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“FONTES DE RECURSOS PARA A SAÚDE: ONDE BUSCAR”, POR MARIA LUCIA FATTORELLI

Maria Lucia Fattorelli

Importantes questões para a melhoria da prestação de serviços de saúde à população estão sendo debatidas no I Congresso Brasileiro de Políticas e Sistemas de Atenção às Urgências e Acesso Hospitalar que acontece juntamente com o XI Congresso Internacional da Rede Brasileira de Cooperação em Emergências. No entanto, a maioria das importantes soluções propostas por profissionais da área esbarram na eterna ladainha de que “não existiriam recursos disponíveis” para implantá-las.

          Minha contribuição a esse importante debate buscará mostrar que recursos existem, e em abundância! A questão é: para onde estão sendo canalizados.

          O Brasil é a 9ª maior economia do mundo, com imensas riquezas e potencialidades em todos os aspectos, mas o modelo econômico aplicado aqui tem canalizado essas riquezas para poucos, instalados especialmente no setor financeiro e em grandes corporações que estão presentes em todas as áreas estratégicas, inclusive adquirindo nossas terras e empresas estatais.

          Esse direcionamento de recursos fica evidente quando acessamos dados que comparam a concentração de renda de um lado e, do outro, o retrocesso nos direitos humanos. O Brasil é um dos países de maior concentração de renda do mundo, conforme constou do relatório divulgado pela ONU no final de 2019ii, o qual mede também o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos diversos países, que tem relação direta com a distribuição de renda em cada paísiii. Segundo esse último relatório, o Brasil ocupa a 79a posição no ranking do IDH, tendo perdido algumas posições em relação ao relatório anterior.

          O direcionamento dos recursos públicos para setores privilegiados se dá através dos principais eixos que sustentam o modelo econômico, destacando-se (1) a estrutura tributária concentradora de renda e riqueza; (2) o sistema da dívida pública e sua conexão à política monetária do Banco Central, e (3) a exploração mineral e o agronegócio voltados para exportação, deixando aqui somente o dano ambiental. Vou focar nesses 3 aspectos principais do modelo econômico, porque aí encontramos as maiores fontes de recursos.

          A exploração mineral e agrícola representa parcela significativa do PIB brasileiro, porém, a expressão dessas áreas nos orçamentos públicos dos diversos entes federados é praticamente nula. Esses setores recebem inúmeros incentivos fiscais, em especial a isenção do ICMS sobre a exportação, que tem gerado prejuízo de centenas de bilhões aos estados e municípios desde que foi aprovada a Lei Kandir. Gozam de privilégios financeiros por meio de empréstimos subsidiados e programas especiais. Os danos ambientais brutais provocados tanto pelo agronegócio como pela mineração podem ser quantificados pelo consumo excessivo de água, contaminação do solo, exploração da classe trabalhadora e devastação de florestas, do pantanal e outros biomas. A mineração paga os royalties mais reduzidos do mundo no Brasil e tem deixado danos ambientais irreversíveis, haja vista os crimes ocorridos em Mariana e Brumadinho. A revisão desses modelos de exploração agrícola e mineral é urgente, tanto sob o ponto de vista econômico, mas principalmente pela necessidade de barrar e reverter a devastação em curso no país.

          A estrutura tributáriaiv existente no Brasil é regressiva, pois metade de tudo que se arrecada vem de tributos que incidem sobre o consumo, onerando principalmente os mais pobres. Existem incentivos fiscais abusivos, injustificados e pouco transparentes, de tal forma que o Estado abre mão de arrecadar grandes somas de recursos que alcançam centenas de bilhões de reais anualmente. Os lucros distribuídos aos sócios são isentos somente no Brasil e na Estônia, sendo que tal tributação renderia R$ 80 bilhões por ano ou até mais, dependendo da alíquota e do grau de progressividade. O modelo concede benesses às grandes empresas e bancos, por meio da dedução de juros sobre o capital próprio, por exemplo. O imposto sobre grandes fortunas previsto na Constituição de 88 nunca foi regulamentado e é baixa a incidência sobre heranças, que ainda permite brechas que levam à sonegação de ricos. O lucrativo setor primário exportador é isento de ICMS (prejudicando o financiamento da saúde em estados e municípios) e o ganho dos estrangeiros com juros da dívida “interna” é isento de Imposto de Renda.

