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Potências mundiais debatem segurança na era Trump

Principal fórum mundial para políticas de segurança reúne cerca de 60 chefes de Estado e de governo em Munique. Após telefonar com Putin, presidente dos EUA envia seu vice para conversa com Zelenski na capital bávara.

Os laços tradicionalmente estreitos entre os Estados Unidos e a Europa marcam há décadas a Conferência de Segurança de Munique (MSC, na sigla em inglês), principal fórum mundial para políticas de segurança, que começa nesta sexta-feira (14/02) na capital bávara.

Apesar de algumas diferenças, a cooperação entre os americanos e europeus era bem azeitada e a apreciação, mútua. Mas desde que Donald Trump assumiu a Casa Branca, essa certeza vem se desfazendo. O evento é, portanto, também um termômetro do estado das relações transatlânticas.

Novas tensões entre os EUA e seus aliados?

Uma coisa é certa: um vento diferente sopra de Washington, ainda que essas sejam só as primeiras semanas do segundo mandato de Trump como presidente dos EUA. “Os EUA em primeiro lugar” é o lema incondicional de Trump, mesmo que suas políticas sejam à custa de seus aliados.

Essas tensões provavelmente moldarão alguns dos debates na tradicional sede da MSC, o hotel Bayerischer Hof. Ali, até o domingo, cerca de 60 chefes de Estado e de governo se reunirão com outros políticos, líderes militares e especialistas.

Do lado americano, confirmaram presença o vice-presidente J.D. Vance e o secretário de Estado Marco Rubio, mas não o novo secretário de Defesa, Pete Hegseth. O evento deve atrair ainda uma das maiores delegações do Congresso dos EUA na história do evento, segundo o presidente da MSC, Christoph Heusgen. Entre os convidados está também o novo secretário-geral da aliança militar Otan, Mark Rutte.

“Explorado” pela Europa

A Conferência de Segurança de Munique é uma reunião informal; não há tomada de decisões. É exatamente por isso que o evento tradicionalmente cultiva uma troca aberta, e os conflitos não são varridos para debaixo do tapete.

O novo tom nas relações transatlânticas, mais áspero, já foi dado pelo próprio Trump. “Fomos explorados pelas nações europeias tanto no comércio quanto na Otan”, disse o americano durante a campanha eleitoral. “Se eles não pagarem, não os protegeremos”, prometeu, dirigindo-se aos europeus. As duas frases foram incluídas no Munich Security Report, publicado anualmente por ocasião da conferência.

Carros negros estacionados diante do hotel Bayerischer Hof
Hotel Bayerischer Hof é palco da conferência anual. Foto: Sven Hoppe/dpa/picture alliance

Os investimentos militares de alguns membros europeus da Otan são considerados insuficientes pelo republicano. Ele também criticou repetidamente a Alemanha por causa disso.

Washington tem assumido a maior parte dos custos da Otan e oferece à Europa uma proteção militar confiável. Agora isso está vinculado a condições: Trump exige que os aliados gastem 5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em defesa. A Alemanha consegue, com muito esforço, atingir os 2% que agora são considerados o padrão mínimo na Otan.

Trump já provou que pode cortar os fundos americanos de organizações ativas internacionalmente. De acordo com o Munich Security Report, o grupo em torno do presidente dos EUA também justifica isso argumentando que até mesmo a potência global tem recursos limitados e deve usá-los para o bem de seu próprio país. “De fato, o conceito de ‘escassez de recursos’ tornou-se uma premissa central do pensamento republicano sobre política externa”, afirma o relatório.

Vice de Trump se reúne com Zelenski

Isso também pode ter um impacto negativo na ajuda à Ucrânia, na qual os EUA têm um papel de líder até o momento. De qualquer forma, há muito o que conversar durante o esperado encontro na sexta-feira em Munique entre o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, e o vice-presidente americano, J.D. Vance.

Trump confirmou nesta quarta-feira a reunião de seu vice com Zelenski na Alemanha, após telefonar com o governante ucraniano e o presidente russo, Vladimir Putin. Nas ligações, os líderes se comprometeram a iniciar negociações para um acordo de paz.

É provável que a reunião de Vance com Zelenski se torne uma das conversas mais importantes da conferência. Kiev teme que Trump possa cortar o apoio financeiro e militar, conforme anunciado com frequência durante a campanha eleitoral. Recentemente, falou-se de um possível acordo: ajuda dos EUA em troca de matérias-primas ucranianas, como terras raras. É possível que essas propostas ganhem contornos mais concretos em Munique.

Nos dias que antecederam a conferência, circularam rumores de que Vance e sua comitiva podem apresentar em Munique o plano do governo Trump para acabar com a guerra na Ucrânia.

O presidente da conferência, Christoph Heusgen, expressou a esperança de que um plano de paz possa tomar forma em Munique. O diplomata enfatizou que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia devem ser preservadas – isso, apesar de Trump ter dito nesta quarta-feira considerar “não ser realista” que a Ucrânia possa retornar às suas fronteiras anteriores a 2014, quando a Rússia começou a ocupar seus territórios, nem que o país possa se juntar à Otan como resultado de um acordo de paz.

Representantes do governo russo não foram convidados para a MSC. Já representantes da oposição russa e de organizações não governamentais são bem-vindos em Munique.

A reivindicação de Trump sobre a Groenlândia

As ameaças de Trump de anexar territórios pela força, se necessário, incluindo a Groenlândia, que pertence à Dinamarca, causaram agitação e horror na Europa. O vice de Trump, J.D. Vance, está por trás dos planos de expansão de Trump. Caso ele reafirme esses planos em Munique, é provável que encontre uma oposição feroz, principalmente dos representantes da UE e dos estados europeus.

J.D. Vance fala segurando microfone
J.D. Vance esteve na MSC no ano passado, quando participou como senador americano. Foto: Matthias Schrader/AP/picture alliance

Os europeus reagiram à ameaça de Trump com a advertência de que os EUA devem obedecer às leis internacionais. “A inviolabilidade das fronteiras é um princípio fundamental do direito internacional. Esse princípio deve se aplicar a todos”, comentou o chanceler federal alemão, Olaf Scholz.

Não foi sem razão que o presidente da conferência, Heusgen, enfatizou a importância do direito internacional várias vezes antes da conferência. “Na minha opinião, não há alternativa melhor do que a ordem refletida na Carta das Nações Unidas.”

Eleições alemãs

A política interna alemã desempenhará um papel especial na conferência deste ano, já que a reunião será realizada a apenas uma semana das eleições federais antecipadas de 23 de fevereiro e, portanto, no meio da reta final da campanha.

Vários candidatos confirmaram presença na MSC, incluindo o líder do partido conservador CDU e aspirante a chanceler Friedrich Merz – que, segundo as pesquisas, é o favorito para vencer as eleições.

Os candidatos se veem confrontados com questões como quanto dinheiro a Alemanha investirá em suas Forças Armadas e de onde ele deve vir, tendo em vista os orçamentos apertados. A questão não é se, mas como a Alemanha e a Europa podem fazer mais por sua própria segurança. Agora que Trump voltou à Casa Branca, é provável que esse tópico seja discutido na Conferência de Segurança de Munique com mais urgência do que nunca.

 

Publicado originalmente em: https://www.dw.com/pt-br/pot%C3%AAncias-mundiais-debatem-seguran%C3%A7a-em-meio-a-tens%C3%B5es-globais-crescentes/a-71593039

 

 

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