O virologista José Antonio López Guerrero alerta: “Fazemos o que podemos. A ciência evolui e retifica”
Manuel Jabois
As conversas telefônicas e trocas de e-mails sobre a pandemia do coronavírus resumidas a seguir ocorreram nas últimas semanas. Começaram em relação a uma reportagem e continuaram nos dias seguintes enquanto o cientista, um divulgador com um programa próprio na emissora espanhola Rádio 5 (El Laboratorio de JAL), acompanhava os avanços e retrocessos nas pesquisas sobre a covid-19. José Antonio López Guerrero (57 anos, Madri) é professor de Microbiologia do Departamento de Biologia Molecular da Universidade Autônoma de Madri, diretor do grupo de Neurovirologia desse departamento e diretor do Departamento de Cultura Científica do Centro de Biologia Molecular Severo Ochoa, da mesma universidade. Publicou na Espanha um ensaio intitulado Vírus: Ni Vivos Ni Muertos (“vírus: nem vivos nem mortos”), pela editora Guadalmazán.
Pergunta. Somos os seres humanos que somos graças aos vírus?
Resposta. Eles influenciaram nossa evolução mais do que gostaríamos de reconhecer. Sabe-se que 8% do nosso material genético vem de uma família de vírus chamados de retrovírus, que têm a capacidade de entrar no nosso genoma. Muitos desses vírus se incorporaram à nossa linha germinal e foram transmitidos. Infectaram não só a mim, mas também aos meus descendentes.
P. Sempre nos incomodaram?
R. Noventa e nove por cento não nos prejudicam, ou nos ignoram, ou interagiram conosco em um sentido evolutivo. Acredita-se que os retrovírus em particular tenham uma função. Há teorias que defendem que foi graças a um desses vírus que um precursor dos mamíferos fez com que seus óvulos não fossem expelidos, e sim se fundissem com células em seu interior, no que seria um futuro útero. Isso teria feito dele o precursor dos mamíferos placentários. Ou seja: há teorias, e bem documentadas, que indicam que somos mamíferos devido aos vírus. Os vírus não só teriam colaborado conosco na evolução, como teriam contribuído para o surgimento dos mamíferos, principalmente dos mamíferos com placenta. É uma porcentagem muito pequena, mas muito incômoda, a dos vírus que causam patologias significativas em humanos ou em outros animais.
P. Eles nos procuram.
R. Eles nos encontram, na verdade. Fora de uma célula um vírus não é nada, é um complexo molecular formado por ácido nucleico e proteína. Se você inativa um vírus para que ele não se replique dentro de uma célula, você o injeta em um coelho e o coelho produz anticorpos, pouco mais que isso.
P. Podem ser controlados, mas nunca mortos.
R. Assim como as bactérias. Uma bactéria é imortal?
P. Mas o vírus não é um ser vivo.
R. Um ser não vivo não pode ser mortal, mas a pergunta no sentido evolutivo faz sentido. Por exemplo, as bactérias são seres vivos. Uma bactéria é imortal? Um animal morre e deixa sua descendência. No caso das bactérias, não. Onde há uma bactéria há duas, quatro, oito, e se tiverem um meio de cultura, ficarão eternamente assim, não morrem.
P. Os vírus também?
R. Se você tem um vírus que não está dentro da célula que ele infecta, em vez de morrer, o que ele faz é se inativar, ele perde a viabilidade. Acabam perdendo seu título, o título de vírus; o título é a quantidade de vírus.
P. Mas continua presente.
R. Agora se diz muito que “o coronavírus vive não sei quanto tempo em gotículas de água, vive não sei quanto tempo flutuando no ar”. São estudos tendenciosos. O que costuma existir é material genético do vírus, não o vírus. Isso está ocorrendo com o [exame] PCR. O que um PCR faz é ver se há material genético do vírus, outra coisa é que haja vírus inteiros ou que esses vírus que encontrados sejam infecciosos. Por exemplo, nas fezes de pessoas infectadas, foi encontrado genoma do vírus semanas depois de elas estarem curadas. E se dizia: “Quando você tiver alta, terá de esperar duas semanas antes de retomar a vida normal”.
P. Não é assim?
R. Continua sendo uma boa medida ficar em casa por algum tempo. Observou-se em alguns casos −uma porcentagem muito pequena− que o vírus voltava, certamente porque não estava totalmente eliminado, já que permanecia em alguma parte do corpo.
P. Um PCR pode dar positivo pelo material genético do vírus, mas não pelo vírus?
R. Sim, e isso certamente está ocorrendo. Quando já se passaram oito ou nove dias e alguém tem resposta imunológica, já tem anticorpos. Principalmente se já tem anticorpos IgG, ou seja, suas células estão atacando bem o vírus. Há um período do momento em que você passa a ter anticorpos até que já não seja detectado o vírus em que o PCR ainda dá positivo. Suspeito que nem todos esses positivos sejam vírus infecciosos, porque o PCR não verifica se há vírus viável, e sim se há material genético de vírus. O PCR é muito sensível, detecta genoma do vírus, mas não diz se esse vírus é viável, se é um pedaço de vírus que está ali sozinho ou se é um resto de material genético.
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