          Não há a devida punição aos sonegadores no Brasil: se chegarem a ser pegos, basta pagar ou pedir um parcelamento que não há criminalização. Além de tudo isso, há pouco investimento na administração tributária. O modelo tributário brasileiro concentra a arrecadação na esfera federal, deixando municípios à mingua, sendo que todos os países desenvolvidos fazem o contrário.

          Se corrigidos esses erros, a arrecadação tributária poderia aumentar centenas de bilhões anualmente. Aí esbarramos na esdrúxula Emenda Constitucional 95, que estabeleceu teto de gastos para todas as áreas sociais e estrutura do Estado, deixando fora, sem qualquer teto, controle ou limite, os gastos financeiros com a chamada dívida pública, que nunca foi auditada como manda a Constituição Federal. Assim, além de lutarmos para corrigir os erros e distorções do modelo tributário aplicado no Brasil, temos que lutar também pela revogação da EC-95v.

          Mas a maior fonte de recursos será obtida no enfrentamento do Sistema da Dívida. Criei esse termo há alguns anos para caracterizar o que temos comprovado ao longo de anos de investigação do endividamento público no brasil e em outros países. O Sistema da Dívida corresponde à utilização do endividamento público às avessas, de tal forma que em vez de servir de fonte de recursos para viabilizar políticas públicas, tem servido para ampliar o desvio de recursos principalmente para bancos.

          Em 2020, até 8/12/2020, o governo federal gastou R$ 78,25 bilhões com o auxílio extra a estados e municípios e R$ 41,74 bilhões com despesas adicionais do Ministério da Saúde e demais ministériosvi, o que representa apenas uma migalha se comparado aos gastos de R$ 1,373 TRILHÃO até a mesma data com juros e amortizações da dívida pública federal, que representam 42% do orçamento.vii Adicionalmente, o Tesouro Nacional possui em seu caixa R$ 1,158 TRILHÃOviii, que também poderiam ser destinados para a área da saúde. Porém, são em sua maior parte reservados para o pagamento da dívida pública. No exterior temos mais de 350 bilhões de dólares em reservas internacionais, na gaveta, e mesmo assim o governo segue emitindo títulos da dívida externa no mercado internacionalix! E no Banco Central ainda temos cerca de R$1,7 trilhão parados, remunerando essa sobra de caixa de bancos que deveria estar circulando na economia! Todos esses trilhões em caixa e já sofremos a perda de mais de 177 mil vidas por Covid-19, muitas delas por falta de materiais básicos…

          Diversos mecanismos financeiros atuam na geração de dívida pública sem contrapartida alguma, tais como a incidência de juros sobre juros em um endividamento que tem servido principalmente para pagar os juros abusivos da própria dívida ilegítima e alimentar mecanismos de política monetária suicidax, ao invés de ser aplicado em investimentos sociais. O argumento de que a dívida estaria servindo para financiar um falacioso “déficit” orçamentário não se sustenta, pois, na realidade, desde a crise fabricada a partir de 2014, cerca de R$1,8 trilhão de fontes que nada tem a ver com emissão de nova dívida, e que poderiam ser destinados a gastos sociais, foram destinados para o pagamento de juros e amortizações da dívida xi.

          Para simplificar e otimizar propostas concretas que poderão trazer resultado imediato, vou priorizar a explicação do mecanismo mais escandaloso e abrangente de todos, responsável pela produção da crise que enfrentamos desde 2014xii.

          Trata-se de operação que atualmente envolve cerca de R$1,7 TRILHÃO; custou R$ 1 TRILHÃO aos cofres públicos nos últimos 10 anos, e, ainda por cima, é a operação que amarra toda a economia, pois provoca escassez de moeda e elevação brutal das taxas de juros de mercado praticadas no Brasil, sacrificando todas as empresas e famílias que precisam de crédito.

Saiba mais em: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/fontes-de-recursos-para-a-saude-onde-buscar-por-maria-lucia-fattorelli/

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