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Crise nos emergentes, o ângulo cego da pandemia do coronavírus

Países em desenvolvimento sofrerão em 2020 seu primeiro ano negativo em pelo menos seis décadas e milhões de pessoas voltarão à pobreza

IGNACIO FARIZA

São tantos os recordes deixados por essa crise relâmpago que, talvez, deveríamos pensar em parar no meio do caminho, tomar distância e olhar em perspectiva as estatísticas ― todas pavorosas ― que o dia a dia nos deixa. Até agora, as que continuam caindo, já não a conta-gotas e sim em avalanche, deixam uma enxurrada de más notícias impossíveis de se imaginar meses atrás. Os confinamentos levarão a economia global ao seu pior ano desde o crash de 1929, esse que só conhecemos através do cinema e dos livros de história econômica. A dívida pública baterá máximos históricos em boa parte do Ocidente e o emprego, a variável macro mais estreitamente ligada à economia real, reverterá boa parte dos ganhos registrados nos últimos anos, quando o golpe da crise financeira de 2008-2009 começava a ficar para trás na memória.

Há, entretanto, um ângulo cego que torna esta crise diferente das anteriores: o bloco de países em via de desenvolvimento, que não parou de ganhar peso no coquetel da economia mundial, fechará em 2020 seu primeiro exercício no negativo desde que existem dados. O que nenhuma das crises estritamente emergentes do último meio século conseguiu será feito por um minúsculo vírus de 0,000125 milímetros. Os números do Fundo Monetário Internacional (FMI) vão até quatro décadas atrás e o pior registro havia sido um crescimento de 1,2% de 1983. Nos dados do Banco Mundial, que vão até o começo dos anos sessenta, o pior exercício fechou com um aumento do PIB de 0,7% que hoje soa a anseios de tempos melhores: neste ano as nações em vias de desenvolvimento sofrerão um retrocesso de 1%, o que oferece uma imagem sem precedentes, com os países da OCDE e os de renda média e baixa sob o manto da recessão e a economia mundial à deriva.

“Nós nos centramos nos países ricos, mas deveríamos nos preocupar, até mais, com os emergentes”, frisa Ana Revenga, do think tank Brookings, que vê “otimistas demais” as previsões econômicas publicadas até agora sobre o bloco. “A desaceleração econômica na China [líder de fato do bloco] é algo muito novo e tanto a América Latina como aqueles que estão mais integrados à economia global são os que mais irão sofrer. Há pouco em que se agarrar nesse momento”. Em plena tempestade global, as economias avançadas têm mais razões do que nunca para se preocupar por esse vendaval que atinge o casco de países emergentes que superaram há tempos a barreira de 50% do PIB global. “Ao contrário da crise de dez anos atrás, que a China aproveitou como plataforma para sair ao exterior, agora estamos em um salve-se quem puder. Mas é cego, porque ou saímos todos [da crise] ou caímos todos”, alerta Lourdes Casanova, chefa do Instituto de Mercados Emergentes da Universidade Cornell. “O contágio econômico de segunda rodada às economias avançadas pode ser por via dos emergentes”.

Uma vez que sofre uma sacudida e meia por década, o bloco emergente nunca soube realmente o que é viver sem pressão. Nos anos oitenta foi a crise da dívida latino-americana. No meio dos noventa, quando seus membros começavam a ter acesso aos mercados internacionais, chegou o tequilazo [a forte crise econômica mexicana de 1994, que abalou o cone sul]. E, logo depois, a onda financeira dos tigres asiáticos. Em 2008 conseguiram sair quase incólumes: a explosão da mãe de todas as recessões no Ocidente, a Grande Recessão, só os atingiu de raspão graças ao sustento de matérias-primas que voavam alto. Mas dessa vez… “isso é diferente”, como escreveu recentemente a economista Carmen Reinhart. “Estão sob um choque múltiplo, e o mais preocupante: que coincida no mesmo momento tanto o golpe interno como o externo, uma vez que ambos são envergadura histórica”, diz Enrique Mendoza, diretor do Penn Institute for Economic Research e professor da Universidade da Pennsylvania.

Primeiro sinal, quantitativo: o estouro do mercado de capitais. Como sempre, chega de uma forma desordenada, com uma norma não escrita, mas que se cumpre à risca crise após crise. A primeira coisa que os grandes fundos de investimento fazem ―antes até de pensar em onde irão investir novamente― é recolher as velas nos países vistos considerados de maior risco: os emergentes, que são, por sua vez, os que mais precisam de investimentos e créditos para crescer. Esperando os dados de abril ―e já adiantando: não serão muito melhores―, em março saíram mais de 50 bilhões de dólares (274 bilhões de reais) das Bolsas emergentes e 31 bilhões (170 bilhões de reais) dos mercados de dívida, de acordo com os dados do Instituto de Finanças Internacionais, a patronal mundial do setor financeiro.

 Saiba mais em: https://brasil.elpais.com/economia/2020-05-04/crise-nos-emergentes-o-angulo-cego-da-crise-do-coronavirus.html

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