Estudo aponta que territórios indígenas conservados ajudam a evitar ao menos 15 milhões de casos de infecções respiratórias e cardiovasculares por ano. Áreas são eficientes em filtrar poluição causada por queimadas.
Por: Nádia Pontes | Créditos da foto: Carlos Fabal/AFP/Getty Images
Cruciais para a preservação da Amazônia e a continuidade dos povos indígenas, as terras demarcadas têm ainda um novo papel que a ciência começa a explorar. No Brasil, elas ajudam a evitar 15 milhões de casos de infecções respiratórias e cardiovasculares por ano, o que leva a uma economia de R$ 10 bilhões nos cofres públicos.
Esse tipo de cálculo, que quantifica o impacto das Terras Indígenas (TI) conservadas na saúde humana, é inédito. O esforço de estimar as cifras por parte de pesquisadores foi publicado na revista científica Communications, Earth & Environment, do grupo Nature, nesta quinta-feira (06/04).
“Por serem áreas conservadas, a gente esperava que elas teriam efeito positivo sobre a saúde humana. Mas os números que a gente encontrou foram chocantes, achamos que são extremamente altos, tanto de doenças evitadas quanto de valores econômicos”, comenta a bióloga Paula Prist, primeira autora do estudo, em entrevista à DW.
Os territórios analisados têm uma ação vital contra as queimadas, que causam muitos males aos humanos e são a principal fonte de poluição na Amazônia. O resquício da fumaça preta liberada entra nos pulmões, pode passar para o sistema sanguíneo e provocar doenças respiratórias, cardíacas, acidente vascular cerebral, enfisema, câncer de pulmão, bronquite, asma, dor no peito, problemas cardíacos, além de aumentar o risco de morte.
Para Dinaman Tuxá, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a ciência comprova o conhecimento tradicional dessas populações. “Os estudos têm demonstrado que nossas contribuições são benéficas para toda a humanidade; mostra a importância das terras indígenas para conter inúmeras enfermidades globais, como as mudanças climáticas e o efeito na saúde gerado pelas queimadas”, afirmou ele à DW.
Fogo na Amazônia corrói a saúde
Entre 2010 e 2019, período considerado no estudo, 1,68 tonelada de material particulado de pequeno porte (MP2,5) foi lançado na atmosfera devido ao fogo na floresta. No mesmo período, foram registrados nos 772 municípios que compõem a Amazônia Legal 1,4 milhão de casos de doenças respiratórias e cardiovasculares relacionadas aos incêndios florestais – o que equivale a uma média de 143 mil casos por ano.
Segundo os autores, a região com maior incidência média de infecções foi a do chamado arco do desmatamento. A cada ano, a área queimada acompanha a tendência da taxa de desmatamento, já que o fogo é o método usado para destruir o que sobrou da mata – e a principal via de transferência de carbono contido na vegetação para a atmosfera.
“Nosso modelo indicou que, para cada aumento de 1 kg de MP2,5 lançado no ar, foram 21 novos casos de infecções relatadas em toda a Amazônia brasileira, e dois novos casos em territórios indígenas”, apontam os pesquisadores.
Ao mesmo tempo em que surpreendem, os números encontrados no estudo ainda podem estar subestimados. É que a fumaça tóxica liberada pelas queimadas pode viajar por muitos quilômetros, e a análise só considerou o efeito dela no município onde o fogo foi detectado pelos satélites.
“Populações que moram a até 500 quilômetros [de distância] podem ser afetadas. Isso quer dizer que uma terra indígena que está distante desse incêndio pode estar provendo esse serviço de proteger a saúde”, afirma Prist, que é pesquisadora da Ecohealth Alliance, uma instituição de pesquisa sem fins lucrativos com base em Nova York.
Dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS) divulgados pelo Ministério da Saúde apontam que doenças do aparelho respiratório e circulatório estão entre as principais causas de internação hospitalar no Brasil. Idosos, crianças, mulheres grávidas e pacientes com doenças cardiorrespiratórias ou doenças crônicas prévias são mais expostos ao risco.
Segundo um levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), a poluição do ar é a causa da morte de mais de 50 mil pessoas por ano no Brasil. Um estudo do Ministério da Saúde brasileiro estimou que, em 2016, mais de 44 mil mortes foram causadas por doenças crônicas atribuídas à poluição.
Árvores filtram poluição para todos
A explicação para a barreira de proteção que as terras indígenas na Amazônia exercem está numa das diversas funções das árvores. Suas folhas atuam como um biofiltro, removem a poluição principalmente pela absorção das partículas nocivas pelos estômatos e, com isso, melhoram a qualidade do ar.
O estudo mostrou que os territórios indígenas têm uma capacidade de absorção de poluentes maior que sua área correspondente. Embora cubram quase 22% de toda a Amazônia, eles podem filtrar até 27% dos poluentes lançados no ar pelas queimadas.
Os pesquisadores estimam que, ao todo, a Floresta Amazônica poderia absorver uma média de 26 mil toneladas de MP2,5, sendo que 7.192 toneladas são “filtradas” em terras indígenas. Em destaque nessa função aparecem as TIs Vale do Javari, Yanomami, Alto Rio Negro, Mekragnoti e Trombetas.
“Isso provavelmente está relacionado ao tamanho dos territórios e à presença de floresta dentro deles, pois quanto maior a cobertura arbórea, maior a remoção da poluição”, afirmam os autores.
A pesquisa mostrou também que um número menor de infecções foi encontrado em municípios com áreas mais florestadas e com baixo nível de fragmentação, o que provavelmente está relacionado à capacidade potencial da Floresta Amazônica em absorver MP2,5.
Da ciência para a política
Dedicada a entender as conexões entre a conservação da natureza e a saúde humana, a brasileira Paula Prist iniciou a pesquisa sobre o impacto das terras indígenas ainda no começo do governo Jair Bolsonaro.
“O governo enfraqueceu os direitos indígenas, e nós procuramos saber se esses territórios, com grandes áreas florestais, conseguem prover serviços de regulação das doenças. E, como foi demonstrado, as terras indígenas têm uma enorme capacidade”, justifica Prist.
“A gente faz ciência para mostrar que os efeitos da preservação vão muito além da conservação da biodiversidade. Ela traz um retorno financeiro, e a gente tem que começar a olhar para isso, o quanto sai caro a gente desmatar, tirar o direito sobre a terra. A floresta vale mais em pé que no chão, para todo mundo”, comenta a pesquisadora.
Uma das sugestões do estudo é que o dinheiro que o Estado economiza em internações ao manter a Floresta Amazônica seja usado para promover ações de conservação e garantir os direitos dos povos indígenas.
“Está mais que justificado que precisamos de fortalecimento da política indigenista, das brigadas indígenas para conter queimadas, da demarcação e fiscalização. O Estado também deveria punir seriamente quem provoca o fogo, que gera tantos danos ambientais e para a saúde, além dos custos”, sugere Dinaman Tuxá.
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