Diante de operação o Ibama para remover cerca de 20 mil garimpeiros ilegais, invasores tentam deixar a terra indígena e dizem estar com medo. Governo federal estendeu até o dia 6 de maio prazo para saída voluntária.
Por: Nádia Pontes | Créditos da foto: Edmar Barros/AP Photo/picture aliance. Helicópteros do Ibama sobrevoam área de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami em 11 de fevereiro
No interior da Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima, a dois dias de barco da cidade mais próxima, Juliana* diz estar com medo de seguir viagem. Ela pilota embarcações que transportam comida e pessoas para o garimpo e afirma que muitos querem sair dali.
O motivo é a operação em curso para a retirada de cerca de 20 mil garimpeiros ilegais da TI, realizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Força Nacional de Segurança Pública.
Sem prazo para acabar, a operação de combate à extração ilegal de ouro no território – o qual, segundo a Constituição, é de uso exclusivo dos indígenas – tem autorização para apreender e até destruir equipamentos usados na atividade, como máquinas, tratores, barcos e aviões.
“Os agentes do Ibama estão transitando no rio Uraricoera. Estamos com medo”, diz Juliana. Ela afirma que há uma semana está parada no mesmo lugar, com receio.
O governo federal estendeu até o dia 6 de maio o prazo para a saída voluntária dos garimpeiros da TI Yanomami. Está autorizada a circulação de aeronaves e barcos privados para esse fim, que podem transportar apenas as pessoas – e não as cargas.
“A situação aqui não é boa”
“Ainda tem muita gente em todo lugar”, escreve Juliana, adicionando que muitas mulheres fazem parte do grupo. “A situação aqui não é boa. A alimentação está ficando pouca, combustível não há”, afirma.
Do meio da Floresta Amazônica, ela responde às perguntas da DW via um aplicativo de mensagens. Questionada sobre como consegue acesso à internet, ela diz que é via rádio ou satélite.
Não muito longe dali, os yanomami enfrentam uma grave crise humanitária que matou ao menos 570 crianças nos últimos quatro anos. Vítimas de desnutrição e de doenças como malária, os indígenas sofrem o impacto direto do garimpo e da contaminação da água por mercúrio.
“É de conhecimento público que tem muita gente grande envolvida no garimpo, com muito poder financeiro. São empresários, políticos locais, pessoas com influência no estado, empresas sediadas em São Paulo que compram ouro e exportam”, comenta Ivo Macuxi, advogado e membro do Conselho Indígena de Roraima (CIR), que acaba de completar 50 anos.
Controle de quem entra e quem sai
Na sede do Ibama em Boa Vista, capital de Roraima, alguns barqueiros buscam informações sobre como entrar na TI para retirar garimpeiros. Segundo uma decisão conjunta das Forças Armadas, Funai, Ibama e Ministério dos Povos Indígenas, barcos podem trafegar no território desde que façam um cadastro prévio.
“Não é autorização, é só um cadastro. É para termos um controle de quem entra. Quem estiver lá dentro e não tiver cadastrado, a gente entende que está na terra indígena dando apoio ao garimpo”, explica à DW Givanildo dos Santos Lima, coordenador das ações de fiscalização do Ibama no local.
Além da identificação, o barqueiro deve fornecer informações básicas, como tipo de barco e motor, percurso a ser feito, quantidade de combustível transportada, número de garimpeiros que pretende retirar.
As embarcações devem ser vistoriadas na entrada e na saída da TI. Qualquer item localizado que não seja de uso pessoal deve ser apreendido, como equipamentos, minério extraído e armas. Os detalhes de como será feito o controle estão em discussão pelas autoridades envolvidas na operação.
Jailson Mesquita, servidor público que diz fazer uma interlocução política em prol dos garimpeiros por meio do movimento “Garimpo é legal”, diz que os barqueiros têm medo de fazer o cadastro e, mais tarde, serem intimados a depor.
“Tem viagem de canoa que demora sete dias para buscar o garimpeiro em área mais remota. Tem que levar alimento e combustível para todo esse período e para muitas pessoas”, argumenta.
Garimpeiros em Roraima
Cleiton Alves, radialista que, junto com Mesquita, atua no lobby pró-garimpo em Boa Vista, diz que mais da metade dos garimpeiros que atuavam ilegalmente no território yanomami já teriam deixado a área. Alves diz que a estimativa foi feita com base no tráfego intenso de canoas que chegam a Alto Alegre, município próximo à TI.
Para Givanildo dos Santos Lima, do Ibama, essa informação não procede.
Segundo Mesquita, cerca de 30 mil pessoas trabalham no garimpo no estado. “Tem ainda as pessoas que trabalham com frete, com as canoas, o supermercado vende muito para garimpeiros, quem vende combustível também ganha, é muita gente envolvida”, resume.
Questionado sobre o fato de esses garimpeiros serem invasores do território Yanomami, já que a atividade é proibida em terras indígenas, Mesquita diz ser a favor da retirada. “Têm que sair, é indiscutível. É irregular, não tinha como continuar”, opina, afirmando defender o trabalho regularizado fora da área.
Alves diz ter atuado em garimpo em outras regiões, um trabalho que considera difícil e que, segundo ele, muitas vezes não compensa. “Os ganhos dependem muito da forma como as pessoas trabalham, como elas repartem”, explica quando questionado sobre o lucro, negando a existência de “patrões” que financiariam a atividade.
Uma investigação da Polícia Federal (PF) apontou a atuação de organizações criminosas no garimpo. Uma delas, com células em pelo menos três estados, Roraima, São Paulo e Goiás, movimentou R$ 422 milhões em cinco anos no comércio de ouro vindo de garimpos ilegais em Roraima, segundo a PF. Entre os investigados estão empresários, advogados e até um servidor público de Boa Vista.
“Discurso pró-garimpo desumaniza indígenas”
Nas ruas de Boa Vista, selos de apoio ao garimpo são vistos por todo o comércio. Para as lideranças indígenas que denunciam há tempos o aumento da invasão em suas terras, especialmente nos anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a tensão é constante.
“Estamos buscando proteger as lideranças para não sofrerem ataques por conta das operações em curso”, comenta o advogado Ivo Macuxi.
Eriki Aleixo, pesquisador indígena, diz que é difícil estar na capital nesse contexto. “O garimpo movimenta muito a economia local e tem esse discurso de que traz riqueza. É difícil enfrentar. É um discurso que não considera os indígenas como parte da sociedade brasileira, é uma perspectiva que desumaniza os indígenas”, afirma o antropólogo.
Ao mesmo tempo, as ações de fiscalização são mais que bem-vindas. “Elas nos trazem esperança de que o governo federal agora está agindo para combater o crime dentro da terra indígena. Mas essa operação, por si só, não garante a proteção do território. É preciso um plano integrado dos órgãos para garantir a proteção dos povos”, analisa Ivo Macuxi.
Já há denúncias de que muitos garimpeiros que deixam a TI Yanomami seguem agora para territórios indígenas vizinhos em busca da exploração de ouro de forma ilegal.
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