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Argentina: Elites abandonam seu barco furado

CEOs, ruralistas, mercado financeiro e think tanks desertam do macrismo e embarcam na campanha do ultraliberal Javier Milei, à frente nas pesquisas. Logo atrás, o peronista Sergio Massa, que empolga pouco, tenta apresentar saídas à crise

Por: Victor Farinelli, na Opera Mundi

Com novas pesquisas que o colocam em primeiro lugar, seguido de perto pelo ministro da Economia Sergio Massa, representante do atual governo e do peronismo, tem direcionado uma aproximação de parte do empresariado e de fundações, entidades e organizações defensoras de ideários conservadores e liberais ao Milei, enxergando nele uma opção na qual valeria apostar as suas fichas.

Essa situação também tem gerado um paulatino abandono do macrismo, que foi preferência desses setores empresariais argentinos na maioria das eleições realizadas neste século.

O doutor em ciências políticas e professor de Relações Internacionais Bruno Lima Rocha tem acompanhado a política argentina já há alguns anos e observado tal transformação do cenário eleitoral desde a campanha das Prévias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO), que terminou com a vitória de Milei, no dia 13 de agosto, resultado que marcou o seu posicionamento como líder da corrida eleitoral.

A Opera Mundi, Rocha disse que a “tendência é que os capitais que compõem a chamada ‘Pátria financeira’, os executivos com trânsito entre as elites econômicas e que compõem a maior parte dos poderes fáticos da Argentina, se aproximem cada vez mais de Milei à medida em que as pesquisas apontam para uma maior possibilidade de um segundo turno entre ele e Massa”.

Rocha também considera que o anacronismo do discurso da candidata macrista Patricia Bullrich, que foi ministra de Segurança do governo de Macri (2015-2019), favorece a debandada dos setores de direita tradicional em direção a Milei, já que, segundo ele, a posição da direitista é “basicamente antikirchnerismo”.

“O discurso de Bullrich é marcado basicamente pelo antikirchnerismo, mas que é lido em Buenos Aires e sua região metropolitana como antiperonismo. É curioso observar, também, que o próprio Mauricio Macri dedicou as primeiras semanas após as Paso para adular o Milei e tentar alguma aproximação”, disse o acadêmico.

Outro importante setor da direita tradicional argentina que tem se aproximado do candidato ultraliberal, segundo o acadêmico, é o menemismo, através do apoio declarado do ex-senador Eduardo Menem, o irmão do finado ex-presidente Carlos Saúl Menem (1989-1999).

CEOs, Ruralistas e financistas

Uma reportagem publicada pelo diário Página/12 revela nomes de alguns dos empresários mais importantes da Argentina, conhecidos por terem sido os financiadores da carreira política do ex-presidente Macri, e que embarcaram na campanha do candidato líder das pesquisas nas últimas semanas.

O caso mais emblemático é o de Cristiano Ratazzi, ex-CEO da Fiat na Argentina e conhecido financiador do partido Proposta Republicana (PRO), fundado por Macri. O empresário era tão entusiasta do macrismo que chegou a ser fiscal de mesa nas eleições de 2015, vencidas pelo candidato da direita.

Segundo o jornal argentino, Ratazzi se afastou dos negócios devido à idade avançada, mas também se afastou do PRO, por passar a ver em Milei e seu discurso de “tirar o Estado do caminho das empresas” uma alternativa melhor que a da candidata Bullrich.

Os ruralistas são outro grupo que costumavam estar com o ex-presidente, mas que se voltou para o lado candidato ultraliberal. O porta-voz da Sociedade Rural Argentina (SRA), Nicolás Pino, tem realizado mais de uma reunião por mês com Milei desde o início deste ano, segundo a imprensa local.

Desde a vitória nas Paso, os encontros de Milei com empresários vêm reunindo representantes de setores diversos, incluindo nomes importantes no país, como Eduardo Eurnekian (America Corporation), Nicolás Posse (Unidade de Negócios Sul), Sebastián e Federico Braun (rede de supermercado La Anónima), Darío Epstein (representante da Black Rock na Argentina) e Ernesto López Anadón (Instituto Argentino de Petróleo e Gás).

Entre os think tanks de direita que aderiram ao ultraliberal estão a Fundação Liberdade e Progresso, dirigida pelo economista Agustín Etchebarne, e o Centro de Estudos Macroeconômicos de Argentina (CEMA), liderado por Roque Fernández e Carlos Rodríguez, dois ex-integrantes da equipe econômica de Menem nos anos 90.

Massa correndo contra o tempo

Após as primárias, o ministro da Economia da Argentina e representante da coalizão peronista União Pela Pátria vem adotando diversas medidas econômicas que visam garantir uma renda mínima para que as classes mais vulneráveis possam enfrentar os efeitos da inflação e manter o nível de consumo, na tentativa de buscar votos tanto entre os trabalhadores quanto entre líderes do setor industrial.

Javier Milei venceu as primárias na Argentina e lidera pesquisas para o primeiro turno das eleições, em 22 de outubro Flickr/ Ilan Berkenwald

Para o cientista político Lima Rocha, a estratégia de Massa é correta, mas talvez não haja tempo para que ela se torne efetiva: “são medidas que, com mais algum tempo, poderiam representar a porta de saída da crise herdada pela dívida astronômica contraída por Macri”.

