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Um fotógrafo japonês descobre a Amazônia

Nos anos 90, Hiromi Nagakura visitou povos originários em companhia de Ailton Krenak. Viu de perto a devastação, mas também a força e resiliência dos indígenas – e a beleza de sua forma de vida. Exposição retrata essa jornada

Por: Angela Pappiani | Créditos da foto: Grande líder Payaré Gavião sobre o lago de Tucuruí que inundou seu território

A exposição fotográfica “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak” será aberta ao público no CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, na próxima quarta feira, dia 28 de fevereiro, com uma versão ampliada, com a ocupação de oito salas até o mês de maio.

Depois de anos de busca por um espaço para apresentar as obras desse fotógrafo japonês maravilhoso, o projeto foi acolhido pelo Instituto Tomie Ohtake onde a exposição ocupou três salas de outubro de 2023 até o começo deste mês de fevereiro. Agora segue para o Rio e depois para Brasília e Belo Horizonte, com imagens inéditas e instalações que vão mexer com todos os sentidos do visitante.

Hiromi Nagakura veio do Japão para a abertura em outubro e agora retorna ao Brasil para reencontrar os amigos que conheceu na década de 1990 quando, por cinco anos, viajou por aldeias na Amazônia brasileira em companhia de Ailton Krenak. O reencontro com os amigos das aldeias tem sido de grandes emoções, relembrando episódios engraçados das viagens e os pontos que mais o tocaram: a generosidade das pessoas, seu desprendimento e confiança da natureza e no coletivo.

Quando decidiu vir ao Brasil, seu projeto era conhecer os povos originários, gente com sabedoria milenar que vive e protege as florestas e se conecta com seus conhecimentos e mistérios. Admite que chegou impregnado de pré-conceitos e se frustrou num primeiro contato com uma Amazônia devastada, completamente diferente de seu imaginário. A primeira impressão foi rapidamente superada na convivência com os povos originários que revelaram sua força e resiliência e a beleza de sua forma de vida.

Jovem Ashaninka, Rio Amônia/ AC

Antes ele já havia percorrido outros continentes fotografando sempre o ser humano resiliente, iluminado por sorrisos e generosidade, que enfrenta desafios como conflitos políticos, guerras, apartheid, deslocamentos forçados por conta das mudanças climáticas e outras consequências da exploração e ocupação desequilibrada dos territórios. Nagakura-san procura, para além das dificuldades, o que move as pessoas e celebra em suas imagens a força e beleza do ser humano.

“A primeira vez que fui para a Amazônia, carreguei tanto equipamento e bagagem que me dava desânimo. A noção que tinha era de uma floresta cheia de perigos. Que precisava de roupas e caixa especial para proteger câmeras, inseticidas, soro antiofídico, botas de alpinista, capa de chuva … Já na última viagem, a bagagem foi muito leve, pois passei a confiar na sabedoria dos indígenas e dos povos locais. Agora a minha andança na floresta consiste apenas de sandália, bermuda e camiseta leve. Assim passei a sentir o vento e a brisa das árvores. E a deixar o destino me levar.” Hiromi Nagakura

Cerimônia tradicional do povo Xavante, aldeia São Pedro/ MT

Hiromi Nagakura nasceu em 1952, em Kushiro, Hokkaido, região do Japão habitada pelo povo indígena Ainu, que ali se refugiou e sobreviveu a toda forma de violência e discriminação, lutando por mais de um século pelo reconhecimento à sua cultura e tradição pelo Estado japonês. Talvez a proximidade e amizade com os Ainu o tenham motivado a vir tão longe em sua busca dos povos originários que cuidam dos lugares onde a Terra descansa.

