Aprovado na ditadura militar, texto da atual Carta Magna chilena foi alterado várias vezes desde então. Ainda é possível falar em “Constituição de Pinochet”?
Por: Viola Traeder | Créditos da foto: Esteban Felix/AP/picture alliance. Manifestação a favor do general Augusto Pinochet em Santiago, em abril de 2023
A atual Constituição do Chile foi aprovada em 1980, durante a ditadura do general Augusto Pinochet. Desde então, passou por mais de 60 alterações, incluindo reformas profundas.
Mesmo após a entrada em vigor da Constituição, o país continuou em estado de emergência, explica o constitucionalista Javier Couso, da Universidade Diego Portales, de Santiago do Chile. Os direitos fundamentais não foram aplicados até a transição democrática, em 1989.
Naquele ano a Constituição passou por sua primeira grande reforma. “Houve negociações com a oposição para que a ditadura eliminasse alguns dos aspectos mais grotescamente inaceitáveis”, diz Couso.
Na maior reforma, em 2005, no governo do presidente social-democrata Ricardo Lagos, foram eliminados dois dos aspectos mais questionados do texto original. Até então, de 20% a 25% dos assentos do Senado não eram eleitos democraticamente, “alterando a vontade popular”, destaca Couso.
Além disso, os comandantes das Forças Armadas continuavam sem estar sob controle civil.
Nos últimos três anos houve novas reformas, que permitiram implementar os atuais processos constituintes. O primeiro processo, no qual a esquerda elegeu a maioria, resultou numa proposta de nova Constituição rechaçada em plebiscito. O segundo está em andamento, com a recente eleição de um conselho constitucional majoritariamente de direita.
Ainda é a Constituição de Pinochet?
Diante de tantas mudanças, ainda é possível se referir à atual Carta Magna como sendo a “Constituição de Pinochet”? “Não compartilho dessa denominação”, afirma o constitucionalista Miguel Ángel Fernández, da Pontifícia Universidade Católica do Chile.
Na visão dele, sobretudo a reforma de 2005, mas também com a interpretação e aplicação da Carta Magna pelo Poder Judiciário e pelo Tribunal Constitucional, foram “mudando ou matizando, de forma mais ou menos profunda, conforme o assunto, o que estava definido no texto original”.
Já Couso diz que “tem certa lógica falar em ‘Constituição de Pinochet’ porque, em todas as reformas, não há uma vírgula ou uma letra que não tenham sido uma concessão dos partidos herdeiros da ditadura”.
Segundo ele, seria como se Cuba virasse uma democracia com uma Constituição marxista e reformas no texto dependessem das concessões dos herdeiros políticos do Partido Comunista.
Ambos os especialistas dizem haver vários aspectos progressistas no texto da atual Constituição, que poderiam ser recuperados na redação da nova Carta Magna. Couso destaca a introdução do segundo turno nas eleições presidenciais, e Fernández, “o reconhecimento da dignidade humana, o fato de que o Estado se encontra a serviço das pessoas e os direitos essenciais que emanam da natureza humana como limites ao poder”.
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