Os trilhões de dólares despejados nos mercados financeiros, a covid e a guerra ressuscitam o fantasma dos anos 1980. Ex-ministro argentino explica o que mudou; qual o papel do FMI; e por que o Sul precisa exigir a negociação política dos débitos
Por: Martín Guzmán | Entrevista com: Lynn Parramore |Tradução: Maurício Ayer
Mais da metade dos países em desenvolvimento no mundo estão atualmente em uma crise de endividamento ou caminhando para ela.
As pessoas estão acordando para o fato de que outra enorme crise de endividamento internacional está surgindo no horizonte, em uma escala que não se via desde a crise do início dos anos 1980, após a qual a América Latina e a África sofreram uma “década perdida”. Implosões dessa magnitude podem acabar com anos de progresso em saúde, educação e estabilidade social. Entretanto, muitas pessoas não entendem por que e como isso está acontecendo.
Com a nova crise da dívida no Sul Global ganhando força, o economista Martín Guzmán, ex-ministro da Economia da Argentina, professor da Universidade de Columbia (EUA) e da Universidade Nacional de La Plata (Argentina) e co-presidente da Iniciativa para o Diálogo sobre Políticas da Universidade de Columbia, oferece sua perspectiva sobre o que levou a esta situação e o que pode ser feito para resolvê-la. Em sua opinião, as crises de dívida não podem ser compreendidas sem analisar a dinâmica de poder em jogo.
Leia a entrevista.
Lynn Parramore – O que aconteceu para que se criasse de repente essa situação alarmante?
Martín Guzmán – O que estamos vendo emergir é uma crise de dívida no Sul Global. Uma série de eventos nos levou a essa situação. Vou distinguir três eventos críticos.
Para entender a dinâmica da dívida no Sul Global, é sempre essencial olhar para o que está acontecendo com as políticas monetárias no Norte.
O primeiro evento crítico para a compreensão dessa crise da dívida ocorreu há uma década e meia. A resposta à crise financeira dos EUA envolveu a criação de uma enorme quantidade de liquidez por meio da política de “flexibilização quantitativa” (Quantitative Easing) iniciada pelo Federal Reserve dos EUA e seguida por outros bancos centrais em países avançados. Essa liquidez tornou-se global, como sempre acontece em uma economia mundial com mobilidade de capitais. Em um mundo de taxas de juros próximas de zero, houve uma “caça ao rendimento”, um conceito peculiar que envolve a busca de remuneração acima das taxas do mercado global. Em um mercado competitivo, isso, é claro, implicaria uma escolha particular de risco e retorno que não significaria um retorno ajustado ao risco mais alto.
Nesse contexto, vimos que um número significativo de países teve acesso, pela primeira vez, aos mercados internacionais de crédito, mas a taxas que reconheciam a existência de riscos. Este foi o caso dos países africanos que estavam tomando empréstimos a taxas de juros de 8-10% quando os títulos do Tesouro das economias avançadas estavam rendendo taxas próximas de zero, e até mesmo negativas em alguns casos. Países que antes faziam parte do grupo dos “Países Pobres Altamente Endividados”, como o Gana ou a Zâmbia, ambos atualmente em crise de dívida, conseguiram colocar títulos no estrangeiro, mas a taxas elevadas.
Também tivemos países que voltaram a acessar os mercados internacionais de crédito. O caso mais marcante foi o da Argentina em 2016. Após o fim de uma longa disputa na justiça estadunidense com fundos abutres, que incluiu 15 anos de exclusão dos mercados internacionais de crédito privado, voltou a tomar crédito denominado em dólares norte-americanos, a taxas médias de 7%, quando as taxas de juros globais ainda estavam próximas de zero.
O segundo evento crítico foi a covid-19. A pandemia provocou aumentos da dívida global à medida que os setores públicos dos países viram suas receitas tributárias caírem e precisaram aumentar seus gastos. Para as economias avançadas, isso não teve consequências de sustentabilidade, mas principalmente consequências intergeracionais: as gerações futuras pagariam as dívidas contraídas hoje. Mas para vários países do Sul Global, essa situação criou um estresse de dívida imediato.
O golpe mais recente foi a guerra na Ucrânia, que fez da inflação a principal preocupação das autoridades econômicas de todo o mundo. A resposta dos bancos centrais das economias avançadas incluiu aumentos nas taxas de juros e o desmantelamento do “quantitative easing” (flexibilização ou afrouxamento quantitativo) da década e meia anterior, o que se convencionou chamar de “quantitative tightening” (“aperto quantitativo”). Isso significa que há menos liquidez global e que esta é mais cara.