No Brasil, Nagakura-san procurou Ailton Krenak, liderança importante que ficou conhecido mundialmente por sua atuação na defesa do “Capítulo dos índios” na Constituição de 1988. Nessa primeira viagem, em 1993, propôs ser sua sombra durante um tempo, acompanhando suas viagens para as aldeias e entrando em contato de forma mais profunda com os povos da floresta. Visitou os povos Krikati e Gavião da Montanha, do Maranhão e Pará e se surpreendeu com a devastação desses territórios e as ameaças à vida dessas populações por invasores e também pelo “progresso”. As fotos na exposição revelam o desastre provocado pela barragem da hidrelétrica de Tucuruí, que inundou a aldeia Gavião e fez desaparecer o território sagrado onde estavam enterrados os umbigos das crianças e os ossos dos antepassados. Visitou também o povo Xavante da aldeia de São Pedro, no Mato Grosso, ocupada pela missão Salesiana e cercada pelo agronegócio. Esteve em algumas aldeias do povo Yanomami, em Roraima e Amazonas, principalmente no Demini onde conheceu o grande líder Davi Kopenawa e sua luta contra a invasão dos garimpeiros que, desde os anos 1970, ameaçam esse território. No Acre, visitou os povos Huni Kuin, Ashaninka e Yawanawá, povos que enfrentaram escravização pelos seringalistas e que nas últimas quatro décadas se organizam e fortalecem suas culturas e espiritualidade.

Em cada uma das aldeias, muitas visitadas em duas ou três ocasiões diferentes, ele criou laços de amizade e celebrou, com suas imagens e também textos para veículos de comunicação, livros, exposições e documentários no Japão, a força da cultura, a resistência na defesa dos territórios e dos direitos, e a esperança.

Com o mesmo cuidado e paixão, Nagakura-san acompanha há quase 40 anos a história, a luta e o cotidiano dos povos do Afeganistão. As imagens captadas durante suas visitas às montanhas e vales do Panjshir revelam o dia a dia das pequenas vilas e dos guerrilheiros que combateram a invasão russa. Como amigo de Massoud, grande líder da resistência, registrou sua alegria e sofrimento, o cotidiano de um homem comum que nem parece o grande líder político que foi ou o herói mitológico em que se transformou. Com a morte do amigo Massoud em 2001, Nagakura-san criou uma ONG para manter uma escola rural no Panjshir, para meninos e meninas, apoiando a educação e a leitura, que eram os grandes objetivos do líder Massoud para a transformação e libertação de seu povo.

Além das imagens do Afeganistão, outros lugares visitados por Hiromi Nagakura estarão também em projeção na exposição do CCBB. E mais: 160 fotografias dos sete povos indígenas visitados no Brasil, objetos da cultura material, duas salas imersivas com música tradicional desses povos, projeções em vídeo dos encontros com 12 lideranças indígenas durante o evento em São Paulo e o especial “Conversa na Rede” realizado com Ailton Krenak e Hiromi Nagakura em outubro de 2023 na Casa Ateliê de Tomie Ohtake, numa produção do Ciclo Selvagem de Estudos.

Canto tradicional das mulheres Krikati , aldeia São José/ MR

“A partir do encontro com Ailton Krenak, esse encantamento pelo mundo dos povos originários se revela e iniciamos uma jornada de muitas outras viagens onde aprendi que o encontro é um lugar de trocas, não de mercadorias, mas sim de visões de mundo.” Hiromi Nagakura

Na semana de abertura da exposição, de 28/02 a 01/03, cinco lideranças indígenas dos povos Huni Kuin, Ashaninka, Krikati e Xavante, além de dois representantes indígenas do Rio de Janeiro, participarão de mesas e atividades do programa educativo. O CCBB deve divulgar a programação detalhada em breve. Uma oportunidade a mais de aproximação com os povos da Amazônia, sua cosmologia e luta.

“A permanência na Aldeia Nova Esperança foi uma sucessão de dias que me ensinaram a alegria dos encontros. Senti que as pessoas ali verdadeiramente ‘gostam de gente’. Sinto que aprendi na interação com essas pessoas a verdadeira ‘alegria e maravilha de ser humano’. No Japão não se vêm pessoas no metrô indo felizes para o trabalho. É bem possível que lá eu tenha a cara fechada e brava, andando com pressa, como se estivesse sendo perseguido.” Hiromi Nagakura

 

Veja em: https://outraspalavras.net/poeticas/um-fotografo-japones-descobre-a-amazonia/

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