Afundamento de solo transforma parte da capital de Alagoas em uma cidade-fantasma, afetando milhares de famílias e provocando o terceiro grande desastre socioambiental envolvendo setor da mineração em uma década no país.
Por: Gustavo Basso de Maceió | Créditos da foto: Gustavo Basso. Residências evacuadas no bairro Bom Parto, em Maceió
“Uma hora ouvimos que vai cair, outra hora que não vai cair; a verdade é que de todo modo essa casa vai acabar ficando do mesmo modo que nossa antiga, só barro e terra”, lamenta a estudante Tainá dos Santos, 17 anos. Apesar da minoridade, é a segunda vez em três anos que Tainá é forçada a se mudar e abandonar uma casa condenada contra a vontade. “Não queria me mudar dessa casa, nem mesmo deste bairro, mas a Braskem causou isso”, lamenta.
Ela e os 11 familiares viviam nos últimos três anos ao lado do Hospital Sanatório de Maceió, um dos principais da capital alagoana e que teve de ser evacuado às pressas em 29 de novembro em meio ao risco de afundamento de terra de uma das minas da Braskem para extração de sal-gema. Desde então o hospital não reabriu mais, e uma das minas instaladas no bairro vizinho de Mutange de fato se rompeu em meio à lagoa do Mundaú.
Até o dia 16 de Dezembro a Defesa Civil estima em 14.600 domicílios esvaziados nos bairros de Mutange, Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto e Farol, todos em um raio de até 1 km de alguma das 35 minas operadas pela Braskem na região. São aproximadamente 60 mil pessoas como a família Santos migrando para outras áreas da cidade.
“Mataram a principal praça do bairro”
Em uma pausa na arrumação da casa e empacotamento, Tainá relembra que houve muito mais que casas abandonadas entre os 950 hectares transformados. “É um absurdo o que aconteceu… são tantos hospitais, escolas, praças, tanta coisa que acabou se tornando um cemitério aberto”. Entre as escolas, está o Centro Educacional de Pesquisa Aplicada (Cepa), conhecido na cidade como CEAGB. Reunindo mais de uma dezena de escolas estaduais e institutos de pesquisa, como o Centro de Estudos Astronômicos de Alagoas, trata-se de um dos maiores da América Latina, atualmente fechado.
No bairro do Bebedouro, um outro conjunto de edifícios abrigava a escola e a igreja de Santo Antônio de Pádua. Com 110 anos de história, a igreja celebrou sua última missa em 2022. A mudança ocorreu devido ao risco de desabamento, provocado pelo afundamento do solo na principal praça do bairro histórico, localizada a 300 metros da mina 32.
“Mataram a principal praça do bairro, local de confraternização, onde encontrávamos amigos, clientes, faziamos laços; perdemos todos esses laços com este crime ambiental”, reclama o comerciante Valdemiro Alves, de 52 anos. Desiludido, Alves quer apenas a indenização para poder recomeçar a vida longe de Maceió, onde não se sinta isolado.
Na entrada da região do bairro conhecida como Flexal, onde vive, um aviso pichado alerta prestadores de serviço, motoristas de Uber e de iFood que ali ainda há moradores. Gente que vive em casas isoladas cercadas de ruínas, aguardando sua vez de receber a indenização que consideram justa. “Frequentemente roubam cabos de energia, nos deixando dias sem luz, entram nos terrenos para roubar as ruínas, ficou muito perigoso”, conta o motorista de Uber Igor Pedro.
Alves culpa o isolamento imposto ao Flexal pela morte de um amigo vizinho. Segundo ele, a ambulância do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) nunca chegou ao território durante a noite enquanto o colega passava por uma insuficiência cardíaca. “No dia seguinte, o serviço municipal que chegou foi para levá-lo para o cemitério”, lamenta.
“Vou para onde sem receber indenização?”
Segundo os cálculos da Braskem, ainda há cerca de 5.000 domicílios pendentes em seu Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação. O programa foi criado em novembro de 2019 para atender os moradores da área de resguardo em torno dos poços de sal gema, e estendido aos moradores, comerciantes e empresários das áreas de desocupação e monitoramento definidas pela Defesa Civil por meio de um termo de acordo assinado em janeiro de 2020 com os Ministérios Públicos e Defensorias Públicas do Estado e União.
Ainda de acordo com os dados da Braskem, mais de R$ 4 bilhões já foram gastos em indenizações e compensações. Dinheiro que Sonia Ferreira, entretanto, nunca chegou a ver. Desde novembro, quando os abalos sob a mina 18 ficaram mais intensos, a área onde mora no Bom Parto é classificada pela Defesa Civil como 00, ou seja, de desocupação obrigatória.
Com paredes e assoalho cedendo sob seus pés, desde o dia 29 de novembro ela dorme com uma mala de emergência preparada com roupas, documentos e remédios em caso de uma fuga. Mesmo diante de sinais, a Defesa Civil não a aconselhou a deixar sua residência antes dessa data “Eu quero sair, mas vou para onde sem receber indenização? Em outros bairros mais ricos isso já aconteceu há até quatro anos, mas no Bom Parto é assim”, reclama ela, observando de sua janela o trecho do bairro de pequenas casas de classe média baixa já abandonado.
“Estamos bem perto da beira da lagoa e das minas. E se der um temporal mais forte, um abalo novamente, quem vai garantir que não acontece nada com a gente? Essas casas do jeito que estão, você acha que elas ficam em pé? Eu creio que não. Só na cabeça deles que aqui não estamos correndo perigo”, se queixa a aposentada de 69 anos que tem como vizinha, a 650 metros de sua porta, a Mina 24 da petroquímica.
Décadas de descaso
Abelardo Nobre, coordenador da Defesa Civil do município desde 2021, explica que estas minas funcionam bombeando água para o subsolo, até 1.000 metros abaixo da superfície, para dissolver o sal gema estocado lá, que vem à superfície. O processo acaba gerando cavernas subterrâneas de formatos irregulares, e o principal esforço da Braskem agora seria tapar estes espaços ocos. No entanto é virtualmente impossível preencher 100% do espaço, de modo que somente o tempo geológico poderá conferir de volta a estabilidade retirada do território. Um processo que levaria pelo menos 40 anos.
Neste meio tempo, ele avalia como essencial a presença e exercício do poder público para impedir ocupações ilegais na região e transformar o espaço em uma área pública e que a população possa usufruir no futuro.
A reportagem da DW solicitou uma entrevista com executivos da empresa, cujos maiores acionistas são Petrobras e Novonor (antes chamada Odebrecht), que preferiu se manifestar somente por meio de uma nota.
Nela, afirma que desde 2019 desenvolve ações com foco na segurança das pessoas e na implementação de medidas amplas para mitigar, compensar ou reparar impactos decorrentes da desocupação de imóveis nos bairros de Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Mutange e Farol. “Todas as ações são fiscalizadas pelos órgãos competentes”, diz o documento, que afirma ainda que cinco termos de acordo foram firmados com autoridades federais, estaduais e municipal e estão sendo cumpridos, abrangendo medidas socioambientais variadas.
Desde 2019 a extração estaria encerrada nos 35 poços da mina do Mutange. A planta de fabricação de dicloroetano da empresa, localizada a 5 km dali, à beira mar, atualmenteatulamente opera com sal gema importado do Chile.
Veja em: https://www.dw.com/pt-br/n%C3%A3o-queria-me-mudar-mas-a-braskem-causou-isso/a-67760201
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