Os bancos centrais têm seus próprios mandatos e não consideram as repercussões internacionais de suas ações. Para o Sul Global, torna-se mais difícil refinanciar dívidas e, em muitos casos, [a situação] torna-se insustentável. Sem acesso aos mercados de crédito para refinanciar as dívidas, saldá-las implicaria em desestabilizar a dinâmica econômica e social, o que significa recessões mais profundas, mais desemprego e mais inflação.
Esses resultados mostram como as políticas de algumas nações poderosas têm repercussões significativas para o resto do mundo.
Como esse problema de dívida iminente é diferente do que aconteceu em 2008 e dos famosos problemas de dívida da década de 1980, que muitas vezes se diz terem levado a uma “década perdida” em muitas partes do mundo?
Existem semelhanças e diferenças importantes entre o que está acontecendo agora e os anos 1980. Em ambos os casos, os problemas foram precedidos por um período de crescimento da liquidez global que se reverteu abruptamente. Na década de 1970, os choques do preço do petróleo levaram a enormes superávits comerciais para os países exportadores de petróleo e déficits para os importadores. Esses superávits foram a base para os empréstimos aos países deficitários. Em 1981, o Federal Reserve dos EUA respondeu à inflação elevando as taxas de juros para um pico de 20%. Hoje, o Federal Reserve também elevou as taxas acentuadamente, mas não tanto. Em ambos os casos, as políticas monetárias contracionistas nas economias avançadas criaram problemas em outros lugares.
A primeira diferença fundamental é que a crise da dívida da década de 1980 incluiu problemas em um conjunto diferente de economias do que vemos agora. A maior parte da Europa Oriental estava em crise: primeiro a Polônia, depois a Romênia, a Hungria e a Iugoslávia solicitaram financiamento do FMI no início da década. Também afetou as grandes economias da América Latina, incluindo Brasil e México. Os empréstimos do FMI atingiram valores recordes na época, e esses fundos foram usados para resgatar credores privados.
A segunda diferença fundamental em relação à década de 1980 é a composição dos credores e o tamanho de sua exposição. Naquela época, o financiamento privado internacional a países soberanos vinha principalmente na forma de empréstimos bancários comerciais. As exposições bancárias, especialmente dos Estados Unidos e do Japão, eram tão grandes que uma onda de defaults soberanos na América Latina teria criado uma crise financeira nessas duas economias avançadas e quase certamente teria se transformado em uma crise global.
Eu testemunhei uma situação interessante anos atrás enquanto lecionava na Trento Summer School, uma fantástica escola acadêmica para alunos de doutorado criada pelo grande economista sueco Axel Leijonhufvud. Em sua palestra, um economista aposentado do Federal Reserve de Nova York, responsável pelo mercado de empréstimos sindicalizados do euro e que lidou com a crise da dívida latino-americana a partir dessa posição, disse-nos francamente que os bancos americanos estavam tão expostos que o governo dos EUA teve que usar o peso de sua política externa para a região, a fim de garantir que não houvesse uma onda de inadimplência nos países dessa região. O país exerceu uma enorme pressão política ao longo da década, que foi o tempo que levou para chegar a um ponto em que aceitar algumas perdas não levaria seu sistema bancário à falência. Tínhamos na plateia economistas latino-americanos que estiveram envolvidos na elaboração de políticas em seus países durante aquela década. Eles viram em primeira mão como a falta de divisas levou a uma década perdida quanto ao crescimento e, em alguns casos, à hiperinflação, como na Argentina. Lembro-me dos rostos sombrios. Quando os governos tomam empréstimos em moeda estrangeira, devem estar cientes de que a resolução de crises de dívida soberana são processos geopolíticos. Isso era verdade na década de 1980 e é verdade agora, embora a composição dos credores e a geopolítica associada sejam diferentes hoje.
Os eventos da década de 1980 mudaram o sistema financeiro internacional e prepararam o terreno para que a dívida em títulos se tornasse a principal fonte de financiamento privado internacional para os soberanos. Isso nos leva à terceira diferença fundamental: o universo de credores privados é hoje mais fragmentado e mais complexo de coordenar. Isso também significa que as relações entre devedores, credores privados e credores oficiais são diferentes.