O analista lembrou que a dívida teve início em 2018, quando o então presidente solicitou uma ajuda financeira ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Essa ajuda escondia um problema mais profundo, porque ela foi precedida de uma estatização da dívida privada, sendo que parte deste valor simplesmente sumiu. Alberto Fernández (atual presidente da Argentina) não fez o menor esforço de cumprir sua promessa de auditar a dívida. Passou seu governo sob pressão inflacionária e especulativa, considerando a condição bimonetária da economia argentina”, comentou o especialista a Opera Mundi.

Ainda assim, Rocha considera que o pacote do ministro-candidato Massa aponta na direção certa para superar a atual crise econômica argentina, mas não sabe se elas poderão produzir os efeitos eleitorais esperados no tempo necessário, considerando que o primeiro turno das presidenciais na Argentina ocorrerá em apenas quatro semanas, no dia 22 de outubro.

“Me arrisco a dizer que se estas medidas fossem tomadas no início do ano, ou em setembro de 2022, após o atentado contra a vice-presidente Cristina Kirchner, provavelmente Massa seria o favorito hoje”, afirmou.

Pesquisas mais recentes

Entre as nove pesquisas publicadas no mês de setembro surgem três tipos diferentes de cenários, todos eles favoráveis a Milei – uns mais, outros menos.

Duas dessas medições mostram Milei e Massa em empate técnico, com ambos os candidatos crescendo, mas o peronista de forma mais rápida que o ultraliberal. A consultora Inteligência Analítica apresenta o ultradireitista com 33,9%, contra 33,1% do peronista, os dois muito à frente de Bullrich (25,6%).

Já a Celag mostra Milei com 33,2%, Massa com 32,2% e Bullrich com 28,1%.

A pesquisa do instituto Analogías aponta Milei com 31,1%, enquanto Massa fica com 28,1%, diferença ainda dentro da margem de erro. Bullrich aparece mais atrás, com 21,2%

Outro tipo de cenário é o que mostra Milei com uma vantagem pequena na liderança, porém acima da margem de erro, e Massa com uma vantagem pequena e também acima da margem sobre Bullrich. Esse tipo de pesquisa também indica um provável segundo turno entre Milei e Massa – lembrando que, caso a eleição argentina tenha que ser decidida em um desempate, ele ocorreria no dia 19 de novembro.

O Instituto Opina Argentina é um dos que apresenta esse quadro. Em sua medição, Milei aparece com 34%, contra 29% de Massa e 25% de Bullrich. Já a consultora Proyección mostra Milei com 33,7%, Massa com 29,1% e Bullrich com 24,2%. A mais recente é a pesquisa da Aresco, onde Milei tem 35,5%, Massa tem 30,1% e Bullrich tem 23%.

Porém, há um terceiro tipo de cenário, esse mais preocupante para o atual governo, já que indica que Milei teria chances de vencer já no primeiro turno.

Na pesquisa do Instituto Aurelio, por exemplo, Milei lidera com 37,7%, contra 32% de Massa e 24,4% de Bullrich. Outra medição que mostra essa possibilidade é a da consultora Ágora, que dá uma vantagem ainda maior à extrema direita, com Milei obtendo 38%, Massa com 30% e Bullrich com 24%.

Vale recordar que há duas formas de se vencer as eleições na Argentina no primeiro turno: uma delas é obtendo mais de 50% dos votos válidos, independente da diferença de votos com o segundo colocado, como no Brasil. A outra forma é obtendo mais de 40% dos votos válidos, desde que se imponha uma vantagem de mais de 10% sobre o segundo colocado – essa situação não estaria muito distante do cenário apresentado pelas duas últimas pesquisas citadas.

Pesquisa 1: Opina Argentina (período das entrevistas: 04-10/09)
Milei 34% / Massa 29% / Bullrich 25%

Pesquisa 2: Inteligencia Analítica (11-17/09)
Milei 33,9% / Massa 33,1% / Bullrich 25,6%

Pesquisa 3: Hugo Haime & Cía (13-18/09)
Milei 33% / Massa 29,6% / Bullrich 25,2%

Pesquisa 4: CELAG (10-20/09)
Milei 33,2% / Massa 32,2% / Bullrich 28,1%

Pesquisa 5: Equis/Proyección (16-21/09)
Milei 33,7% / Massa 29,1% / Bullrich 24,2%

Pesquisa 6: Analogías (03-05/09)
Milei 31,1% / Massa 28,1% / Bullrich 21,2%

Pesquisa 7: Aurelio (20-22/09)
Milei 37,7% / Massa con 32% / Bullrich con 24,4%

Pesquisa 8: Ágora (15-17/09)
Milei 38% / Massa 30% / Bullrich 24%

Pesquisa 9: Aresco (22/09)
Milei 35,5% / Massa 30,1% / Bullrich 23%

Referência: PASO (13/08)
Milei 29,9% / Massa 21,4% (+ Grabois 5,9% = 27,3%) / Bullrich 16,8% (+ Larreta 11,2% = 28%)

 

Veja em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/argentina-elites-abandonam-seu-barco-furado/

 

 

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