Indígenas e movimentos de base já estão em Belém, após longas viagens, para se fazerem ouvir em evento que terá presidentes de seis países da região. No horizonte, um plano para evitar o ponto de não retorno da floresta.
Por: Nádia Pontes | Créditos da foto: Nádia Pontea. Indígenas kayapo participaram da conferência que antecedeu a Cúpula da Amazônia
Foi necessária a ajuda de várias pessoas para que Maria Francineide Ferreira conseguisse viajar de Altamira a Belém, no Pará, para trazer a mensagem dos ribeirinhos atingidos pela usina Belo Monte. No auditório principal dos Diálogos Amazônicos, que antecedeu a chegada de chefes de Estado para a Cúpula da Amazônia, na terça-feira (08/08), Ferreira resumiu em três minutos os impactos que vivem desde o barramento do rio Xingu, em 2015.
“Não tem mais peixes, por isso falta renda e comida. Os pescadores foram expulsos do rio, jogados em assentamentos de concreto. Muitos não têm condição de pagar energia, estão doentes, não têm acesso a água potável e ainda estão sendo ameaçados por ‘falarem demais'”, disse Ferreira à DW.
Ela vibrava após ter se pronunciado ao microfone diante da ministra de Meio Ambiente, Marina Silva. Aquele espaço também havia sido disputado: lideranças populares de toda a Amazônia aguardavam numa lista e torciam para serem chamadas ao palco, depois de enfrentarem dias de viagem e dificuldades na expectativa de serem ouvidas.
“Ela ficou muito impactada”, comenta Ferreira sobre a reação da ministra após sua intervenção. “Mas o governo do PT tem essa grande dívida com o povo do Xingu. Belo Monte foi o maior erro. A gente sabe que, se não fosse o PT, seria Bolsonaro, porque a pressão era grande”, pontua à DW, citando a administração de Dilma Rousseff.
Ferreira, 54 anos, defende reparação aos ribeirinhos impactados pela construção da hidrelétrica no Pará, estado que cobra uma das tarifas mais caras de energia. E teme como o planejamento de grandes empreendimentos serão abordados no acordo que sairá da reunião dos presidentes que participam da cúpula, marcado para acontecer no mesmo local que sediou os Diálogos Amazônicos, um centro de convenções de 24 mil m² refrescado por ar condicionado.
Esforço dos indígenas para serem ouvidos
A dois quilômetros dali, debaixo de tendas cobertas por lona rodeadas por concreto no sambódromo da cidade, lideranças indígenas de todos os países amazônicos elaboraram suas próprias propostas. Sem apoio de dinheiro público, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) captou recursos e apoiou a ida de aproximadamente 700 pessoas, que acamparam num parque de Belém.
“O governador do Pará, Helder Barbalho, diz que precisa de apoio para manter a floresta em pé. Como se mantém a floresta em pé? Somos nós que fazemos isso! Ele cria o dia do garimpeiro, autoriza garimpo pelas secretarias municipais. É muito contraditório”, diz Auricelia Arapiun, coordenadora executiva do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns.
Jonas Reis, cacique e professor do povo Mura, viajou cinco dias de barco para trazer as expectativas dos moradores da Terra Indígena (TI) Gavião. Na região onde vive, município de Silves, Amazonas, a exploração de gás natural preocupa os indígenas.
“Faz muito barulho, sentimos a poluição com queima de gás, o tráfego de caminhões, o movimento das balsas. Isso afugenta as caças e os peixes”, diz, citando alguns possíveis impactos do plano para explorar petróleo e potássio nos arredores da TI.
Marlon Vargas, presidente da Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana (Confeniae), tem a expectativa de que seu país proíba de vez a exploração de petróleo na Reserva Yasuni, área de conservação amazônica que tem a maior reserva do combustível fóssil do Equador.
“É um feito histórico. Nunca deixamos de brigar por isso nas ruas, nos tribunais, nas greves”, diz Vargas à DW, que veio a Belém pedir apoio às demais organizações indígenas da Amazônia.
Numa carta elaborada durante os encontros paralelos e que será entregue aos presidentes dos países amazônicos, os indígenas demandam garantia de demarcação e titulação até no máximo 2025.
O documento também pede a conservação de pelo menos 80% da Amazônia até 2025, com meta de zerar o desmatamento até 2030. O objetivo é evitar o ponto de não retorno: estudos científicos estimam que se a devastação acabar com 25% da Amazônia, a floresta perde a capacidade de se regenerar e entra num processo de savanização. Atualmente, a Amazônia perdeu 15% de sua cobertura vegetal original. No Brasil, que detém 60% da área do bioma, 20% já sumiram.
Regras do mercado como solução?
Presença constante durante os dias de reunião da sociedade civil, o anfitrião Helder Barbalho criticou os países europeus que, segundo ele, têm uma visão “romantizada” de preservação da Floresta Amazônica.
“Eles apelam a nós que devemos preservar a floresta. Mas nós temos que apresentar soluções que possam preservar a floresta e cuidar das pessoas. Enquanto a floresta viva não valer mais que floresta deitada, nós vamos perder essa jornada”, respondeu à DW após uma coletiva de imprensa.
Barbalho disse que o estado não tem condições econômicas de abrir mão da mineração, mas se esquivou quando questionado sobre autorização de abertura de garimpo dada por prefeituras paraenses. Para ele, a conservação da Amazônia, apontada como reguladora do clima global por cientistas, depende da monetização da floresta.
Kaianaku Kamaiura, jovem integrante da Coiab, fala que esse discurso tem provocado uma corrida que tem deixado os indígenas, apontados como guardiões da floresta, em desvantagem. O processo natural de fotossíntese das árvores, que removem CO2 da atmosfera, tem ganhado peso como moeda no mercado voluntário de carbono. Países que emitem mais gases do efeito estufa podem abater essa carga comprando créditos de quem maneja grandes áreas de florestas – ou seja, de povos indígenas.
“Nós identificamos pelo menos 18 contratos assinados entre empresas e comunidades. São contratos absurdos de empresas pequenas que vão nos territórios com contratos prontos e que não apresentam regras claras de como vai funcionar o mecanismo. Eles tentam chamar a atenção das lideranças com promessas milionárias”, diz Kaianaku à DW.
A suspeita, afirma, é que as empresas estão tentando criar um monopólio para, mais tarde, fazerem a comercialização desses créditos fora do Brasil a preços bem mais altos. “Isso está virando uma ameaça, como a mineração, a soja, o garimpo. E quem compra esses créditos não está preocupado se as comunidades estão sendo consultadas de forma correta e se estão, de alguma forma, recebendo um benefício justo. Por isso, toda essa questão de monetizar a floresta precisa ser muito conversada”, finaliza.
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