Com a dívida de títulos, as reestruturações também podem envolver disputas com detentores de contratos de derivativos, titulares de sentenças de arbitragem e outras categorias do que deveríamos chamar de “demandantes de recursos estatais” em vez de credores.
Ao longo da última década e meia, houve um aumento significativo na incidência de novos credores bilaterais oficiais, referidos como “credores não pertencentes ao Clube de Paris”, em oposição ao grupo estabelecido de grandes países credores bilaterais que coordenaram suas negociações com países devedores durante quase 70 anos, reunindo-se regularmente em Paris. Este novo grupo tem a China como principal ator, mas também inclui outros credores oficiais emergentes, como Índia, África do Sul e Arábia Saudita.
Tudo isso significa que o grupo de devedores em situação de vulnerabilidade, a exposição do sistema financeiro internacional e o grupo de credores são diferentes agora do que eram na década de 1980. Como consequência, a crise atual provavelmente será menos sistêmica, mas será ruim para os países que sofrem com isso. A solução exigirá uma distribuição de quitações de dívida entre categorias de credores que estão interagindo pela primeira vez na história e têm interesses políticos concorrentes.
Para resolver as crises de dívida dos países, nem antes nem agora existe um sistema multinacional para a reestruturação da dívida. Esta é uma grande deficiência da arquitetura financeira internacional, que não é acidental, mas sim resultado das relações de poder internacionais.
Você estudou economia internacional durante anos em sua vida acadêmica. Em seguida, pediram que você liderasse as negociações com os credores de seu país. Como essas duas experiências afetaram sua compreensão do problema da dívida internacional? Há algum conhecimento especial que ajudou a partir da teoria acadêmica?
Ao lidar com uma crise de dívida soberana como formulador de políticas, há duas questões fundamentais que precisam ser claramente definidas.
Em primeiro lugar, que tipo de operação de reestruturação da dívida seria compatível com o objetivo de restaurar a sustentabilidade da dívida, ou seja, restaurar as condições para implementar um plano de política econômica que favoreça a recuperação econômica e estabeleça condições para um progresso sustentado.
Em segundo lugar, você precisa entender a dinâmica de poder em jogo, tanto internacional quanto nacionalmente. Toda reestruturação da dívida soberana é um processo político que envolve conflito, pois há consequências distributivas desses processos. Há também implicações de eficiência que podem não recair apenas sobre as partes interessadas individualmente. Os processos de reestruturação afetam não apenas a forma como o bolo é distribuído, mas também o tamanho do bolo que será dividido entre o devedor e seus credores.
Entender questões técnicas ajuda. Um elemento crítico de todo processo de reestruturação da dívida é uma análise de sustentabilidade da dívida que identifica se a dívida é sustentável e, se a resposta for negativa, calcula a quantidade de amortização necessária para restaurar a sustentabilidade. Você precisa entender tanto a teoria quanto a prática da análise de sustentabilidade da dívida para projetar uma estratégia apropriada.
Considere o caso da reestruturação da dívida da Argentina em 2020. Em 2018, após dois anos de empréstimos significativos em moeda estrangeira, principalmente sob a lei de Nova York, o país perdeu novamente o acesso aos mercados internacionais de crédito. O governo imediatamente recorreu ao FMI, que, com apoio político do governo Trump, concedeu o maior empréstimo da história da instituição. Foi aprovado um empréstimo de US$ 50 bilhões, depois aumentado para US$ 57 bilhões, dos quais quase US$ 45 bilhões foram desembolsados, até que o FMI interrompeu os desembolsos quando o ex-presidente argentino perdeu nas eleições primárias de 2019, outra comprovação de que o empréstimo era de natureza política. Para constar, logo que assumiu o cargo, o presidente Alberto Fernández deixou claro que o governo não queria aumentar sua dívida com o FMI e, portanto, não buscaria receber os US$ 12 bilhões adicionais que haviam sido aprovados.
Em dezembro de 2019, assumimos o governo e eu me tornei o Ministro da Economia do país. Imediatamente começamos a enfrentar a crise da dívida. Havíamos feito uma análise de sustentabilidade da dívida que indicava que a dívida pública em moeda estrangeira era insustentável e que uma reestruturação da dívida com uma redução significativa nos pagamentos programados era condição necessária para a retomada do crescimento. Na época, a economia estava em queda livre.
