Cansados de enfrentar a pandemia de coronavírus e ainda ter que lidar com notícias falsas nas redes sociais, médicos, pesquisadores e enfermeiras exigem uma nova política do Facebook, Twitter e Google
Gil Alessi
Sentado em uma mesa azul vestindo seu tradicional chapéu de vaqueiro, o pastor Valdemiro Santiago de Oliveira, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, começa a falar para a câmera com sua já tradicional voz rouca. “Na ultima reunião de bispos e pastores apresentamos laudo médico de gente em estado terminal, gravíssimo [de covid-19]. E Deus operou e fez maravilha”, afirma. Neste momento a tela do vídeo se divide em dois, e um homem com máscara exibe um suposto exame negativo para a doença. “O segredo da cura? Semente ‘Sê tu uma bênção’ é o nome”. A câmara dá um close na fava milagreira: trata-se de um grão de feijão com a frase “Sê tu uma benção” gravada, vendido por até 1.000 reais pelo pastor. É contra esse tipo de iniciativa que profissionais de medicina de todo o mundo, cansados de enfrentar uma pandemia na linha de frente dos hospitais e ainda precisar lidar com fake news e desinformação nas redes sociais, lançaram uma campanha-manifesto para denunciar a “infodemia” na Internet.
O manifesto, assinado por centenas de profissionais dos Estados Unidos, Itália e Brasil, e apoiado por entidades de classe como o Conselho Federal de Enfermagem, começa em tom de desabafo: “Nosso trabalho é salvar vidas. Mas neste momento, além da pandemia da covid-19, enfrentamos também uma infodemia global, com desinformações viralizando nas redes sociais e ameaçando vidas ao redor do mundo”. O vídeo do pastor Valdemiro foi alvo de uma ação do Ministério Público Federal em São Paulo, que pediu ao Google, empresa dona da plataforma de vídeos YouTube, retirasse o conteúdo do ar, alegando que “tal atitude pode auxiliar na crise epidêmica atual, fazendo alusão e ligação com suposto caso concreto de pessoa que teria se curado de doença causada pelo novo coronavírus”. A procuradoria não descarta ainda uma denúncia por estelionato contra o líder religioso. Mas este caso é uma exceção.
O manifesto dos profissionais de medicina pede que os CEOs do Facebook, Twitter, Google e YouTube façam a correção de erros nos posts de desinformação de forma retroativa."Para isso, devem alertar e notificar cada pessoa que viu ou interagiu com desinformação sobre saúde em suas plataformas e compartilhar uma correção bem elaborada preparada por verificadores de fatos independentes", diz o texto. Só assim as milhares de pessoas que foram expostas ao conteúdo enganoso poderão ter acesso aos dados científicos. Outra exigência feita aos gigantes da tecnologia é a de que reduzam drasticamente o alcance de posts com mentiras, removendo a “desinformação nociva e as páginas e canais de quem promove esse tipo de conteúdo”.
Por fim, o manifesto afirma que “as empresas de tecnologia que facilitaram a disseminação de ideias e que lucraram com ela têm o poder e a responsabilidade de conter a disseminação mortal de desinformação e fazer com que as redes sociais parem de adoecer as nossas comunidades". Para salvar vidas e restaurar a confiança em cuidados de saúde baseados na ciência, “os gigantes da tecnologia devem parar de fornecer oxigênio às mentiras, fraudes e fantasias que ameaçam toda a humanidade”.
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