A dor que fulminou a família de Rebecca e Emilly — primas assassinadas por um tiro de fuzil em 4 de dezembro enquanto brincavam em frente de casa, na comunidade do Barro Vermelho, em Duque de Caxias (RJ) — foi a mesma que desmoronou sobre Leandro Monteiro de Matos, pai de Vanessa Vitória dos Santos, morta em julho de 2017, com dez anos, ao ser baleada na cabeça dentro de casa na região conhecida como Boca do Mato, em Lins de Vasconcelos, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, durante uma operação policial.
Mariana Schreiber
Como no caso de Rebecca Beatriz Rodrigues Santos (7 anos) e Emilly Victoria da Silva Moreira Santos (4 anos), a morte de Vanessa provocou grande comoção, colocando pressão sobre a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro para esclarecer o caso.
No entanto, mais de três anos depois, ninguém foi punido pelo crime e Matos ainda não tem resposta sobre os responsáveis por retirar a vida de sua filha precocemente. Uma demora, diz ele, que torna seu sofrimento ainda pior.
“Eu entreguei na mão de Deus (a resolução do caso). Eu tenho esperança que seja resolvido, mas não estou muito confiante porque, infelizmente, pra pobre e favelado não existe Justiça”, afirmou à BBC News Brasil.
“A verdade é que o Ministério Público eu não sei nem pra que serve”, disse também, ao criticar o que vê como falta de vontade da instituição para investigar o caso.
Para o pai de Vanessa, a falta de resolução e punição para a morte de sua filha e inúmeros casos semelhantes ao dela alimentam a repetição desses assassinatos. Somente em 2020, outras dez crianças de até 14 anos além de Rebecca e Emilly morreram baleadas no Estado do Rio de Janeiro, segundo monitoramento da organização Rio de Paz.
“Eu fico muito triste com isso (a morte das duas primas). Porque se lá atrás, quando eu pedi (por punição), se tivessem feito o que eu tava pedindo, e que outros pediram antes de mim, teria evitado de acontecer”, lamenta ele.
“Eu sou criado em comunidade. Infelizmente, veio a acontecer com minha filha, mas já vi acontecer com várias outras pessoas e ninguém saber (quem são os culpados). O parente vai, faz o sepultamento do parente falecido, e acabou”, revolta-se.
Vanessa foi baleada ao chegar em casa da escola, numa tarde de terça-feira, 4 de julho de 2017. Segundo parentes que estavam presentes, policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Camarista-Méier invadiram a residência para atirar contra traficantes. Um inquérito da Polícia Civil investiga o caso, mas até hoje não foi concluído.
O abandono do caso de Vanessa não é exceção no Rio de Janeiro, Estado que resolve apenas 11% dos casos de homicídio, segundo a edição deste ano do estudo Onde mora a impunidade, da organização Sou da Paz, que analisou homicídios ocorridos em 2017 e esclarecidos até dezembro de 2018.
Ou seja, no Rio de Janeiro, a cada cem assassinatos no ano da morte de Vanessa, apenas onze haviam gerado uma denúncia criminal pelo Ministério Público até o fim do ano seguinte — o pior resultado entre onze estados que disponibilizaram dados para o estudo (AC, DF, ES, MT, MS, PA, PE, RJ, RO, SC, SP).
No entanto, mesmo os casos em que há denúncia criminal costumam se arrastar na Justiça, aumentando a insatisfação das famílias, disse à BBC News Brasil o defensor público Fábio Amado, coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria do Rio.
“Essa demora faz perdurar o luto, o sofrimento das famílias. A Justiça precisa ser, claro, eficiente, correta, mas tem que ser rápida também. Porque, quando ela demora demais, faz nascer dentro das famílias um sentimento de injustiça”, nota ele.
Segundo Amado, a Defensoria dá suporte às famílias tanto em ações civis, que buscam reparação com apoio psicológico e reparação financeira, quanto nos processos criminais. Ele diz, porém, que a maioria busca a punição penal.
“Em regra, a família tem mais interesse na esfera criminal. O sentimento de justiça caminha muito por uma responsabilização criminal do autor ou autores dos disparos”, ressalta.
Saiba mais em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55307898
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