Supostamente, uma análise de sustentabilidade da dívida deve ancorar as expectativas. Mas no contexto de interesses criado, em que as implicações distributivas de uma reestruturação são da ordem de dezenas de bilhões de dólares, o lobby é intenso e pode ser muito eficaz em deslegitimar a análise produzida por um governo devedor, mesmo que seja baseado na teoria e na literatura empírica mais avançadas e que conte com o reconhecimento dos principais especialistas internacionais. Então, pedi ao FMI, que também era credor, para fazer uma análise de sustentabilidade da dívida. Deveria fornecer diretrizes que pudessem orientar as expectativas tanto dos credores privados quanto do sistema político nacional.
A resposta inicial do corpo técnico do FMI foi surpreendente. Alguns disseram que não podiam fazer essa análise porque meu país não estava sob um programa apoiado pelo FMI (o programa anterior havia falhado completamente e já havia sido rejeitado, algo que o próprio corpo técnico do FMI reconheceu anos depois, no pós-programa publicado em 2022), de modo que não poderiam saber quais seriam os parâmetros de política que deveriam usar como insumo para a análise da sustentabilidade da dívida. Essa posição me pareceu ridícula. Minha resposta foi que éramos uma nação soberana e, como tal, poderíamos fornecer as informações sobre as políticas que iríamos implementar, mesmo que o país não estivesse sob um programa apoiado pelo FMI. Houve algumas discussões e eu voei para Washington D.C. após as reuniões do G-20 na Arábia Saudita em fevereiro de 2020 para avançar em uma negociação para realizar uma análise de sustentabilidade da dívida, que deveria ser direito de qualquer membro do FMI. Por fim, a administração do FMI decidiu produzir uma “análise técnica da sustentabilidade da dívida” em resposta ao nosso pedido. Os resultados dessa análise mostraram-se notavelmente semelhantes aos da análise produzida pelo governo da Argentina.
Os credores não gostaram. Reclamaram muito. Alguns credores me disseram explicitamente que a equipe do Tesouro dos EUA estava dizendo a eles para não darem atenção ao documento do FMI. Nesse contexto, foi difícil ancorar as expectativas dos credores, mas a análise de sustentabilidade da dívida do FMI ajudou em um sentido muito importante: ela nos ajudou a lidar com o que eu chamaria de “problema interno de economia política”, ou seja, que nosso próprio sistema político interno, por diferentes razões, não estava preparado para lidar com uma negociação difícil e havia sinais para os credores de que o governo não estaria disposto a permanecer em uma situação de inadimplência, mesmo que isso significasse um acordo muito ruim. O fato de o FMI ter dito o que disse sobre a insustentabilidade da dívida argentina fortaleceu o poder da equipe de negociação para lidar com as pressões internas, já que não era fácil para alguns setores da política nacional se posicionarem à direita do FMI.
De que forma você acha que a teoria econômica e a prática jurídica estão mudando em resposta às forças que você mencionou anteriormente?
Os modelos canônicos de dívida soberana têm dificuldade em explicar ou contabilizar os fatos sobre inadimplência, reestruturações e retornos da dívida soberana. A literatura econômica padrão sobre dívida soberana não incorpora uma dimensão fundamental para a compreensão da dinâmica da dívida soberana: o poder.
Um artigo recente de Josefin Meyer, Carmen Reinhart e Christoph Trebesch, “Títulos soberanos desde Waterloo”, analisa os dados sobre os retornos ex-post da dívida soberana desde a derrota de Napoleão Bonaparte em Waterloo em 1815, evento que marca uma onda de criação de nações soberanas, que leva em conta as perdas associadas a inadimplências e reestruturações, e encontra evidências que lançam luz sobre como o sistema realmente funciona: os retornos reais médios dos títulos públicos denominados em moeda estrangeira excedem significativamente os dos títulos emitidos pelos tesouros dos EUA ou do Reino Unido em uma ordem de magnitude de 400 pontos-base em média e, na maioria dos países latino-americanos, a margem é ainda maior. Por exemplo, o rendimento real médio dos títulos da Argentina nos últimos 140 anos é mais de 500 pontos-base mais alto do que o do Tesouro dos Estados Unidos, mesmo contabilizando todos os defaults.
O que explica isso? Uma possível explicação é que os credores privados são avessos ao risco e, portanto, os modelos que assumem que eles são neutros ao risco ou que os riscos estão suficientemente diversificados não podem explicar esse resultado. Não acho essa explicação muito plausível, pois nesse caso devemos observar que os credores menos avessos ao risco ou aqueles que gerenciam melhor o risco tornam-se os “compradores marginais” dos títulos. Para mim, essa evidência sugere que existem rendas provenientes do poder de mercado, e isso tem a ver com a forma como o sistema funciona. É a forma como o poder molda o sistema, algo que a literatura econômica não explorou em profundidade. Em outras palavras, o poder no sistema reajusta os retornos em favor dos credores.
