mexíamos com banana, açaí, a gente tirava pra vender também o cipó titica, borracha. Acabou! Não tem nada não, só mesmo o capoeirão aí. Agora que tá voltando de novo, mas o negócio de açaí, seringa, não tem mais. Os peixes que tinha lá no lago foram embora”.

Assim como dona Nair, Junior afirma que, após as perdas causadas pela inundação de 2014, não teve retorno de nada. Ele nos explica como foi que pessoas como ele passaram, então, a se dedicar ao garimpo após as perdas: “Antes a gente vivia da agricultura, agora a gente precisa trabalhar no garimpo. Antes não tinha essa prática de garimpo aqui”.

Mesmo com os altos e baixos dos preços dos combustíveis e da própria cotação do ouro, ele explica que o garimpo se firmou nos últimos anos entre os ribeirinhos. “Se você não trabalhar, não come, tá entendendo? O diesel tu tá vendo a altura, né, e o ouro baixou. E aí é assim, o cabra vai vivendo. Faz aqui, trabalha ali, ganha ali, perde ali, é assim”, relata. “Nos vimos obrigados a ir para o garimpo, com certeza. Foi onde nós recuperamos alguma coisa que perdemos”. Para Junior, trata-se de um “garimpo familiar”: “É da onde a gente sustenta a família, né?”.

A liderança comunitária reforça a impressão de que, desde o início da operação das hidrelétricas, a qualidade de vida só piorou na região: “Tinha lancha [no posto de saúde] ali em Nazaré. Tinha posto de saúde aí. Remédio. Agora não tem nada. Da hidrelétrica pra cá, fez só piorar”, lamenta. “Para eles é bom, que estão mandando energia adoidado pros estrangeiros. Mas pra nós mesmo, essa energia aqui… A gente paga aqui é cento e poucos reais, rapaz! E se tu fizer um miau aí, no outro dia, eles vão te prender.”

Raimundo Junior, que vivia da agricultura até a enchente em 2014, hoje dedica-se ao garimpo. “Se você não trabalhar, não come”, diz. Foto: Agabawe (Iremar)

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/a-vida-antes-e-depois-das-hidreletricas-no-madeira/

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