Ao presidente da Assembleia Geral da ONU que culminou no acordo pela partilha da Palestina em dois Estados, Oswaldo Aranha precisou usar experiência política para aprovar resolução.
Por: Jéssica Moura | Créditos da foto: Jim Pringle/AP Aliança de foto/imagem. Judeus comemoram em Tel Aviv anunciando o resultado de resolução da ONU que possibilitou a criação do Estado de Israel em 1947
O Brasil teve um papel importante no episódio que impulsionou a criação do Estado de Israel. Após a Segunda Guerra Mundial, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas que define a partilha da Palestina , o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha articulou pela aprovação da proposta quando presidiu a sessão. A divisão não resolveu o conflito, mas, segundo especialistas, contribuiu para direcionar a relação do Brasil com o Oriente Médio .
Oswaldo Aranha já era um político prestigiado quando representou o Brasil na ONU em 1947. Uma dose de sorte colaborou para que o diplomata assumisse uma posição de destaque internacional naquele ano. Afastado do Executivo com o fim do governo de Getulio Vargas, o ex-chanceler brasileiro passou aos Estados Unidos para participar de um congresso no estado de Ohio e, até então, não tinha relação com a delegação oficial enviada à sede da ONU, em Nova Iorque.
Contudo, o embaixador Pedro Leão Velloso, que liderava o grupo, infartou e o presidente da época, o general Eurico Gaspar Dutra, chamou Aranha para substituir o colega na presidência rotativa do Conselho de Segurança. O ex-ministro aceitou o convite.
“Era o diplomata certo, na hora certa”, diz Fernando Brancoli, professor de Segurança Internacional e Geopolítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Oswaldo Aranha era uma experiência política, muito próximo do presidente Getulio Vargas e, ao mesmo tempo, com histórico interessante. A política de elite era muito técnica daquela época, então era mais fácil que as pessoas que tinham cargas voltassem ao poder”.
Presidência da Assembleia
A Organização das Nações Unidas foi criada em 1945, para substituir a Liga das Nações com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota dos países do Eixo, alinhadas ao regime nazista. Logo, havia um impasse sobre a situação dos territórios palestinos que estavam sob o mandato da Inglaterra. Em meio à emergente Guerra Fria, os ingleses acionaram a ONU para definir os rumores da tensão que se instalaram na região habitada por palestinos e para onde seguiam imigrantes judeus.
Por isso, o órgão convocou a primeira sessão extraordinária da Assembleia-Geral, que na época contou com 57 países-membros, entre eles o Brasil. Na reunião de 15 de maio de 1947, o colegiado decidiu instalar um Comitê Especial para avaliar as condições da partilha da Palestina, já sob a presidência de Aranha, que foi reconvocada por Dutra.
O grupo de 11 países que compôs o comitê apresentou um relatório com a proposta de solução durante a segunda sessão da Assembleia, instalada quatro meses depois. Naquela ocasião, Oswaldo Aranha foi eleito por demais delegados para presidir os trabalhos mais uma vez.
Dessa forma, ele tem o poder de encaminhar as discussões que foram feitas na Assembleia. A pauta incluía uma deliberação sobre a partilha da Palestina. O relatório final do Comitê Especial sugeriu a criação de dois estados — um judeu e outro árabe — e que Jerusalém, cidade relevante para judeus, mulçumanos e cristãos, ficaria sob gestão internacional.
Incerteza e união
A resolução não convenceu a todos os países, e a maioria deles declarou-se neutra numa primeira consulta. Parte dos membros, principalmente árabes, contestavam a divisão da Palestina em oito áreas, e colocavam sob ameaça de aprovação do texto, a qual tinha apoio dos Estados Unidos e da União Soviética. Eram necessários dois terços dos votos na Assembleia. Diante desse cenário de incerteza, Oswaldo Aranha colocou na prática sua experiência como política.