O papel do poder deve ser parte central de uma agenda de pesquisa em economia em geral e especificamente no campo da dívida soberana.
Em termos práticos, houve uma evolução relacionada à dinâmica da geopolítica, conforme descrevi anteriormente. Permita-me destacar duas questões que são importantes para a prática da resolução de crises de dívida soberana hoje.
A primeira está relacionada com a coordenação dos credores. Ainda não temos nada remotamente parecido com uma estrutura de falência para soberanos, então as negociações ocorrem no contexto do que chamo de não-sistema internacional. Desde o fim do sistema de Bretton Woods, vimos resultados ruins na resolução de crises de dívida. O sistema atual produz incentivos que atrasam o início das reestruturações e que, quando realizadas, geralmente trazem amortizações insuficientes para permitir que os países voltem a crescer. A literatura se refere a esse problema como a síndrome de “muito pouco tarde demais”.
Há muito que os maiores especialistas mundiais na matéria reclamam a criação de um sistema multinacional de reestruturação da dívida soberana. O “Relatório Stiglitz” de 2009 ao Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre as reformas do sistema monetário e financeiro internacional é claro sobre isso e antecipa os problemas que estamos vendo. Em 2001, o próprio FMI promoveu uma proposta de Mecanismo de Reestruturação da Dívida Soberana. Embora fosse difícil para os países devedores aceitar um credor como juiz, a iniciativa não obteve o apoio dos acionistas, ou pelo menos do principal acionista do FMI, que teria que ir ao Congresso de seu país para uma votação que permitiria uma mudança nos Acordos do FMI.
O mais recente avanço na coordenação dos detentores de títulos privados foi o endosso de cláusulas de ação coletiva aprimoradas que facilitam a agregação de credores privados e tornam o comportamento de resistência do fundo abutre menos lucrativo em valor esperado. Essas medidas ajudaram, mas não são suficientes para garantir uma reestruturação efetiva. Essas cláusulas foram testadas pela primeira vez na reestruturação da dívida da Argentina em 2020.
O segundo problema que merece destaque está relacionado ao FMI. Há alguns dias, em 3 de abril, a Iniciativa para o Diálogo sobre Políticas da Universidade de Columbia organizou uma mesa redonda de especialistas em dívida soberana na Escola de Negócios da universidade. A reunião contou com representantes de países devedores, do Departamento do Tesouro dos EUA, da China, de credores privados, do FMI e de acadêmicos e profissionais da reestruturação. Tivemos algumas discussões reveladoras. Os países devedores reclamaram que, quando o FMI produz uma análise da sustentabilidade da dívida, essa análise permanece secreta até que o Conselho Executivo do FMI aprove o programa financiado pelo FMI. A maioria dos formuladores de políticas não sabe que pode tornar pública toda a informação; eles são pressionados ou instados a não fazê-lo. Como países membros, eles poderiam solicitar ao FMI que realizasse uma análise de sustentabilidade da dívida como assistência técnica e publicá-la mesmo que não houvesse negociações para um programa financiado pelo FMI. Os países também podem tornar públicos todos os memorandos que constituem programas financiados pelo FMI antes de serem submetidos à aprovação do Conselho Executivo. É assim que as coisas devem ser feitas. As sociedades devem ter a oportunidade de discutir publicamente os acordos entre o governo e a equipe do FMI que tenham consequências de magnitude para o seu desenvolvimento.
É peculiar que o FMI queira que os programas sejam “propriedade” do país, mas a instituição não tem preferência pela transparência. Se você quer que as pessoas sejam donas do programa, você deve permitir que as pessoas vejam o programa.
Em 2022, na Argentina, imediatamente após chegar a um acordo com o corpo técnico do FMI para refinanciar a dívida de US$ 45 bilhões contraída em 2018-2019, todos os memorandos foram apresentados ao Congresso Nacional. Em 2020, apresentei um projeto de lei que torna obrigatória a aprovação do Congresso para ter qualquer programa de financiamento com o FMI. Foi aprovado em 2021 quase por unanimidade. Este foi o primeiro país a adotar tal estrutura legal, e acho que outros fariam bem em fazer o mesmo.
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