Isso fez com que o Censo captasse muito mais pessoas que se consideram indígenas, segundo o IBGE.
“Essa diferença acontece porque as pessoas olham muito para a cor da pele quando essa pergunta (qual é sua cor?) é feita. Mas quando você faz a pergunta a mais (se a pessoa se considera indígena), isso abre para uma série de outros critérios de etnia que a pergunta sobre cor não responde”, afirma Tiago Moreira, pesquisador do ISA (Instituto Socioambiental), que ajudou o IBGE na formação da metodologia para o Censo.
“A pergunta remete à ascendência indígena, diferente da pergunta sobre a cor, que existe em um contexto mais restrito. Muitas vezes as pessoas são descendentes, até militam no movimento indígena, mas respondem pardo para a cor da pele”, afirma Moreira.
Recuperação da identidade
Para entender detalhadamente esse aumento, diz Moreira, são necessários os dados sobre natalidade e mortalidade indígena — que ainda não foram divulgados pelo IBGE.
No entanto, ao menos parte desse aumento pode ser atribuído a um grande movimento de recuperação da identidade indígena, que tem se fortalecido nos últimos anos.
“A gente tem um movimento antigo de recuperação dessa identidade, dos descendentes dos povos originários voltarem a se reconhecer, a prestar atenção nessa identidade, nessa ancestralidade”, diz Moreira.
“O movimento indígena cresceu muito, tem inovado nas estratégias de mobilização. Nenhum outro movimento social no Brasil é tão capilar, consegue ter uma mobilização tão grande na base social.”
O pesquisador afirma que o movimento conseguiu manter sua força apesar das dificuldades enfrentadas por essa população nos quatro anos de governo Bolsonaro, abertamente contrário à pauta dos povos originários.
“Apesar dos quatro anos de ataque aos direitos, a atuação do movimento indígena teve o efeito de produzir segurança para que a população recupere essa identidade”, diz Moreira.
Outros elementos que podem explicar esse aumento só ficarão claros com os dados de natalidade e mortalidade, explica o especialista.
“A população indígena é o grupo social que mais cresce, que tem fecundidade alta. E isso está refletido nesse dado (de aumento da população)”, diz ele.
No entanto, dentro das terras indígenas, essa população parece estar crescendo menos do que crescia antes — algo que precisa ser confirmado pelos próximos dados divulgados pelo IBGE.
Isso, segundo Moreira, pode ser resultado dos efeitos devastadores da covid dentro das terras indígenas. Segundo estudos epidemiológicos feitos pela Fiocruz, os indígenas foram um dos grupos mais vulneráveis durante a pandemia.
“Com a divulgação dos dados completos do Censo é que vamos entender melhor os efeitos demográficos da covid tanto na população indígena quanto na população geral”, afirma Tiago Moreira.
Ainda não há um calendário fechado para a divulgação dos próximos dados do Censo 2022, que começaram a ser divulgados no final de julho.
O Censo foi feito com atraso por causa da pandemia e de cortes orçamentários. A última edição da pesquisa censitária do IBGE havia sido feita em 2010 e, pela lei, ela não poderia demorar mais de 10 anos para ser feita — ou seja, deveria ter ocorrido em 2020. Mas a nova edição só foi realizada entre 1º de agosto de 2022 e 28 de maio de 2023 (fase de coleta e apuração de dados).
Revelações do Censo
Os dados do Censo 2022 divulgados nesta segunda trouxeram outras informações importantes sobre a população indígena.
A terra indígena com maior número de pessoas indígenas hoje é a Terra Indígena Yanomami (AM/RR), com 27 mil pessoas, o equivalente a 4,36% do total de indígenas em terras indígenas no país. O segundo maior número é na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), com 26.176 habitantes indígenas.
No entanto, o Censo mostrou que a maior parte dos indígenas do Brasil — cerca de 63% — vive hoje fora dos territórios indígenas oficialmente limitados. Isso mostra que o atendimento específico aos indígenas não pode ficar restrito aos territórios delimitados, segundo Moreira.
“São dados muito importantes para planejamento de políticas públicas, para se ampliar o atendimento especial que leve em consideração as línguas, os valores e as necessidades de cada povo”, diz o pesquisador.
Outro dado que chama atenção é que, embora cinco estados (AM, BA, MS, PE, RR) concentrem 61,43% da população indígenas (veja gráfico acima), o IBGE registrou presença indígena na maioria dos municípios do Brasil — em 4.480 dos 5.568 municípios do país.
O município com maior número de pessoas indígenas em 2022 foi Manaus (AM), com 71,7 mil pessoas.
Já a maior proporção ficou em cidades como Uiramutã (RR), onde 96,6% dos habitantes são indígenas; Santa Isabel do Rio Negro (AM), com 96,2%, e São Gabriel da Cachoeira, com 93,17%.
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