OGMs ainda são controversos. Mas a edição genética é o melhor método baseado na ciência para um sistema alimentar sustentável em meio à perda de biodiversidade, à crise climática global e ao aumento da população?
Por: Fred Schwaller | Créditos da foto: Zhouzhiyong/Sipa/Zuma/picture aliance. O uso de terras agrícolas é um dos principais impulsionadores da perda de biodiversidade e das mudanças climáticas
Produzir alimentos é terrível para o meio ambiente. A agricultura é responsável por um quarto das emissões de carbono na atmosfera e pela grande maioria das perdas de biodiversidade no mundo.
E enquanto o declínio ambiental continua, a população mundial segue crescendo. A ONU prevê que a população global chegue a 10 bilhões em 2057.
Isso levanta a questão: como aumentar a produção de alimentos em 50% e, ao mesmo tempo, tentar mitigar as catástrofes da perda de biodiversidade e a crise climática?
“Passamos a entender que usar mais terra para agricultura é o maior pecado em relação à mudança climática e à biodiversidade. Isso significa que precisamos produzir alimentos em menos terra para proteger a natureza”, explica Matin Qaim, especialista em economia alimentar e diretor do Centro de Pesquisa sobre o Desenvolvimento da Universidade de Bonn, na Alemanha.
Como alimentar 10 bilhões de pessoas?
Qaim explica que, em termos gerais, existem duas abordagens diferentes para a questão.
“Uma vertente diz que precisamos de mudanças na dieta para tornar o consumo mais sustentável. Isso significa menos desperdício, menos carne. A outra vertente argumenta que precisamos de melhores tecnologias para criar métodos de agricultura mais ecológicos”, disse à DW.
Para ele, no entanto, ambas as abordagens são necessárias. Por um lado, é preciso mudar a forma como os alimentos são produzidos – em particular, reduzindo o consumo humano de proteínas e nutrientes de origem animal. Mas isso não é o suficiente. Como muitos especialistas, ele acredita que as tecnologias genéticas são uma parte crucial da estratégia para um sistema alimentar sustentável.
“Todo mundo quer produzir mais alimentos em menos área, com menos pesticidas químicos e com menos fertilizantes. Se você puder [usar tecnologias genéticas para] desenvolver plantas mais tolerantes e resistentes, é uma coisa boa”, analisa.
O que são OGMs?
Organismos geneticamente modificados (OGMs) têm o DNA alterado, o que muda suas propriedades. Culturas geneticamente modificadas (GM) podem ter melhor rendimento, ser mais resistente a pragas, geadas ou secas ou ter mais nutrientes adicionados.
Elas também podem ser modificadas para reduzir as emissões de carbono e aumentar a sustentabilidade da produção de alimentos. Embora difundida, a produção de culturas geneticamente modificadas usa apenas cerca de 10% das terras usadas pela produção de culturas não-GM.
“A GM nada mais é do que uma técnica de criação, muito parecida com o cruzamento que fazemos há milhares de anos. Mas é mais sofisticada, então podemos fazer mudanças muito precisas, muito rapidamente”, explica David Spencer, fitopatologista e porta-voz da Replanet, uma aliança de ONGs que defendem soluções científicas para as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade. Sua campanha Reboot Food tem como foco a produção sustentável de alimentos.
Os OGMs foram introduzidos pela primeira vez nos Estados Unidos em 1994, com plantas de tomate modificadas para amadurecer mais lentamente e prolongar sua vida útil. Desde então, uma ampla gama de culturas como soja, trigo e arroz foram aprovadas para uso agrícola, juntamente com bactérias GM cultivadas para produzir grandes quantidades de proteína.
Cientistas na Índia também desenvolveram variedades de arroz sub-1 que são muito mais resistentes a inundações.
As inundações são um problema nas regiões produtoras de arroz do norte da Índia e de Bangladesh, que deve piorar à medida que a crise climática se desenvolve. Agora, 6 milhões de agricultores na região estão usando arroz sub-1 para proteger suas plantações.
