Apenas isolamento não bastará. Será preciso produzir respiradores e insumos hospitalares — em parque industrial há décadas abandonado. Oxalá crise permita redesenhar economia, com foco em pesquisa e Saúde, e superar falsa austeridade…
por Marcelo Alves Moreira Filho e Antônio José Alves Jr.
É falsa a dicotomia entre saúde pública e economia. Não adotar o isolamento social para proteger a economia, em meio uma crise na saúde mundial, só levaria ao pânico, caos social e uma profunda crise econômica. A estimativa do Imperial College sobre o número de mortes por 100 mil habitantes seria equivalente a mais de 20 vezes a dos homicídios no Brasil. O isolamento social, contudo, produz claros efeitos negativos sobre a produção e, principalmente, sobre os níveis de emprego e renda das famílias, afetando a paz social. Para funcionar, felizmente, emergiu um consenso em torno da urgência de se colocar em prática esquemas maciços de transferência de renda aos mais vulneráveis durante a duração da pandemia.
O ministério da Economia brasileiro estima que a liberação parcial do seguro-desemprego, para trabalhadores em regime de lay-off, custará mais R$ 51,2 bilhões, enquanto os gastos com o auxílio emergencial para informais será de R$ 98,2 bilhões, totalizando 149 bilhões de reais, ou 2% do PIB, a serem transferidos para a sociedade pelos próximos três meses. Mesmo reconhecendo a timidez da ajuda aos informais, inferior à renda média de R$ 1.400,00, e às perdas que os trabalhadores formais absorverão com o esquema proposto de lay-offs, parece plausível que uma pergunta passe perante o imaginário popular: de onde viriam esses bilhões de reais? A resposta é curta: expansão monetária! “Mas e a inflação?”, perguntaria o mesmo público.
Em uma economia deprimida, com apenas 76% de utilização da capacidade instalada da indústria, e uma taxa de desemprego alarmante de mais de 12 milhões de pessoas (fora os quase 5 milhões de desalentados e 40 milhões na informalidade), antes mesmo da eclosão da crise da covid-19, seria inconcebível que uma expansão monetária dessa magnitude provocasse inflação. Com a eclosão da covid-19 e das expectativas de elevada queda do produto e do emprego, as ações expansionistas se tornaram urgentes para impedir uma derrocada econômica cuja gravidade ameaçaria o mínimo de coesão social.
Contudo, não se pode esquecer, o isolamento social é, em si, o reconhecimento de que a oferta de bens e serviços de Saúde necessários para enfrentar a covid-19 são limitados. Por essa razão, é necessário “achatar a curva” de infecções. Evoca-se a imagem de uma economia de guerra, dada a urgência e prioridade de certas demandas [¹].
É certo, no entanto, que se deve e pode fazer mais do que achatar a curva. Diante do aumento geral da ociosidade produtiva e do sepultamento, ao menos temporário, do mito das finanças robustas, caberia implementar uma estratégia para organizar a estrutura produtiva com finalidade de atenuar as restrições de oferta e atender às demandas que surgirão. Exemplos existem vários. Uma delas é a associação da WEG, uma multinacional brasileira, com a fabricante brasileira de respiradores Letsung, para aumentar a produção nacional de respiradores em 50 por dia [²]. Há outras possibilidades como essa, onde a engenharia é de conhecimento da estrutura produtiva brasileira, ou a engenharia reversa não é de todo complicado, que podem ser exploradas através das compras governamentais financiados pela expansão monetária [³]. Felizmente, isso já está sendo feito. O ministério da Economia criou forças-tarefa para articular cadeias industriais e parece ter sucesso com a produção de ventiladores, álcool gel e EPIs. A iniciativa de reorganização emergencial de estruturas industriais, que se valeu do mapeamento e dos resultados das políticas industriais deixadas de lado desde 2016, é bem-vinda, mas vem com atraso e modéstia.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/crise-brasileira/a-desindustrializacao-tambem-colapsou-a-saude/
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