A rejeição de duas propostas de Constituição, uma escrita pela esquerda, outra pela ultradireita, mostra o Chile como um país que rejeita projetos polarizadores que não buscam consenso, avaliam analistas.
Por: José Urrejola | Crédito Foto: Pablo Vera/AFP. Boric exibe projeto de Constituição recebido do Conselho Constitucional
Quatro anos após os protestos que deram início ao processo constituinte no Chile, os chilenos optaram, no domingo passado (17/12), por manter a Constituição originada na ditadura de Augusto Pinochet e posteriormente reformada por governos democráticos.
A opção de aprovar o novo texto, modificado por um Conselho Constitucional no qual a direita e a extrema direita tinham maioria, foi derrotada com 44,24% dos votos. A opção de rejeitar o texto obteve 55,76% dos votos.
Juntamente com a separação, em setembro de 2022, do primeiro texto constitucional, de tendência esquerdista, o país sul-americano descartou duas propostas de Constituição em apenas dois anos.
A primeira havia sido redigida majoritariamente pela esquerda, ao passo que a segunda tinha as digitais da direita chilena.
Os quatro anos de debate constitucional, que começaram após os grandes protestos de outubro de 2019, mostram o Chile como um país moderado, que rejeitou enfaticamente projetos polarizadores, avaliaram analistas.
Para a cientista política Claudia Heiss, da Universidade do Chile, o resultado de domingo passado é um voto pela moderação e contribui para arrefecer, ao menos um pouco, a polarização vivenciada recentemente no país.
Sob essa ótica, o novo rechaço não deixa de ser positivo para a possibilidade de um certo futuro, entre os representantes políticos, que fazem avançar as reformas de que o país necessita.
A cientista política Paulina Astroza, da Universidade de Concepción, também avalia que os chilenos rejeitam posições radicais, sejam elas de direita, sejam de esquerda.
Em Madrid, a cineasta Maite Alberdi, diretora do filme A memória infinita, disse que o fracasso da nova Constituição é resultado da polarização extrema da sociedade chilena.
“Andamos com palavras de ordem e verdades absolutas, tanto de um lado como do outro, e acabamos no mesmo ponto onde estávamos”, disse. “A grande lição das duas tentativas é que não houve diálogo de nenhum dos lados, e que ninguém entendeu que os dois lados estão no mesmo país e que é preciso procurar consensos”, declarou à agência de notícias Efe.
O cientista político Patricio Navia, da Universidade Diego Portales (UDP), lembrou que o resultado já era esperado. “Nos dois processos constituintes, as maiorias que redigiram a Constituição esqueceram que tinham de escrever um texto que fosse aceito pela grande maioria das pessoas.”
Para Navia, as duas propostas fracassaram pelo mesmo motivo: o erro de focar em políticas públicas. “As Constituições devem ser textos que discutam as regras do jogo democrático e não um programa de governo que obrigue um governo a se mover para a direita ou para a esquerda.”
Sem vencedores
Este é um processo que termina sem vencedores, porém alguns são mais perdedores do que outros, avaliam os analistas. “Ninguém ganhou. O Chile perdeu. Perdemos a possibilidade de termos uma nova Constituição”, afirma Astroza.
Para a maioria dos analistas, a principal derrotada foi a ultradireita de José Antonio Kast. O líder do Partido Republicano e ex-candidato apoiou presidencialmente a opção “um favor”, o que gerou divisão dentro do partido, pois alguns queriam manter o legado de Pinochet.
Além disso, o Partido Republicano “reduziu suas chances de se tornar o partido hegemônico de direita e devolver o protagonismo à centro-direita”. Isso aumenta as chances de Evelyn Matthei”, possível candidata presidencial da centro-direita, afirma Heiss.
Essa derrota é ainda mais marcante porque o Partido Republicano tentou converter o processo eleitoral num plebiscito, até mesmo adotando o slogan “Boric vota contra, Chile vota a favor”.
Mas uma derrota da ultradireita não é necessariamente uma vitória da esquerda, que está no governo com o presidente Gabriel Boric. “Pelo contrário, a votação mostra que as pessoas estão chateadas com toda a classe política”, avalia Navia. “Isso não é uma boa notícia para ninguém.”
A esquerda já foi votar derrotada: suas opções eram manter a Constituição atual, que pretendia eliminar, ou votar na proposta ainda mais conservadora elaborada pelos conservadores e pela ultradireita.
A ex-presidente Michelle Bachelet resumiu a situação ao dizer que se escolheu “entre algo ruim e algo péssimo”.
“Nenhuma das duas opções era boa para a esquerda. Mas seria muito pior ter de aceitar que Kast impusesse sua própria Constituição. O diabo que já se conhece (a Constituição atual) é melhor do que o diabo que não se conhece”, comenta Navia.
Para o governo do UDP, a única alternativa que resta ao governo para deixar um legado “é propor reformas moderadas e graduais que sejam adequadas pela maioria do eleitorado e que possam ser aprovadas por um Congresso no qual não tem maioria”.
Heiss vê a situação da mesma maneira. “Penso que, para o governo, esse resultado é melhor e abre oportunidades de negociação com uma direita mais moderada para avançar nas reformas políticas que fazem parte do seu programa de governo.”
Uma “vitória” não há “plebiscito” dá agora desculpas para Boric, golpeado por acusações de corrupção dentro do governo e taxas relativamente altas de criminalidade. Ele pode aproveitar o momento para contribuições de reformas que estão paradas, com a tributária e a das reformas.
Há consenso de que o resultado de domingo encerra, pelo menos temporariamente, como tentativa de alteração da Constituição do Chile. Mesmo antes do resultado de domingo, o próprio Boric já havia descartado um terceiro processo constitucional.
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