União Europeia incentiva cem cidades, inclusive Paris, Madri e Amsterdã, a visarem o zero líquido de emissões carbônicas até o fim da década. Um plano ambicioso – mas não será tarde demais?
Governos de todo o mundo se comprometeram a, até o ano 2050, eliminar suas emissões de dióxido carbono nocivas ao clima. Enquanto muitos questionam se a meta é realista, a União Europeia (UE) tem uma ainda mais ambiciosa: até 2030 – ou seja, num prazo de sete anos – alcançar a neutralidade carbônica em cem cidades, entre as quais as capitais Paris, Madri e Amsterdã.
Ativistas e cientistas enfatizam que tal mudança em direção ao zero líquido de emissões rapidamente limparia o ar, tornaria as ruas mais segura, e os prédios, mais confortáveis.
“Todas essas emissões de CO2 não apenas causam problemas ambientais, mas também limitam nosso modo de vida”, observa a cientista Julia Epp, do Instituto de Pesquisa do Impacto Climático de Postdam, na Alemanha. “Simplesmente precisamos de muito mais ambição.”
Em 26 de março, a capital Berlim, que não consta da lista da UE, realizou um referendo para igualmente antecipar sua meta, de 2045 para o fim da década. Apesar de uma maioria apertada dos votos em favor da iniciativa, não se alcançou o quórum necessário a transformá-la em lei.
Quem polui mais, deve se apressar
As cidades que perseguem o objetivo de cessar as emissões precisarão modificar radicalmente o modo como seus habitantes se locomovem, vivem, comem e dormem. Em setores como transportes e construção, as tecnologias para esse fim já existem, mas na indústria e na agricultura a trajetória é bem menos definida.
A humanidade como um todo precisa cortar a poluição rapidamente, a fim de evitar que a temperatura global suba mais de 2ºC – o limite prometido pelos líderes mundiais no Acordo de Paris de 2015 –, idealmente 1,5ºC . Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), para tal seria necessário obter o zero líquido até meados do século – ou seja, as sociedades deveriam capturar tanto CO2 quanto lançam na atmosfera.
Até o momento, as tecnologias desenvolvidas para esse fim são limitadas, e os cientistas não estão seguros quanto a seu grau de eficácia. Ainda assim, a constatação do IPCC motivou mais de cem países a estabelecerem metas de zero líquido por volta de 2050.
A pressão também aumenta para que os países que mais têm poluído, sobretudo os da América do Norte e Europa, movam-se mais rápido. Embora 2050 seja uma média global, quase todos são signatários de Paris, o qual aceita que os Estados têm “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”.
Segundo peritos, convém sobretudo que as cidades acelerem seus esforços, pois elas emitem um volume desproporcional de gases do efeito estufa, em parte por terem populações maiores, que tendem a ser mais abastadas. Como revelou uma análise de 2022, sozinhas, dez regiões urbanas da Europa são responsáveis por 7,5% das emissões totais do continente. As cem cidades mais sujas produzem 20% do CO2 total.
As cidades europeias também possuem os recursos financeiros e as tecnologias necessários a cortar as emissões rapidamente, frisa Epp, segundo quem “fazer mais – ou fazer qualquer coisa – é sempre necessário e bom, pois nos ajudará a alcançar nossas metas climáticas”.
Desafio agudo para cidades industriais
Ainda assim, é difícil reduzir a zero, ou mesmo quase a isso, as emissões de uma cidade. Num setor como o de transportes, as autoridades podem banir os veículos a combustão, melhorar os transportes públicos e as ruas para os pedestres, mas eletrificar o abastecimento energético pode implicar mudanças que necessitam de apoio regional ou nacional.
“Colocar o prazo em 2030 vai exigir mobilização bem profunda”, reconhece Thomas Osdoba, diretor do programa NetZero Cities, da UE. Este apoia 12 cidades a caminho da meta do zero líquido, ajudando-as a superarem barreiras estruturais, institucionais e culturais, a partir da noção que as lições aprendidas com uma podem ser aplicadas a outra. Como a maioria das municipalidades apenas começou, é difícil avaliar suas perspecitivas de sucesso.
Trata-se de um processo impulsionado pela inovação, prossegue Osdoba: “Se um bom número de cidades for capaz de alcançar a meta especificada, e um número maior se mostrar capaz de avançar muito mais rápido em direção ao resultado, mesmo não chegando em 2030, aí eu diria que a missão foi um sucesso.”
Em certos setores, como a indústria pesada, soluções tecnológicas não estão em vista. As instalações para capturar o CO2 e armazená-lo debaixo da terra ainda não alcançaram a eficácia necessária a compensar as emissões das fábricas de cimento, por exemplo.
Isso transforma a descabornização num desafio para cidades mais industrializadas. Metrópoles portuárias como a holandesa Roterdã, ou a alemã Hamburgo, também terão dificuldade para chegar ao zero líquido sem auxílio no nível nacional ou europeu.
“Começar agora a agir é tarde demais”
No entanto, “a questão crucial não é a meta de 2030, mas o momento em que se começou a ação para alcançar a meta”, alerta Felix Creutzig, professor de Economia da Sustentabilidade da Universidade de Berlim.
Copenhague iniciou em 2012 a encarar seu objetivo de neutralidade climática até 2025, ano em que espera ter reduzido suas emissões em 82% em relação a 2010, sobretudo na eletricidade e calefação. Já as emissões pelos transportes são mais difíceis de conter, informa um porta-voz municipal.
O plano para capturar o dióxido de carbono de uma usina de incineração de lixo tampouco ficará pronto a tempo, e “a captura de carbono é uma opção altamente viável – e, no momento, possivelmente a única – para tornar os incineradores neutros em termos de carbono.” Ainda assim, se a capital dinamarquesa cumprir sua meta de menos 82% em 15 anos, será uma das cidades mais bem sucedidas na empreitada.
“Embora haja lacunas no plano de Copenhague, o cronograma permite que ela chegue perto da neutralidade climática em 2025”, reconhece Creutzig. “Por outro lado, só começar agora com a ação para a meta de 2030 é tarde demais.”
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