O arroz dourado, por outro lado, é uma cepa de arroz geneticamente modificada para conter vitamina A, com o objetivo de combater a escassez desse nutriente na dieta em partes da Ásia e da África.
Resistência a doenças
A tecnologia de edição de genes também ajudou a salvar a produção agrícola das pragas. No final do século 20, o vírus da mancha anelar do mamão quase destruiu as plantações da fruta no Havaí. Até que um cientista local desenvolveu um mamão modificado mais resistente ao vírus. As sementes foram distribuídas aos agricultores, salvando a produção de mamão uma década depois.
David Spencer também trabalhou na proteção da soja contra doenças fúngicas que se espalham pela América.
“Atualmente, não há solução real, exceto aplicações massivas de fungicidas. Ninguém quer isso, então trabalhamos na adição de genes ou alterações no DNA de plantas para obter melhores resistências ao fungo”, disse Spencer à DW.
Controvérsia
Para muitas pessoas, porém, ainda é difícil aceitar a ideia de alimentos geneticamente modificados. Uma pesquisa de opinião de 2020 apontou que 50% das pessoas em 20 países consideravam esses alimentos inseguros.
Quando as culturas GM foram desenvolvidas pela primeira vez há 30 anos, a incerteza e as preocupações sobre segurança eram compartilhadas pelos cientistas, mas agora as coisas são diferentes.
James Rhodes, analista de biossegurança da Biosafety South Africa, explica que 30 anos de dados de segurança e conhecimento científico mostram que os alimentos GM são tão seguros quanto os não-GM.
“Temos 30 anos de informações de segurança mostrando que os alimentos GM são completamente seguros para consumo e 30 anos de informações mostrando que não são perigosos para o meio ambiente”, disse Rhodes.
De acordo com ele, não é possível em nenhum país começar a usar OGMs sem passar por extensas exigências regulatórias.
“No momento em que é levado ao campo e aprovado comercialmente, ele passou por uma longa história de desenvolvimento, especialmente em relação aos riscos”, explica.
Reputação arruinada pela Monsanto
Matin Qaim acha que a controvérsia em torno dos alimentos GM foi confundida com um debate sobre a agricultura industrial corporativa. O espectro da Monsanto ainda paira sobre a indústria.
“Existem preocupações de grandes interesses corporativos de empresas como a Monsanto, que promovem mais pesticidas e monoculturas e formas erradas de agricultura e sementes vendidas a agricultores e preços caros”, disse Qaim.
Qaim compartilha as preocupações, mas argumenta que os problemas têm mais a ver com a forma como a tecnologia é regulada do que com a própria edição genética.
“É um modelo errado ter a agricultura industrial corporativa dominada por poucos. Mas isso não tem nada a ver com tecnologia genética. Proibir os OGMs seria como proibir a internet por causa da venda de drogas e pornografia”, compara.
Indústria em transformação
A agricultura GM está saindo do modelo corporativo de peixe-grande da Monsanto. Os produtos estão cada vez mais focados em empreendimentos sociais e públicos e a indústria está buscando mais soluções locais que ajudem pequenos agricultores em países em desenvolvimento.
A regulamentação e o licenciamento são uma grande parte disso. Muitos, incluindo a Replanet, defendem fortemente sementes de código aberto e tecnologias GM.
“Você pode desenvolver OGMs sem patentes desenvolvidas por organizações públicas humanitárias. Precisamos regular de forma inteligente e garantir que haja competição no mercado. A agricultura industrial corporativa é o modelo errado”, disse Qaim.
Em última análise, trata-se de criar um cenário de licenciamento que capacite os agricultores locais a se adaptarem às demandas da agricultura sustentável, mas com rapidez suficiente para atender ao aumento da população e às mudanças climáticas.
Mas, como disse Rhodes, as novas tecnologias GM serão mais aceitas à medida que sua necessidade aumentar, como no caso do vírus do mamão.
Veja em: https://www.dw.com/pt-br/alimentos-geneticamente-modificados-caminho-sustent%C3%A1vel/a-65886306
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