Especialista em fascismo diz que presidente tem traços para se enquadrar no termo, mas que sociedade brasileira impede regime. Ele alerta, porém, para necessidade de frente democrática: “Não é hora de pequena política.”
Jair Bolsonaro é um populista de extrema direita com comportamentos fascistas, pelo uso que faz da mentira, da glorificação da violência e da discriminação de minorias. Mas que talvez “nunca será o fascista que gostaria de ser”, por estarem ausentes no Brasil as condições para um regime desse tipo prosperar, afirma o historiador argentino Federico Finchelstein, especialista em fascismo.
Professor da The New School for Social Research, em Nova York, e diretor do programa sobre América Latina da faculdade, Finchelstein lançou em abril o livro A Brief History of Fascist Lies (Uma breve história das mentiras fascistas, em tradução livre), no qual discute o uso da mentira como peça central na sustentação de movimentos fascistas — para esses grupos, a verdade seria enraizada “na fé e no mito”, e não na ciência.
Bolsonaro “mente como um fascista, elogia ditaduras e ditadores como um fascista, glorifica a violência”, afirma Finchelstein. Porém faltam os elementos na sociedade necessários para sustentar um regime fascista, como a supressão da imprensa e a submissão do Judiciário. No mundo, seu comportamento está próximo ao dos primeiros-ministros Narendra Modi, na Índia, e Viktor Orbán, na Hungria, avalia.
Questionado sobre os atos de rua e manifestos contra o governo que eclodiram no Brasil no final de maio, Finchelstein diz ser correto identificá-los como antifascistas e defende a construção de coalizões amplas pró-democracia.
“Este é o momento para as pessoas que acreditam na democracia defenderem a democracia, em vez de pensar em uma lógica normal da política, porque não se trata de um contexto de normalidade”, afirma, lembrando que os apoiadores do presidente são hoje a minoria da população.
DW Brasil: O que é fascismo?
Federico Finchelstein: Uma ideologia política e, às vezes, um movimento e um regime, que envolve glorificação e prática da violência política, perseguição e às vezes eliminação de opositores, ditadura, supressão da imprensa, racismo e xenofobia. E que adota uma maneira específica de mentir, que afasta a realidade e tenta nos fazer viver a sua verdade, a serviço de fantasias, paranoias e uma ideologia nas quais os fascistas acreditam como se fossem a verdade.
Políticos inspirados pelo fascismo mentem mais que outros políticos?
Sim, políticos fascistas tendem a mentir mais, mas não se trata somente de mentir mais. Eles acreditam em suas próprias mentiras. E, mesmo que vejam que essas mentiras não correspondam à realidade, acreditam que essas mentiras estão a serviço de uma verdade, que é a verdade do líder e da ideologia. Uma verdade enraizada na fé e no mito, em vez de na observação empírica.
Por que ir contra a ciência é importante para movimentos fascistas?
Porque frequentemente a ciência, assim como o jornalismo, contradiz o que afirma a ideologia ou o que o líder deseja que seja a verdade. Vou dar dois exemplos, um da Alemanha nazista e um do Brasil. Na Alemanha nazista, era central para os nazistas a ideia de que os judeus eram sujos e espalhavam doenças, o que é uma mentira. No Brasil temos algo similar. Bolsonaro tem negado a ciência em relação à pandemia, negou o vírus, disse que se tratava de uma gripezinha. Essas mentiras têm resultados letais. Há uma conexão entre mentiras políticas e mortes.
O governo Bolsonaro tem traços fascistas?
Ele é um político populista de extrema direita que frequentemente se comporta não como um populista, mas como um fascista. Bolsonaro tem essa mistura. O populismo ocorre em democracias formais, e ele foi eleito em uma democracia. Mas é um líder que às vezes parece que gostaria de destruir a democracia por dentro e criar uma ditadura fascista.
Que tipo de comportamento de Bolsonaro se assemelha ao fascismo?
Ele não alcançou o patamar fascista ainda, mas mente como um fascista, elogia ditaduras e ditadores como um fascista, glorifica a violência — basta lembrar que o símbolo de sua campanha era fazer uma arma com a mão. Ele tem praticado atos de discriminação contra diferentes tipos de minorias. E, para ele, a oposição não é formada por indivíduos que merece respeito, mas terroristas que precisam ser eliminados.
É um líder que não tem muito respeito pela Constituição e a democracia, e o risco é que ele e seus apoiadores tentem dar algum tipo de autogolpe. Existe essa possibilidade, mas ela não precisa ocorrer. Talvez Bolsonaro nunca será o fascista que ele gostaria de ser, porque para o fascismo vencer, são necessários alguns elementos, que ocorreram no passado na Alemanha ou na Itália: supressão da imprensa, ausência de oposição, colaboração dos servidores públicos, das Forças Armadas e dos políticos de direita que não são fascistas. Quando isso ocorre, o fascismo vence.
Mas não está claro hoje no Brasil se as pessoas da direita vão ficar com Bolsonaro ou com a Constituição, nem se as Forças Armadas vão ficar do lado da Constituição ou de um projeto de ditador. E temos visto bastante independência do Poder Judiciário brasileiro. Além disso, não é certo que os brasileiros ficarão apáticos a respeito disso, porque quando isso ocorre o fascismo vence. Estou otimista em relação aos brasileiros e creio que eles poderão defender sua democracia.
Há duas semanas começaram a surgir protestos de rua que se autodenominam antifascistas, além de manifestos contrários ao governo. É uma designação correta?
Sim. Historicamente, o antifascismo não é a esquerda. São os que defenderam a democracia contra o fascismo, o que inclui pessoas da esquerda, mas também do centro e da direita. Não devemos nos deixar confundir pelas mentiras de líderes como Bolsonaro ou Donald Trump. Se eles disserem que antifascismo é anarquismo ou a esquerda, isso não é verdade. E espero que a maioria de nós seja antifascista. Bolsonaro tem apoio de cerca de 30% da população, então a maioria dos brasileiros é antifascista, mas sem usar esse termo.
Lideranças políticas de diversos partidos e correntes também têm conversado sobre a formação de uma frente, mas há dificuldade de encontrar um discurso unificado.
Quando projetos de ditador estão ameaçando a democracia, não é a hora para a pequena política. Uma coalizão antifascista significa defender a democracia. Se as pessoas querem usar outro nome, isso não deve ser o ponto principal. Mas este é o momento para as pessoas que acreditam na democracia defenderem a democracia, em vez de pensar em uma lógica normal da política, porque não se trata de um contexto de normalidade.
Saiba mais em: https://www.dw.com/pt-br/bolsonaro-talvez-nunca-ser%C3%A1-o-fascista-que-gostaria-de-ser/a-53868854
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