Ao menos 287 índios já perderam a vida em decorrência do novo vírus. Comunidades dizem que invasores aproveitam a pandemia, com menos fiscalização, para entrar nos territórios
Joana Oliveira
Em 1986, os filhos de Omama (criador do mundo), que vivem na maior Terra Indígena (TI) do Brasil, a Terra Indígena Yanomami, entre Roraima e o Amazonas, tiveram sua casa invadida pela primeira vez. Entre aquele ano e 1990, estima-se que 20% dessa população (1.800 pessoas) morreu de doenças e violências causadas por 45.000 garimpeiros ilegais. Foi quando eles conheceram a xawara, palavra que denomina as epidemias levadas pelo homem branco. Três décadas depois, uma nova xawara chegou à Terra Yanomami: a covid-19, que ameaça 40% desse povo e avança também entre outras etnias.
“Estamos acompanhando a doença covid-19 na nossa terra, já são 55 casos, e estamos muito tristes com as primeiras mortes dos yanomami. Nossos xamãs estão trabalhando sem parar contra a xawara. Vamos lutar e resistir, mas, para isso, precisamos do apoio do povo brasileiro, porque o Governo não está se importando com a vida dos indígenas”, diz ao EL PAÍS, por telefone, Dário Kopenawa, filho do líder Davi Kopenawa, um dos mais conhecidos xamãs de toda a Amazônia. Quase metade dos yanomami (13.889 pessoas) mora em comunidades que ficam a menos de cinco quilômetros de uma zona de garimpo, e os polos base (equivalentes a postos de saúde) que os atendem têm limitações de infraestrutura e transporte de doentes para outras regiões. “São três horas de avião fretado para tirar um indígena de lá e levar ao hospital”, explica Dinaman Tuxá, um dos coordenadores da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Um estudo do Instituto Socioambiental (ISA) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com revisão da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), estima que, tendo os garimpeiros como o principal vetor de transmissão da pandemia no território, até 13.889 indígenas, o equivalente a 40% da população yanomami, podem pegar a doença.
Pelo menos 287 indígenas brasileiros —entre eles, três yanomami— já perderam a vida em decorrência do novo coronavírus, em um ritmo que se acelera. De acordo com o Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, foram 28 óbitos em todo o mês de abril. Já nos primeiros oito dias de junho, o número triplicou, chegando a 89 mortes. A mais recente perda foi a de Paulinho Payakan, líder Kayapó de 67 anos, que faleceu nesta quarta-feira no Hospital Regional Público do Araguaia, no sudeste do Pará, onde estava internado desde o dia 9 de junho. Antes dele, no sábado (13/06), um bebê kalapalo de apenas 45 dias tornou-se o primeiro óbito registrado entre os indígenas do Xingu, no Mato Grosso. Há outros dois casos confirmados da doença na região, de acordo com o Ministério da Saúde.
O Comitê pela Vida e Memória indígena, formado por diversas associações, como a Apib, contabiliza 5.484 infectados de 103 povos diferentes. Os números são muito maiores do que os oficiais, que trazem 103 mortes e 3.079 casos confirmados. As lideranças indígenas afirmam que a primeira morte ocorreu em 20 de março, mas o Governo só registrou o primeiro caso de infecção —uma jovem de 20 anos, da etnia Kocama, no Amazonas— em 2 de abril. De acordo com o Ministério da Saúde, a divergência se dá porque ele só contabiliza os casos e óbitos entre indígenas que vivem em aldeias, excluindo, por exemplo, os que vivem em zonas urbanas ou em territórios isolados.
Mas o novo coronavírus já ameaça até aqueles que habitam as mais recônditas matas do país. No Vale do Javari, extremo oeste do Amazonas, existe a maior concentração do mundo de indígenas isolados —aqueles que preferem viver somente com membros da própria aldeia, sem contato com outros grupos ou não indígenas. São pelo menos 16 registros, de acordo com a Funai (Fundação Nacional do Índio). Lá vivem ainda cerca de 7.000 índios de recente contato, que tomaram a decisão de se aproximar há apenas 40 ou 20 anos, a depender do grupo. A covid-19 chegou em 4 de junho, depois que quatro funcionários do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Vale do Javari comprovaram que estavam com a doença e foram removidos às pressas da Aldeia de São Luís. Um dia depois, os exames confirmaram que três indígenas kanamari também estavam infectados.
Saiba mais em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-17/covid-19-se-espalha-entre-indigenas-brasileiros-e-ja-ameaca-povos-isolados.html
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