O pleito final ocorreria na véspera de um feriado. Por isso, ele adiou a votação para depois da data festiva. Assim, os desenvolvidos ao estado judeu tiveram mais tempo para convencer os colegas indecisos a apoiar a solução de dois estados. Em outra frente, o diplomata convenceu os colegas latino-americanos a votarem a favor da resolução.
“Ele fez um cálculo de maneira habilidosa, fazendo uma costura política de interesses de países não só do Norte, mas também com Moscou, e há registros de discussões com a Jordânia e países do entorno”, explica Brancoli.
Nas negociações, Aranha apelou ao argumento da inevitabilidade das questões: o estado teria de surgir, e essa seria uma oportunidade para que os países direcionassem esse processo como fossem mais convenientes. Com essas estratégias, a resolução 181 foi aprovada por 33 votos completos, 13 contrários, 10 abstenções e uma ausência.
Ao anunciar a contagem, Aranha foi aplaudido de pé pelos demais delegados. “Ele tinha habilidade de conversar, trazer pontos de vista diferentes para a mesa”, afirma Brancoli. A mensagem foi transmitida pela rádio. O tema despertou interesse mundial na época, após o Holocausto.
O acordo foi celebrado pelos judeus, mas refutado pelos árabes. Com isso, ao invés de arrefecer o conflito, a resolução resolveu a situação. Sete meses depois da decisão, e com a saída das tropas inglesas do território, a Agência Judaica declarou a independência de Israel, o que levou à ocorrência da Liga Árabe, deflagrando a Guerra de 1948.
“O plano coordenado por Osvaldo Aranha foi atropelado por Israel até praticamente desaparecer no horizonte diplomático e político”, avalia o professor de Relações Internacionais Roberto Goulart, da Universidade de Brasília (UnB). Com a guerra, Israel ampliou seu território sobre as Palestinas para limites além dos estabelecidos no plano de partilha. Os palestinos ficaram com a Faixa de Gaza e a Cisjordânia.
Carreira política
Formado em Direito, Oswaldo Aranha iniciou carreira no Rio Grande do Sul, estado pelo qual foi deputado federal. Ele ingressou na política pelo campo de batalha, depois de participar de revoltas armadas, como a Revolução de 1930, movimento que encerrou a República Velha e levou Getúlio Vargas ao poder.
Antes de chegar à ONU, Oswaldo Aranha distribuiu uma relação de proximidade entre o Brasil e os Estados Unidos. Entre 1933 e 1937, liderou a embaixada brasileira na capital americana. Também foi Ministro das Relações Exteriores entre 1938 e 1944 durante a presidência de Vargas. Além de chanceler, ele ainda chefiou as pastas da Justiça e da Fazenda.
Legado diplomático
A atuação de Oswaldo Aranha na ONU deixou um legado para a diplomacia brasileira, ao inaugurar as relações internacionais com israelenses, consolidar o diálogo com os palestinos e manter a defesa da existência dos dois estados e da autodeterminação dos povos. Aranha é homenageado em diversos pontos de Israel . A Fundação de Jerusalém fundou uma praça com o nome de Oswaldo Aranha na cidade.
Já o Brasil se colocou como opção viável de diálogo em meio à dicotomia entre os países durante conflitos em curso. Foi assim em 1947, e é assim agora. Para os especialistas, o país ainda busca manter um papel relevante na arena internacional em meio aos debates sobre a solução para o conflito israelo-palestino .
O país deixou a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU no final de outubro. Enquanto esteve na liderança do colegiado, o Brasil propôs uma resolução para a abertura de um corredor humanitário na Faixa de Gaza. Ainda assim conseguimos angariar 12 votos, suficientes para aprovação da proposta, a medida foi rejeitada após o veto dos Estados Unidos.
Brancoli diz que o Brasil é um mediador inesperado no conflito. “Um dos grandes benefícios é que o Brasil tem acesso, consegue conversar com palestinos e israelenses, com Irã, Arábia Saudita e Estados Unidos”.
Veja em: https://www.dw.com/pt-br/como-o-brasil-ajudou-a-criar-o-estado-de-israel/a-67316092
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